Tudo em aberto para 2018 após reviravolta política no Alabama

A surpreendente vitória de Doug Jones num estado fortemente conservador dá um novo alento ao Partido Democrata. Para os analistas, as últimas votações funcionaram como um repúdio de Trump e um prenúncio de uma nova vaga.

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Como na história do que veio primeiro, o ovo ou a galinha, também as discussões se dividem num debate porventura interminável sobre se foram os democratas que ganharam a eleição no Alabama ou os republicanos que perderam. Certo é que no lugar no Senado que desde 1992 foi sempre ocupado por um conservador vai sentar-se Doug Jones, o discreto procurador e advogado que concorreu pelo Partido Democrata e que, contra todas as expectativas, conseguiu derrotar Roy Moore, renitentemente apoiado pelos republicanos mas entusiasticamente endossado pelo Presidente Donald Trump.

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Como na história do que veio primeiro, o ovo ou a galinha, também as discussões se dividem num debate porventura interminável sobre se foram os democratas que ganharam a eleição no Alabama ou os republicanos que perderam. Certo é que no lugar no Senado que desde 1992 foi sempre ocupado por um conservador vai sentar-se Doug Jones, o discreto procurador e advogado que concorreu pelo Partido Democrata e que, contra todas as expectativas, conseguiu derrotar Roy Moore, renitentemente apoiado pelos republicanos mas entusiasticamente endossado pelo Presidente Donald Trump.

As implicações políticas do desfecho inesperado da eleição especial para recompor a representação do estado do Alabama na câmara alta do Congresso não podiam ser mais estrondosas, tanto em Washington como a nível nacional. Do ponto de vista simbólico, ao operar a reviravolta, os democratas mostraram não só que estão em condições de competir e conquistar terreno sólido aos seus adversários políticos, e talvez até recuperar a maioria no Congresso nas eleições cruciais de Novembro de 2018, como também que é possível ultrapassar e vencer o discurso (e comportamento) radical, desafiador e conflituoso que tem Donald Trump como paradigma.

O “bombástico” Roy Moore parece, para já, incapaz de aceitar os resultados e conceder a derrota. De acordo com a contagem oficial, Doug Jones obteve 49,9% dos votos, contra 48,4% de Moore. O intervalo que separa os dois candidatos é superior ao meio ponto percentual que obrigatoriamente conduz à recontagem de votos, mas numa primeira reacção, o republicano deu a entender que estaria a preparar uma reclamação para contestar o resultado. “Quando os números são tão próximos quer dizer que ainda não acabou”, disse.

Derrota de Trump

O antigo juiz, que por duas vezes foi afastado do cargo no Supremo tribunal do Alabama por se recusar a aplicar a lei federal, manteve uma distância de mais de cinco pontos em relação ao adversário até meados de Novembro. Após a publicação pelo The Washington Post de notícias fundamentadas sobre o seu passado como predador sexual que atacou pelo menos duas adolescentes, a sua campanha esteve em risco de soçobrar, não fosse o apoio decisivo que lhe chegou da Casa Branca. Quando o establishment republicano procurava cavar um fosso de separação em relação a Moore, Trump veio a terreno, fazendo comícios pelo candidato e chamando mentirosas às mulheres que o acusavam de abusos sexuais.

Porém, depois de conhecer o resultado, também Donald Trump tentou demarcar-se, lembrando através do Twitter que durante a primária republicana tinha dado o seu apoio a Luther Strange. “Sempre disse que Roy Moore não conseguiria ganhar uma eleição geral e tinha razão! Ele trabalhou muito, mas estava tudo contra ele”, escreveu o Presidente, que cumprimentou o vencedor e consolou os derrotados lembrando que “dentro de pouco tempo terão uma oportunidade para recuperar o lugar” (que pertencia ao agora Procurador-geral, Jeff Sessions).

Mas é difícil não ver a eleição especial como uma derrota pessoal de  Trump – que em 2016 bateu Hillary Clinton no Alabama por quase 30 pontos – e do seu conselheiro político Steve Bannon, que mesmo depois de abandonar a Administração continua nos bastidores a desenhar a estratégia do Presidente.

“Trump sofreu um sério revés político com a surpreendente vitória de Doug Jones no Alabama”, resumia o veterano repórter Mike Allen no site Axios. “Foi um repúdio de Trump. É um prenúncio de uma nova vaga nas eleições do próximo ano”, concordou o consultor democrata Robert M. Shrum, em declarações ao Washington Post.

51-49

Em termos práticos, a presença de mais um senador na bancada democrata deixa seriamente em risco a agenda política da Casa Branca. Apesar de disporem da maioria dos votos no Senado, os republicanos viram a sua curta margem reduzida para a mínima expressão de 51-49 (embora contem sempre com o voto de qualidade do vice-presidente, Mike Pence, em caso de empate). Anteriores votações já tinham tornado evidentes as dificuldades em aprovar propostas impopulares, como o pacote para a revogação do Obamacare. Temendo uma nova derrota legislativa, o líder da maioria do Senado, Mitch McConnell, já veio confirmar esta quarta-feira que tenciona adiantar a votação da polémica reforma fiscal exigida por Trump para antes da tomada de posse de Doug Jones.

Dentro do movimento conservador, a eleição no Alabama obrigará a uma reflexão profunda, que vai mais além da escolha de candidatos e tem a ver com o apelo da sua plataforma política. Como aconselhava o analista Matthew Yglesias, no site Vox, os líderes republicanos estarão a passar ao lado do “problema” se justificarem a derrota apenas como uma rejeição de um mau candidato, suspeito de abusos sexuais de menores de idade. “E o problema é que o Partido Republicano é representado por um Presidente impopular e líderes impopulares que estão a promover uma agenda impopular no Congresso”, aponta.

Risco eleitoral

Valendo-se dos números de todas as últimas eleições, e das indicações sondagens sobre as intenções de voto em 2018, Yglesias diz que os candidatos democratas que se apresentaram nas 65 eleições especiais realizadas este ano a nível nacional e estadual conseguiram, em média, acrescentar mais nove pontos percentuais ao resultado obtido por Hillary Clinton (que classificou o resultado da noite no Alabama como uma prova de que o partido “será competitivo” em 2018). Os democratas dispõem de uma vantagem genérica de dez pontos sobre o Partido Republicano para as eleições intercalares de Novembro de 2018. “Nesta altura, o risco eleitoral para os republicanos é imenso”, considera Matthew Yglesias.

A 11 meses das intercalares, ainda há muito tempo para os conservadores mudarem este cenário e inverterem a actual tendência, voltando a chamar para o seu campo o eleitorado suburbano e de classe média que depois de eleger Trump começa a dar sinais de descontentamento (principalmente as mulheres). No entanto, os democratas também poderão assimilar as últimas lições em termos da recomposição e mobilização da sua coligação eleitoral – importantes grupos, como por exemplo os afro-americanos, que se abstiveram em 2016 estão agora a ir de novo às urnas.

Mas há uma outra consequência de peso da eleição do Alabama que os republicanos já não poderão corrigir e que tem a ver com as suas perspectivas de um realinhamento ideológico do Supremo Tribunal, onde dois juízes – a liberal Ruth Bader Ginsburg, e o centrista Anthony Kennedy – estão com mais de 80 anos de idade. Apesar de os mandatos dos juízes no Supremo serem vitalícios, existe a expectativa de que estes dois juízes possam pedir a reforma, abrindo a porta a duas nomeações que podem alterar significativamente o equilíbrio de forças no colectivo (presidido pelo conservador John Roberts).

Esse foi um dos cavalos de batalha do Partido Republicano e de Donald Trump nas eleições de 2016, que acenaram às franjas mais conservadoras do eleitorado com a reversão da histórica lei do aborto de 1973, Roe v. Wade. Mas após a vitória no Alabama, os democratas só precisam de conquistar dois lugares nas intercalares de 2018 para controlar o processo de substituição, se algum dos actuais juízes decidir deixar o cargo.