Sim Igualdade: Os direitos humanos pelo presente e futuro da humanidade

Diariamente há milhões de meninas e jovens a quem os direitos fundamentais são simplesmente negados à luz de uma racionalidade e discurso que as esquece.

No mundo, o número de meninas que não estão na escola ultrapassa os 62 milhões para o ensino básico e 130 milhões para a frequência do ensino secundário – números que não incluem meninas e jovens refugiadas e as que (sobre)vivem em zonas de conflito; mais de 200 milhões (sobre)vivem diariamente (em 30 países de maior prevalência) com as consequências de uma mutilação genital feminina e os relatórios referem que, por dia, 8 mil são sujeitas a esta prática nefasta; 15 milhões são anualmente casadas antes de completar os 18 anos, o que corresponde a 28 meninas e jovens por minuto.

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No mundo, o número de meninas que não estão na escola ultrapassa os 62 milhões para o ensino básico e 130 milhões para a frequência do ensino secundário – números que não incluem meninas e jovens refugiadas e as que (sobre)vivem em zonas de conflito; mais de 200 milhões (sobre)vivem diariamente (em 30 países de maior prevalência) com as consequências de uma mutilação genital feminina e os relatórios referem que, por dia, 8 mil são sujeitas a esta prática nefasta; 15 milhões são anualmente casadas antes de completar os 18 anos, o que corresponde a 28 meninas e jovens por minuto.

Estas são realidades que cruzam países, culturas e religiões. São causa e refletem o impacto da desigualdade de género, de tradições que não respeitam quem nasce mulher ou o desvalor de ser mulher em determinados contextos socioculturais, de diferentes formas de pobreza, de  insegurança que meninas, raparigas e mulheres enfrentam mas também da importância de identificar, localmente, soluções que evitem a generalização e resposta única para as diferentes comunidades, famílias ou países, tendo sempre presente a abordagem de respeito pelos direitos

Muitas foram as vozes que se levantaram e cuja indignação produziu artigos, opiniões, relatórios, discurso e compromissos público e político. Muito foi feito, mas há muito mais a precisar de ser feito.

Recordando, apenas, alguns factos:

- em 2014, no contexto da campanha “Continuamos à Espera”, Lisboa recebeu a exposição “Novas demais para casar”, a primeira exposição das Nações Unidas em Portugal;
- em 2015 são apresentados os resultados sobre prevalência e dinâmicas socioculturais e recomendações para eliminação da Mutilação Genital Feminina (MGF) em Portugal, estudo realizado pelo CESNOVA e publicado pelas Edições Húmus;
-em Junho de 2016 (aquando das férias escolares) é apresentada a campanha nos aeroportos “O direito a viver sem MGF”;
- em 2017 por ocasião do 6 de Fevereiro, foi apresentado o documentário “Este é o meu corpo” de autoria de Inês Leitão;
- em Março 2017 quando da 61ª sessão da Comissão do Estatuto da Mulher (CSW) nas Nações Unidas, a co-organização de Portugal com o UNFPA do evento de Alto nível "Let's be the generation that eliminates FGM once and for all” (Vamos ser a geração que elimina a mutilação genital feminina de uma vez por todas);
- no contexto da Agenda 2030 e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ou na avaliação da implementação da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (em vigor desde 1 de Agosto de 2014).

Diariamente há milhões de meninas e jovens a quem os direitos fundamentais são simplesmente negados à luz de uma racionalidade e discurso que as esquece e não dá a devida visibilidade a todas as consequências daí resultantes: maior mortalidade e morbilidade materna e infantil, sequelas para uma vida em dor permanente, como as fistulas obstétricas, feridas psicológicas e físicas profundas, dificuldades de concentração e aprendizagem, maior vulnerabilidade à violência doméstica e riscos acrescido de contágio por VIH, entre muitos outros. 
 
Muitas das vozes que são assim silenciadas falam e pensam nesta língua comum, o português.
Mas, também em português europeu ou com sotaque de outras origens, aparecem mais vozes que dizem não à MGF, aos casamentos infantis, forçados ou combinados, a tradições e “culturas” que aprisionam o potencial de realização e colocam em risco muitas vidas. Muitas mais são hoje as vozes de mulheres corajosas que mostram a sua identidade, que usam os meios de que dispõem para dizer sim à escolarização das raparigas, ao trabalho digno, à igualdade e às oportunidades para todas as meninas, jovens e mulheres. Vozes  e rostos para quem as tradições que produzem sofrimento não podem ser apelidadas de cultura, porque a que defendem é a cultura da igualdade e da promoção dos direitos humanos de todas as pessoas, sem exceção. Vozes e rostos que assumem as diferentes lideranças necessárias porque sabem que a educação e a saúde são duas áreas essenciais à capacitação e empoderamento das mulheres de todas as idades e origens, pelo que não devem nem podem ser entendidas como luxo, mas sim investimento no presente e futuro das famílias e da humanidade em que os direitos fundamentais sejam a chave para o desenvolvimento sustentável.
 
Quando as mulheres são educadas, têm vidas mais saudáveis ??e mais produtivas (também economicamente),  adquirem competências, conhecimento e autoconfiança para romper os ciclos da pobreza e da exclusão. Uma jovem escolarizada tem um efeito positivo na sua família, na sua comunidade e na sociedade como um todo: um ano extra do ensino médio para meninas pode aumentar seus ganhos futuros em 10-20%;  as jovens com ensino secundário têm até 6 vezes menos probabilidades de casar enquanto crianças, do que as meninas com pouco ou nenhum acesso ao sistema formal de ensino; cada ano extra da educação de uma mãe reduz a probabilidade de mortalidade infantil em 5% -10% e aumenta em 40% a probabilidade das suas filhas não serem sujeitas à MGF ou a um casamento infantil, forçado ou combinado.

Os dados são conhecidos e divulgados em muitos relatórios. No entanto, os números que quantificam muitas das vítimas dos relatórios têm, para nós, rostos e nomes.

A Aissatú que se lembra da viagem com outras meninas e de uma dor muito grande que durou dias e até hoje lhe marca o corpo frágil de mulher adulta. Foi à escola 2 anos, vieram mais irmãos, ficou em casa a ajudar a mãe nas tarefas domésticas até que, ainda menina, casou com um amigo da família, que sempre conheceu pelas visitas e pelos presentes. Teve 5 filhos, duas meninas sobreviveram ao parto, vive hoje nos arredores de uma cidade europeia para onde fugiu à procura de uma vida melhor, graças a uma amiga que lhe arranjou trabalho.

Frequentou aulas para adultos, fez um curso de cabeleireira, tem dupla nacionalidade, fala português e francês, além do crioulo e da língua materna. As filhas com 18 e 21 anos estão com Aissatú. Entre si falam francês ou português, para praticarem e se ajudarem enquanto família de mulheres… a integração foi mais fácil assim, explicam. Estudam e nunca mais voltaram ao país que as viu nascer. As três ganharam uma nova família e um mundo que desconheciam existir: escola, universidade, acesso a cuidados de saúde, conta bancária, podem votar e viajar, têm trabalho com proteção social, sabem ser possível decidir, serem donas de si próprias, senhoras de si.

Parte da breve história desta menina mulher é vivida em muitos pormenores por muitos milhões que já foram ou estão em risco de serem mutiladas genitalmente (em países africanos, asiáticos, europeus, sul-americanos) que todos os dias abandonam a escola e são entregues para casar ou prometidas a quem não escolheram, nem querem. São meninas e mulheres a quem o superior interesse da criança foi negado, a quem a nossa humanidade partilhada apenas chegou no momento da fuga mas que se organiza a cada dia para gerir danos e sofrimentos evitáveis. Mas é preciso chegar antes, prevenindo a desinformação que se perpetua deixando que a cada dia e ao nosso lado, persistam muitas vítimas predestinadas.

A prevenção é um valor, um investimento maior que se deseja coerente, pró-activo e permanente na construção de sociedades mais justas e solidárias, num quadro de valores sustentados nos direitos humanos, no imperativo de não deixar ninguém para trás.

A prevenção, mais do que sinónimo onde a informação e o conhecimento são ferramentas essenciais para combater as desigualdades e discriminações, deve apontar fundamentalmente para a promoção do sentido crítico e de apropriação de conhecimentos que permitam a cada menina e mulher construir e decidir o seu presente e futuro sem pressões resultantes do desenvolvimento socioeconómico dos países e muitas vezes impostas por tradições, costumes ou religiões.

A campanha Sim igualdade resulta da reflexão conjunta de muitas mulheres e organizações que, ao longo de muitos anos, trabalham para o abandono de práticas nefastas aos direitos fundamentais de meninas, raparigas e mulheres, com um registo de proteção das vítimas, do empoderamento e participação e, sobretudo, com o foco na prevenção que é urgente reforçar.

Pela primeira vez, mulheres portuguesas e guineenses com diferentes protagonismos, experiências de vida pessoal, familiar e profissional, são os rostos de uma campanha que une os dois países numa causa comum: o respeito, o cumprimento e o uso-fruto dos direitos humanos fundamentais de meninas e mulheres; só possível, graças ao projeto de cooperação apoiado pela Secretária de Estado para a Cidadania e Igualdade.

O “Sim à Igualdade” é também um sim à capacitação, um sim à prevenção, um sim ao abandono das práticas nefastas, um sim à saúde, um sim à escolarização e um sim à plena realização dos direitos das meninas e das mulheres, um sim à ao presente e ao futuro da humanidade, partindo da experiência e trabalho no contexto da lusofonia e suas diásporas.

Como afirma a presidente do CNAPN da Guiné Bissau, Fatumata Djau Baldé, quem “Ama protege” nós acrescentamos “ao longo de toda a vida, pelo presente e futuro da humanidade”.