"É grande a pressão para os médicos trabalharem mais horas"

Temos só dois especialistas para um interno no SNS, lamenta o bastonário da Ordem dos Médicos. Miguel Guimarães reivindica a reforma da carreira médica.

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O bastonário dos médicos, Miguel Guimarães Paulo Pimenta

Uma grande parte dos médicos até preferiria trabalhar no Serviço Nacional de Saúde (SNS) se as circunstâncias fossem diferentes, afirma Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos (OM). "Se lhes dessem as condições adequadas, ficavam no SNS", garante.

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Uma grande parte dos médicos até preferiria trabalhar no Serviço Nacional de Saúde (SNS) se as circunstâncias fossem diferentes, afirma Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos (OM). "Se lhes dessem as condições adequadas, ficavam no SNS", garante.

Os resultados deste estudo vêm confirmar aquilo que pensavam?

Sim, percebemos que os médicos até gostam de trabalhar no Serviço Nacional de Saúde (SNS), têm boas relações com a equipa e com os outros profissionais, mas não estão satisfeitos com as condições de trabalho e com a pressão a que estão submetidos, nomeadamente para que façam mais horas extraordinárias e mais urgências. Este estudo vem confirmar, agora com rigor científico, as percepções que já tínhamos. Quisemos fazer uma análise personalizada de três grupos: os que estão a fazer o internato de especialidade, os especialistas e também os que já saíram do SNS. Os que saíram foram à procura de melhores condições de trabalho, de horários mais controlados.

Também deixaram o SNS por causa das remunerações. O estudo revela que quase metade dos especialistas ganha no sector público menos de 3 mil euros brutos, menos do que os magistrados e professores catedráticos. Mas há muitos que fazem horas extraordinárias para compensar, não é?

Claro, aliás, se olharmos para a totalidade do rendimentos dos médicos percebemos que uma parte significativa (23%) decorre das horas suplementares (horas extraordinárias, trabalho em regime de prevenção, etc). Os médicos são o segundo grupo [dos trabalhadores do Estado] que mais horas extraordinárias faz, a seguir aos militares. Nos serviços de urgência, é grande a pressão para que trabalhem mais horas e isto é uma bola de neve, um ciclo vicioso. No sector privado, a pressão não é tão grande. Por alguma razão nunca se ouviu falar, ali, de falta de médicos ou de enfermeiros. Mas o que se depreende também dos resultados deste estudo é que uma grande parte dos médicos até preferiria trabalhar no SNS se as circunstâncias fossem diferentes. Portanto, se lhes dessem as condições adequadas, ficavam no SNS.

O que é que o SNS oferece então aos médicos que os leva a optar por ficarem no sector público?

Há duas ordens de vantagens: a estabilidade de emprego e a carreira médica, o sustentáculo do SNS que se está a perder. Se a carreira for completamente descaracterizada, deixa-se de ter este elo forte. E os médicos têm sempre alternativas profissionais, além de optarem pelo sector privado podem ir trabalhar para o estrangeiro, até porque possuem uma qualidade de formação extraordinária que é reconhecida. A nova geração de médicos é a geração da Internet, dos voos low cost, que domina perfeitamente o inglês. Quando saem, não têm ainda família constituída e acabam por ficar no estrangeiro. O problema é que a carreira médica está congelada, os concursos que deviam abrir todos os anos vão-se arrastando. Eu, por exemplo, sou assistente graduado há 13 anos e continuo a ganhar pela primeira posição remuneratória (numa escala que vai até cinco), quando já devia estar na quinta. Nunca progredi a este nível. Esta condição acaba por prejudicar-nos não só no presente mas também mais tarde quando nos reformamos.

O que é que a Ordem dos Médicos propõe para alterar a situação?

É fundamental colocar a carreira médica em primeiro plano e reformá-la. Propus isto mesmo ao ministro da Saúde na carta de compromisso que lhe enviei em 30 de Agosto passado, mas não obtive qualquer resposta. Vou agora dar a conhecer os resultados deste trabalho ao senhor ministro e aos deputados na Assembleia da República. Esta reforma será feita em conjunto com os sindicatos médicos que, sublinhe-se, se têm batido nos últimos tempos pela resposição de remunerações, não por aumentos.

O número de profissionais de saúde até tem aumentado nos últimos dois anos.

Sim, porque cada vez há mais médicos internos a entrar no SNS. Mas quantos médicos especialistas têm saído entretanto? Actualmente, temos uma relação de dois especialistas para um interno, é a relação mais apertada dos países da União Europeia e a nossa capacidade de formação está no limite.