Bruxelas desafiada a vigiar regiões europeias que facilitam a evasão fiscal
Proposta para incluir quatro países europeus na lista de paraísos fiscais foi hoje chumbada pelo Parlamento Europeu
Ao fim de meses de discussões, missões a países europeus e negociações no Parlamento Europeu, estão aprovadas as centenas de recomendações da comissão de inquérito dos Panama Papers para combater a fraude, os esquemas fiscais agressivos e o branqueamento de capitais – 492 eurodeputados votaram a favor, 50 contra e 136 abstiveram-se.
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Ao fim de meses de discussões, missões a países europeus e negociações no Parlamento Europeu, estão aprovadas as centenas de recomendações da comissão de inquérito dos Panama Papers para combater a fraude, os esquemas fiscais agressivos e o branqueamento de capitais – 492 eurodeputados votaram a favor, 50 contra e 136 abstiveram-se.
Embora o relatório final da comissão de inquérito fizesse uma referência explícita à zona franca da Madeira, considerando que regiões como a portuguesa “são utilizadas de forma abusiva por grandes sociedades”, o documento votado nesta quarta-feira no plenário de Estrasburgo (o projecto das recomendações, mais as emendas a esses tópicos) tem nuances em relação a esse documento e não cita directamente o nome do arquipélago madeirense.
Apesar de não ir tão longe quanto a pressão exercida no relatório final, há várias emendas que forçam tanto a Comissão Europeia como os próprios governos nacionais a aumentar o escrutínio sobre os regimes fiscais das suas regiões.
Na hora da votação, foi aprovada uma emenda do Partido Popular Europeu (PPE, do qual fazem parte o PSD e o CDS) que “insta” a Comissão Europeia a apresentar, até ao final de 2018, um relatório de avaliação dos regimes fiscais dos países e “das jurisdições dependentes, regiões ou outras estruturas administrativas desses Estados-Membros que facilitam a evasão e a fraude fiscais e têm um impacto potencialmente nocivo no mercado único”.
A recomendação que vingou acabou por ter implicações diferentes em relação ao que estava no projecto inicial, porque era pedido que os Estados-membros elaborassem uma lista dos países com “jurisdições fiscais não cooperantes” até ao final de 2017. Agora, em vez de uma lista, propõe-se um relatório de avaliação até ao final de 2018 — e no lugar de “jurisdições-não cooperantes” o alvo são jurisdições que “facilitam a evasão”, com práticas que têm repercussões para o mercado comum.
Há propostas com um sentido semelhante, mas a força dos detalhes da redacção de cada parágrafo introduz nuances se elas forem lidas em conjunto. E isso é visível em duas recomendações aprovadas.
Num caso, os eurodeputados desafiam os Estados-membros a aumentar a pressão sobre as dependências ou sobre regiões ultraperiféricas “que não respeitem as normas internacionais em matéria de cooperação fiscal, a transparência e o branqueamento de capitais”. E consideram que “as normas de transparência da UE e os requisitos de devida diligência devem ser efectivamente aplicados nesses territórios”.
A Madeira é uma região económica especial. Mas ao mesmo tempo em que esta proposta é aprovada, vingou uma outra do PPE onde se diz que “os actuais regimes nas regiões ultraperiféricas aplicam a legislação da União e respeitam as normas internacionais e da União”.
O que acabou por não ser aprovada foi uma proposta dos socialistas europeus que era um desafio a Jean-Claude Juncker, ao propor à Comissão Europeia que considerasse quatro países europeus - o Luxemburgo, a Holanda, a Irlanda e Malta – como “paraísos fiscais da UE”.
Sem o apoio de todo o PPE e dos liberais, a emenda não passou. Já na véspera o eurodeputado liberal checo Petr Jezek, co-relator do relatório da comissão de inquérito, considerara que os quatro Estados-membros não eram, para si, “paraísos fiscais propriamente ditos”, ainda que concordasse haver na Europa um mapa de Estados-membros “cinzentos” em matéria fiscal – uma referência ao processo de elaboração da lista de paraísos fiscais criada pela União Europeia, que implicou criar uma “lista negra” e uma outra “cinzenta” para territórios problemáticos, mas que se comprometeram a melhorar as práticas e a cooperação fiscal.
Se esta proposta mais taxativa caiu por terra, foi aprovada uma outra por iniciativa dos eurocépticos do grupo parlamentar Europa da Liberdade e da Democracia Directa, do qual fazem parte o movimento 5 Estrelas em Itália, o partido de extrema-direita alemã Alternativa para a Alemanha (AfD) e o UKIP.
O parágrafo diz que a lista europeia omite “países da UE que têm um papel sistemático na promoção e habilitação de práticas fiscais prejudiciais e que não cumprem o critério relativo a uma tributação justa”. A esta crítica acrescentam que pelo menos aqueles “quatro Estados-Membros seriam incluídos na lista, se fossem examinados segundo os mesmos critérios da UE, como demonstrado numa simulação feita pela Oxfam”.
O documento da PANA tem outras propostas já conhecidas. Entre elas está um reforço das medidas para penalizar os intermediários financeiros (como bancos, consultores fiscais e advogados) envolvidos em práticas de planeamento fiscal agressivo. A ideia passa por aplicar efectivamente sanções para quem, de forma deliberada e recorrente, participe nestes esquemas fiscais.
Relativamente a Portugal, o relatório final da PANA faz referência ao “apagão” fiscal de informação na base central de dados da autoridade tributária portuguesa relativa a 10.000 milhões de euros transferidos para contas offshore, mas esse ponto não faz parte do documento das recomendações votadas.
O PÚBLICO viajou a convite do Parlamento Europeu