BdP volta a alertar famílias para perda de rendimento com subida da Euribor

Em poucos dias, é a segunda manifestação de preocupação do supervisor em relação ao endividamento dos particulares.

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Dinâmica do mercado imobiliário e do crédito andam ao mesmo ritmo. Diogo Baptista

Sinal de alerta: as famílias endividadas perdem, em média, 2% do rendimento a cada subida de 1% das taxas Euribor, a que está associada a maioria dos empréstimos à habitação. Os agregados com menores rendimentos sofrerão um corte de 4,4%. 

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Sinal de alerta: as famílias endividadas perdem, em média, 2% do rendimento a cada subida de 1% das taxas Euribor, a que está associada a maioria dos empréstimos à habitação. Os agregados com menores rendimentos sofrerão um corte de 4,4%. 

O cálculo consta do Boletim Económico do Banco de Portugal (BdP), divulgado esta sexta-feira, e representa, em poucos dias, a segunda chamada de atenção do supervisor em relação ao impacto da subida das taxas de juro nas famílias endividadas. Na semana passada, a instituição liderada por Carlos Costa mostrou preocupação em relação à forma como está a ser concedido o crédito à habitação, admitindo, mesmo, a possibilidade de tomar medidas para travar determinadas práticas bancárias.  

No Boletim Económico, o BdP tenta antecipar um dos principais desafios que deverão enfrentar as famílias e a economia portuguesa nos próximos anos: o provável regresso à normalidade da política monetária do Banco Central Europeu, o que terá como resultado a subida das taxas de juro de curto prazo, ou seja, as taxas Euribor, que estão na base do crédito suportado pelos portugueses. E esse cenário pode começar a colocar-se, com base na informação actual, a partir de 2019.

Segundo o documento, o resultado da subida de 1% da taxa é, para a média das famílias com empréstimos a taxa variável por pagar, uma diminuição do seu rendimento disponível em 2%. Se a análise incluir todas as famílias portuguesas (isto é, incluindo também aquelas que não estão endividadas), o impacto médio é de 0,7%.

Há no entanto, impactos muito diferenciados de acordo com as características das famílias. As mais afectadas, como seria de esperar, são as famílias situadas nos escalões de rendimento mais baixo. As famílias do primeiro quartil (as que estão na fasquia dos 25% de famílias com rendimentos mais baixos) que tenham contraído um empréstimo a taxa variável podem esperar um impacto negativo no seu rendimento de 4,4% por cada ponto percentual de subida nas taxas de juro. No pólo oposto, as famílias situadas no quartil mais alto sofrem um impacto negativo de 1,6%.

De notar, contudo, que a percentagem de famílias de mais baixo rendimento que contraíram dívida a taxa variável é muito mais reduzida (13%) do que no quartil mais alto (58%).

No relatório de Estabilidade Financeira, da semana passada, o Banco de Portugal destacava a existência de “uma percentagem significativa de famílias com níveis de endividamento muito elevado face ao seu rendimento, em vários estratos”. E elencava como sinais de alerta a relação empréstimo/garantia (numa altura em que alguns bancos já emprestam 100% do valor de compra), a redução dos spreads (margem comercial do banco) e o alargamento do prazo dos contratos. Estes factores têm como resultado imediato a apresentação de taxas de esforço (percentagem do rendimento disponível para pagar os encargos do empréstimo) sustentáveis para o actual nível das taxas, mas que podem vir a ser incomportáveis em face de uma subida das taxas de juro.

Os alertas surgem quando se assiste a um forte crescimento do crédito, que tem por base taxas Euribor que se encontram negativas. No primeiro trimestre do corrente ano, a concessão de crédito à habitação cresceu cerca de 40% em termos homólogos e a percentagem de transacções de casas financiadas com recurso a crédito aumentou para 45%, face ao mínimo de 20% em 2013 (65% em 2009).

No crédito ao consumo foram concedidos 4800 milhões de euros de novo crédito até Setembro, o que representa um crescimento de 12,8% em termos homólogos. Apesar do forte crescimento, o nível atingido continua bem abaixo do máximo registado antes da chegada da troika. 

Este tipo de crédito é maioritariamente feito a taxa fixa, que é muito superior à taxa Euribor, o que deixa as famílias em grande vulnerabilidade face a factores que não controlam, como situações de desemprego.

O Banco de Portugal e outras entidades têm vindo a alertar para os riscos que uma economia com níveis de endividamento elevados, como a portuguesa, corre à medida que a política monetária se for tornando menos expansionista na zona euro (de que resultará uma subida das taxas de juro). Para já, o BCE já anunciou os seus planos de redução progressiva do seu programa de aquisição de activos nos mercados a partir de 2018. Uma subida da sua taxa de juro de refinanciamento apenas acontecerá, mais tarde, quando esse programa estiver completamente finalizado. Ainda assim, é possível que, à medida que esse momento se for aproximando, as taxas de juro Euribor (que são calculadas com base nas taxas praticadas nos empréstimos feitos pelos bancos entre si e que servem de indexante à maioria do crédito concedido às famílias portuguesas) se comecem a adaptar, com uma subida progressiva.

Durante os últimos anos, a política expansionista do BCE conduziu a que as taxas Euribor caíssem para valores negativos, algo que reduziu os encargos com juros de muitas famílias portuguesas.