Uso medicinal da cannabis? Sim, desde que...
A política do medicamento é clara e assenta em princípios técnico-científicos e não em crenças, suposições ou pseudocientificidade.
No final de novembro passado estive presente no I Congresso Internacional sobre “Cannabis e os seus derivados: saúde, educação e lei”, que decorreu na Galiza, o qual integrou um leque variado de especialistas nestas matérias. Neste evento científico surgiram algumas conclusões pertinentes, das quais destaco: “A utilidade terapêutica da cannabis não pode ser aprovada sem os requisitos exigidos pelas agências do medicamento, as quais defendem o superior interesse da saúde humana. Não podemos nem devemos utilizar informação pseudocientífica para promover o seu uso” (Dr. Fernando Fonseca, diretor da Fundação Hospital Carlos Haya de Málaga); “Não podemos dizer que os canabinóides estão a curar certas e determinadas doenças, apenas podem melhorar os seus sintomas e ainda não há estudos conclusivos, pois os que existem ainda estão a ser feitos em animais. É importante informar as pessoas sobre os aspetos positivos e negativos da cannabis” (Dr. José António Antance, do departamento de bioquímica e biologia molecular da Universidade Complutense de Madrid); “Atualmente nos Estados Unidos há mais publicidade com cannabis do que com o álcool. O conceito da legalização é puramente comercial” (Dr. César Gomez, psiquiatra).
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No final de novembro passado estive presente no I Congresso Internacional sobre “Cannabis e os seus derivados: saúde, educação e lei”, que decorreu na Galiza, o qual integrou um leque variado de especialistas nestas matérias. Neste evento científico surgiram algumas conclusões pertinentes, das quais destaco: “A utilidade terapêutica da cannabis não pode ser aprovada sem os requisitos exigidos pelas agências do medicamento, as quais defendem o superior interesse da saúde humana. Não podemos nem devemos utilizar informação pseudocientífica para promover o seu uso” (Dr. Fernando Fonseca, diretor da Fundação Hospital Carlos Haya de Málaga); “Não podemos dizer que os canabinóides estão a curar certas e determinadas doenças, apenas podem melhorar os seus sintomas e ainda não há estudos conclusivos, pois os que existem ainda estão a ser feitos em animais. É importante informar as pessoas sobre os aspetos positivos e negativos da cannabis” (Dr. José António Antance, do departamento de bioquímica e biologia molecular da Universidade Complutense de Madrid); “Atualmente nos Estados Unidos há mais publicidade com cannabis do que com o álcool. O conceito da legalização é puramente comercial” (Dr. César Gomez, psiquiatra).
No passado dia 11 de dezembro, o Bloco de Esquerda (BE) promoveu na Assembleia da República uma audição pública sobre utilização medicinal da cannabis na qual estiveram presentes um conjunto de profissionais, entre eles da área da saúde que, entre outras considerações, afirmaram que a cannabis tem como grande indicação o tratamento de sintomas, nomeadamente a falta de apetite, vómitos, náuseas e como analgésico. Vem isto a propósito da pretensão do BE em apresentar uma proposta legislativa para legalizar o uso medicinal da cannabis em Portugal. E a questão que aqui se coloca é: faz sentido criar uma legislação específica para a utilização medicinal da cannabis? Não! Não faz qualquer sentido!
Senão vejamos: se de facto há estudos e/ou evidência científica a comprovar que a cannabis e os seus derivados têm originado fármacos, os quais têm sido utilizados noutros países, o passo seguinte não carece de qualquer alteração ou criação de legislação, pois para tal é suficiente a existente. Basta que, à semelhança de qualquer molécula, seja entregue o dossier completo, o qual deve incluir os ensaios pré-clínicos, os estudos farmacêuticos e os ensaios clínicos ao Infarmed. Esta entidade, através da sua comissão da avaliação dos medicamentos, avaliará e emitirá um parecer no qual constatará se a molécula cumpre os requisitos supracitados e está em condições de ser autorizada para utilização no mercado, sempre no formato em que a molécula foi apresentada no dossier – por ex., se foi proposto como spray é só dessa forma que poderá ser comercializada.
A política do medicamento é clara e assenta em princípios técnico-científicos e não em crenças, suposições ou pseudocientificidade. Não basta o BE ou o seu deputado Moisés Ferreira vir a terreiro fazer ruído e afirmar que “existe mais do que evidência científica sobre os seus efeitos benéficos do ponto de vista terapêutico. É uma substância do ponto de vista medicinal rica e que não está a chegar a quem dela precisa por estigma e preconceito para com uma planta. Do ponto de vista do direito à saúde não há nenhuma justificação para dizer a dezenas de milhares de pessoas neste país que eles não podem ter direito a um determinado tratamento, provavelmente nalguns casos o melhor tratamento do que os que estão disponíveis, porque existe preconceito para com uma planta”, para se autorizar o uso medicinal da cannabis e seus derivados, assim como outra e qualquer molécula.
Ao contrário do que o BE nos quer fazer crer, não há preconceito contra a cannabis, há antes falta de cientificidade por parte do BE que teima em querer passar uma mensagem que não corresponde à verdade em termos científicos sobre esta planta e os seus derivados. Imagine-se por absurdo que se descobre amanhã que as urtigas têm propriedades medicinais: vamos simplesmente aprovar uma legislação específica para a sua utilização medicinal?
Mas ainda há mais! Nesta proposta legislativa do BE está também previsto algo ainda mais preocupante e diria mesmo absurdo, que é o autocultivo, repito, autocultivo por parte dos pacientes. Estamos a falar no contexto terapêutico e farmacológico ou no contexto dos remédios e chazinhos caseiros das nossas avós? O autocultivo constitui um perigo para a saúde pública e é totalmente contra a política do medicamento. Tudo isto não é mais do que uma pretensão encapotada para a liberalização da cannabis para fins recreativos, como está bem patente no que disse Moisés Ferreira na mesma audição pública: “Estamos a iniciar o caminho legislativo com projetos sobre o uso medicinal e no futuro voltaremos à discussão sobre o uso recreativo. Um caminho legislativo que voltará a colocar Portugal na vanguarda na forma como aborda as drogas.” A vanguarda em que Portugal tem de estar é na forma como lida com o fenómeno das drogas, a qual deve assentar, fundamentalmente, na implementação, desenvolvimento e avaliação de um modelo estratégico cuja pedra de toque tem de incidir na prevenção e não na legalização para fins recreativos de uma substância psicoativa que, por alguma razão, continua incluída na lista de drogas ilícitas ao abrigo das várias convenções da ONU. Face a tudo isto, peço aos senhores deputados deste país dos vários quadrantes políticos que não aprovem estas propostas do BE, porque a legislação em vigor é suficiente e assenta numa política do medicamento suportada por critérios técnico-científicos cujo principal objetivo é garantir o superior interesse da saúde dos cidadãos. À ciência o que é da ciência, à política o que é da política.
Por último e não menos importante, quero frisar que não tenho qualquer preconceito ou diabolização contra esta planta e seus derivados e oxalá que se consigam produzir moléculas que se revelem excelentes ferramentas terapêuticas no combate às doenças e seus sintomas. Sou a favor da sua utilização para fins medicinais como de outra e qualquer molécula ou substância que se revele eficiente e eficaz, ao abrigo do cumprimento dos requisitos legais exigidos.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico