Sem unanimidade, como vai a Europa lutar contra os paraísos fiscais?
Nuno Melo e Ana Gomes protagonizam nova troca de palavras sobre a zona franca da Madeira. José Manuel Fernandes pede definição “eficaz” para falar de paraísos fiscais.
Jeppe Kofod tem um pin ao peito, preso à lapela do casaco. “No Tax Haven”. Não aos paraísos fiscais é o lema do crachá, tudo em maiúsculas, a preto, como se fosse um grito. Uma das letras da frase distingue-se por ser um sinal de trânsito. No lugar da letra “o” está um sentido proibido. Kofod é eurodeputado dinamarquês, dos socialistas europeus. Com o checo Petr Jezek, dos liberais, foi um dos relatores do documento final da comissão de inquérito dos Panama Papers no Parlamento Europeu.
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Jeppe Kofod tem um pin ao peito, preso à lapela do casaco. “No Tax Haven”. Não aos paraísos fiscais é o lema do crachá, tudo em maiúsculas, a preto, como se fosse um grito. Uma das letras da frase distingue-se por ser um sinal de trânsito. No lugar da letra “o” está um sentido proibido. Kofod é eurodeputado dinamarquês, dos socialistas europeus. Com o checo Petr Jezek, dos liberais, foi um dos relatores do documento final da comissão de inquérito dos Panama Papers no Parlamento Europeu.
Nem todos os deputados andam em Estrasburgo com um pin igual ao de Kofod. É quase uma metáfora do que se passa nos corredores. No plenário desta terça-feira vêem-se muitas cadeiras vazias na hora de apresentar e discutir o relatório e as suas recomendações.
No Parlamento como no Conselho, quando o tema em cima da mesa são as questões fiscais, pôr todos de acordo é tantas vezes uma miragem; quanto mais conseguir fazê-lo por unanimidade. E esse é um problema que, por mais distante que possa parecer, está no centro das preocupações da comissão de inquérito que estudou medidas para combater os paraísos fiscais, os esquemas que promovem o planeamento fiscal e arrepiar caminho contra o branqueamento de capitais. Há uma razão: à luz dos tratados, os assuntos de política tributária têm obrigatoriamente de ser aprovados por unanimidade no Conselho. E, neste combate, há “Estados-membros individuais” que “frequentemente” bloqueiam decisões, lê-se no relatório da comissão PANA.
A denúncia aparece num dos tópicos do projecto de recomendação do Parlamento Europeu, que retoma uma questão tão actual quanto há dois anos, quando os temas anti- offshores começavam a ganhar dimensão mediática depois de mega fuga de dados do LuxLeaks e dos Panama Papers: “A regra da unanimidade aplicável no Conselho não encoraja a mudança para uma solução mais concertada, ao atribuir a cada Estado-membro um direito de veto em questões fiscais”.
A Holanda ou o Luxemburgo, atractivos para as multinacionais ao admitirem esquemas de “planeamento fiscal agressivo”, são muitas vezes apontados como países que procuram conter ou travar algumas iniciativas a nível europeu. Kofod lembraria que alguns países celebraram acordos fiscais “com grandes empresas – como a Starbucks, a Ikea ou a Apple – que lhes permite pagar pouquíssimos impostos”.
Como avançar no combate quando nas regras actuais exigem a unanimidade? Para haver um pequeno avanço, o relatório propõe que Bruxelas recorra a um procedimento previsto no tratado sobre o funcionamento da UE que “permite alterar a exigência de unanimidade, caso a Comissão verifique que a existência de uma disparidade entre as disposições legislativas” distorce as condições de concorrência no mercado interno.
Numa mesa redonda, o presidente da comissão de inquérito, o alemão Werner Langen, do PPE, concordou que a regra da unanimidade coloca problemas. Agora que a UE criou uma “lista negra” e uma “cinzenta” para as jurisdições opacas, José Manuel Fernandes, eurodeputado do PSD, retomou a ideia de haver uma “definição comum e eficaz para ‘paraíso fiscal’”. É preciso uma concertação dos governos, sim, mas não uniformizar as taxas, antes ponderar “uniformizar a base tributária”, disse.
A Madeira, de novo
Jezek, co-relator da comissão PANA, afirmou: “Olhando para os Estados-membros, há uma série de tons de cinzento. Não consideraria – como a Oxfam – o Luxemburgo, Malta, a Holanda e a Irlanda como paraísos fiscais propriamente ditos, mas há países que não estão a ser nada prestáveis”.
Entre os eurodeputados portugueses, o debate aqueceu. Ana Gomes (PS) e Nuno Melo (CDS) têm um historial de troca de galhardetes sobre a zona franca da Madeira. E voltou a acontecer. Mas desta vez quem puxou o assunto foi Nuno Melo.
A eurodeputada socialista falara para criticar alguns países pela “obstrução” na ronda de negociações sobre a quinta directiva para a prevenção de branqueamento de capitais. “Até a criação de uma unidade de informação financeira europeia foi ominosamente recusada pelo Conselho”. E considerou haver na Europa “muitos paraísos fiscais” fora da lista.
Nuno Melo ouve, apresenta um cartão azul, em sinal de interpelação. Gomes aceita. Melo desafia: “Está finalmente convencida que o Panamá é o Panamá, a Madeira é a Madeira? A Madeira não tem nada que ver com o Panamá. Quando trata a Madeira como se fosse o Panamá não ajuda a Europa, mas seguramente prejudica Portugal”. E aproveita o debate em Estrasburgo para perguntar à deputada do PS se queria falar do “escândalo das Raríssimas” por ser, acusou, “muito da sua área” pelas pessoas envolvidas.
Ana Gomes é taxativa: “A Madeira é um paraíso fiscal. Aliás, a justificação é a mesma de Luxemburgo ou Malta: ‘Somos todos pequeninos, não temos recursos, logo, podemos entrar na criminalidade organizada’. Podia ser a droga! É a criminalidade de colarinho branco”.
Ao segundo desafio, responde: “Em relação a quaisquer escândalos de corrupção – do José Sócrates às Raríssimas, o que quer que seja – eu serei a primeira a dizer tudo para se expor”. O tempo para responder acabara e o microfone desliga-se, mas Ana Gomes continua a falar.
Na UE, pelo menos, o debate não vai parar. O comissário Pierre Moscovici deixou-o bem claro no fim do plenário: “A guerra continua”.
O PÚBLICO viajou a convite do Parlamento Europeu