Gravuras rupestres provam que os cães acompanham os humanos há mais de dez mil anos

Gravado numa escarpa de arenito no deserto árabe, um caçador pré-neolítico puxa o seu arco para a matança. Está acompanhado de uma dúzia de cães.

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Não sabemos se o cão é mesmo o melhor amigo do homem, mas já sabemos que a oxitocina – a chamada “hormona do amor” – promove os profundos laços mútuos que unem os seres humanos aos seus cães, tal como acontece entre pais e filhos, quando um e outro se olham, olhos nos olhos, num demorado tango de olhares. E, se é verdade que ainda não se chegou a um consenso sobre quando e como os começámos a domesticar, também é verdade que os cientistas encontraram agora, no deserto árabe, gravuras rupestres, com pelo menos dez mil anos, de cães como “damas de companhia”, às vezes já de trela, dos caçadores pré-neolíticos.

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Não sabemos se o cão é mesmo o melhor amigo do homem, mas já sabemos que a oxitocina – a chamada “hormona do amor” – promove os profundos laços mútuos que unem os seres humanos aos seus cães, tal como acontece entre pais e filhos, quando um e outro se olham, olhos nos olhos, num demorado tango de olhares. E, se é verdade que ainda não se chegou a um consenso sobre quando e como os começámos a domesticar, também é verdade que os cientistas encontraram agora, no deserto árabe, gravuras rupestres, com pelo menos dez mil anos, de cães como “damas de companhia”, às vezes já de trela, dos caçadores pré-neolíticos.

“O tema da domesticação dos cães e dos primeiros usos [para os seres humanos] tem uma longa e complexa história na investigação arqueológica. Embora já esteja claro que os cães foram o primeiro animal doméstico e foram domesticados antes do advento da produção de alimentos, a partir do lobo-cinzento, seu antepassado, as questões sobre o tempo, a localização e o número de centros de domesticação permanecem sem resposta”, refere o artigo científico, publicado recentemente na revista Journal of Anthropological Archaeology, que dá conta da descoberta de provas pré-neolíticas de estratégias de caça ajudada por cães. “Aqui discutimos representações de cães de caça em painéis pré-neolíticos [anteriores ao período em que se adoptou a produção de alimentos].”

Foi nos sítios arqueológicos de Shuwaymis e Jubbah, na Arábia Saudita, que se encontraram as tais provas, na forma de gravuras rupestres, gravadas em escarpas de arenito. Representações de humanos, equipados com arco e flecha, que na companhia dos seus cães se preparam para atirarem ao que parecem ser gazelas, antílopes e até um leão. E do pescoço de determinados cães, vêem-se linhas a correr até à cintura dos homens. Estas figuras esculpidas oferecem, de acordo com os investigadores, uma oportunidade única de explorar o comportamento e a morfologia dos primeiros cães domésticos e o seu papel nas estratégias de caça das populações pré-históricas.

“Agora sabemos que os humanos já conseguiam controlar cães e que os usavam em complexas estratégias de caça, muito antes de conseguirem controlar o gado”, explica ao PÚBLICO Maria Guagnin, do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana, em Jena (Alemanha), e primeira autora do artigo científico. “As estratégias de caça não são visíveis no registo arqueológico e as coleiras e trelas geralmente são feitas de materiais perecíveis, de modo que a arte rupestre é a única informação que temos.”

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Pintura rupestre no sítio arqueológico de Shuwaymis: à direita, um caçador com 13 cães; e à esquerda, um equídeo, um caçador e oito cães Maria Guagnin

Onde e quando o cão surgiu como animal doméstico é uma pergunta que permanece por responder – há quem suspeite que foi no Leste da Ásia há 15 mil anos, outros indicam o Sudeste da China há 16 mil anos. Não se chegou ainda a uma única conclusão: terão sido domesticados, sugerem ainda outros cientistas, em muitos lugares do mundo ao mesmo tempo. Mas os painéis pré-neolíticos representam, segundo os autores do estudo, a primeira prova de cães na Península Arábica vindos de outras regiões ou de uma domesticação independente de cães descendentes de lobos da região. “Dada a sua distinta morfologia e contexto cultural, é claro que os canídeos representados são cães domésticos, e não lobos ou chacais”, lê-se no artigo científico. “Todos os cães apresentam orelhas bicudas, focinhos curtos, peitos profundamente angulares e uma cauda que encaracola no final.”

Os investigadores sugerem que existe uma semelhança entre os cães retratados e os cães de Canaã actuais, que são oriundos de Israel. Embora refiram o facto de existir um mesmo estilo de representação, todos os cães apresentam características próprias: diferenças de postura, na posição das caudas, no tamanho e nas manchas no pêlo. “Para mim, foi muito entusiasmante que os responsáveis pelas gravuras rupestres representassem cada cão com características individuais. Penso que mostra que conheciam os cães que representaram muito bem – esculpiram cães individuais, não são animais genéricos”, afirma Maria Guagnin. “É fantástico poder ver esse vínculo entre o cão e o caçador milhares de anos depois.”

A investigadora conta ainda que a sua equipa está agora a trabalhar em escavações de sítios arqueológicos do período pré-Neolítico para descobrir que animais perseguiam os primeiros cães de caça e quando é que os caçadores começaram a pastorear gado. E também que esperam encontrar ossos de cães que lhes possam “contar” ainda mais sobre a história de domesticação do cão, que é igualmente uma história de amor e cooperação entre o animal e o ser humano.

Texto editado por Teresa Firmino