Jesica, a fã de Trump na Macedónia

No ano passado, Veles descobriu a “corrida ao ouro” do digital. Hillary Clinton e Barack Obama falaram de Veles e discutiu-se muito sobre o seu impacto na vitória de Donald Trump. Aviso: a pequena cidade macedónia já se está a preparar para 2020.

É sempre Slavcho Chadiev quem fala em on. O presidente da Câmara de Veles não tem vergonha nem complexos sobre o que tornou a sua pequena cidade famosa — tem, aliás, orgulho.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

É sempre Slavcho Chadiev quem fala em on. O presidente da Câmara de Veles não tem vergonha nem complexos sobre o que tornou a sua pequena cidade famosa — tem, aliás, orgulho.

Veles é a rainha das fake news. “O mais importante desta situação é que a lei da Macedónia não foi violada”, que “nada é ilegal” e que “todos os que ganham dinheiro com isto pagam impostos”. Sem pudor, quando a CNN o entrevistou no início do Outono, Chadiev subiu à cobertura de uma torre e disse: “O dono do edifício onde estamos também faz ‘dessas’ notícias. É uma forma de fazer dinheiro muito depressa. É como o sonho americano.” Noutra entrevista, há um ano, falando com um repórter do Financial Times, foi ainda mais longe: “Nunca saberemos ao certo, mas é simpático pensar que ajudámos a mudar a História americana. Há quem pense que agora devíamos chamar-nos ‘Veles de Trump’.”

Bem-vindos a Veles, construída no centro da Macedónia num vale à beira do rio Vardar, que a partir daqui desce para a Grécia, onde metade dos jovens está desempregada e muitos dos que trabalham recebem pouco mais do que 300 euros por mês. “Veles de Trump” é uma piada semiprivada. Nos anos da Jugoslávia de Tito, a cidade era conhecida como “Titov Veles” (“Veles de Tito”), ao ponto de o código das matrículas dos carros ser TV (só mudou em 2000). A razão é simples: o ditador jugoslavo gostava muito dos serviços de chá feitos pelas fábricas de porcelana de Veles e em sua homenagem a cidade adoptou o apelido.

Tito foi substituído por Trump e os resultados impressionam. Entre os adolescentes que criaram os sites de “notícias falsas” alguns estão milionários. “Faço 2000 a 2500 dólares por dia”, contou um à CNN. Tem a cara tapada e fala à vontade. Qual é a receita? Duas regras simples: primeiro, tem de se criar uma página com um milhão de fãs, muitos dos quais eles próprios inventam (“no início, temos de fazer isso para atrair pessoas”); a segunda é ter “temas interessantes”, ou seja, “clicáveis”. É “Jesica” quem fala. Este jovem macedónio ficou milionário depois de criar esse perfil falso no Facebook, ao qual associou milhares de outras “pessoas” falsas, para criar o tal buzz, e assim atraiu pessoas reais, que clicam de facto naquilo que publica — fake news. Quantos mais cliques, mais anúncios são vendidos através da Google AdSense. Cada clique gera uma fracção de dólar.

Há um ano, havia 140 sites destes em Veles. Juntos, geraram milhões de cliques, na maior parte dos casos de falsas notícias sobre Trump. A perspectiva (falsa) dos textos era quase sempre negativa (na verdade, caluniosa) para os democratas e, portanto, favorável a Trump. É isso que “dá mais cliques” na audiência americana a que se dirigem. Os sites são escritos em inglês e têm nomes que soam a “americano”. Alguns fecharam entretanto, como o USConservativeToday.com (à venda por 69,99 dólares) ou o USADailyPolitics.com (à venda por 1388 dólares). Esse foi um dos efeitos das denúncias e das novas regras da Google e do Facebook para combater a indústria das fake news.

Foto
Título de uma notícia falsa publicada em Setembro por um site feito na Macedónia a pensar nos eleitores norte-americanos CNN

Mas muitos estão bem vivos. É o caso do site DonaldTrumpNews.co, cuja manchete desta quinta-feira era a informação — falsa — de que Trump vai nomear Mike Rogers para director do FBI, que foi uma possibilidade remota em… Maio e desmentida pela realidade em Junho, quando Christopher A. Wray foi nomeado para o cargo. À esquerda, há outra Breaking News cujo título é: “Democrata de topo condenada enfrenta 300 anos de prisão”. Clica-se, claro. Mas é preciso ir a um jornal verdadeiro para perceber que Corrine Brown não é congressista há um ano e que foi condenada a… cinco anos. Outra “notícia” anuncia: “American City Has Been TAKEN OVER By Radical Muslims. Trump Was RIGHT.” Ao lado lemos: “ALERT: $600 Million Terrorist Money Trail Leads STRAIGHT to Barack H. Obama.”

As fake news são isto. Escritas em Veles, Macedónia, e lidas na América. Quanto mais próximos estivermos das eleições americanas, mais quentes serão. Foi assim no ano passado e vai ser assim em 2020. Não é especulação. São os próprios adolescentes macedónios que o dizem.

A Universidade de Cambridge acaba de escolher a palavra do ano: populismo.