A mulher por trás da rainha

The Crown dá-nos um olhar surpreendentemente moderno sobre o modo como a instituição da monarquia britânica tem vivido o último século. A segunda temporada chega hoje ao Netflix

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Não deveria ser uma surpresa, depois do fenómeno global que foi Downton Abbey e da popularidade de filmes como O Discurso do Rei ou A Teoria de Tudo: afinal, a produção britânica de filmes e séries de época, biográficos ou não, continua a ser a fasquia de profissionalismo e qualidade pela qual a produção de prestígio se mede. Mas, mesmo assim, a popularidade e o reconhecimento de The Crown, a produção original do Netflix cuja segunda temporada de 10 episódios está disponível desde sexta-feira, ultrapassaram em muito o que se esperaria do que, no papel, seria “mais uma série sobre a família real britânica”. 

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Não deveria ser uma surpresa, depois do fenómeno global que foi Downton Abbey e da popularidade de filmes como O Discurso do Rei ou A Teoria de Tudo: afinal, a produção britânica de filmes e séries de época, biográficos ou não, continua a ser a fasquia de profissionalismo e qualidade pela qual a produção de prestígio se mede. Mas, mesmo assim, a popularidade e o reconhecimento de The Crown, a produção original do Netflix cuja segunda temporada de 10 episódios está disponível desde sexta-feira, ultrapassaram em muito o que se esperaria do que, no papel, seria “mais uma série sobre a família real britânica”. 

É certo que há qualquer coisa de reconfortante neste tipo de produções, celebrando tradições e instituições que resistem teimosamente aos tempos que passam enquanto se procuram adaptar a um mundo que está a mudar de modo assustadoramente veloz. Mas The Crown atira para o meio uma voz mais pessoal: a do seu criador, o dramaturgo britânico Peter Morgan, homem fascinado pelas exigências da política sobre a vida de quem a pratica – e que, depois de entregar de bandeja o papel da rainha Isabel II a Helen Mirren em A Rainha (2005), prolongou a sua colaboração com a actriz em The Audience, a peça teatral que serviu de base a The Crown.

O que torna The Crown fascinante é precisamente esse olhar para o interior da monarquia: o conflito constante entre o dever do estatuto e a necessidade de marcar uma posição pessoal, entre ser mulher e ser rainha (e tudo no interior de uma rígida estrutura patriarcal, o que não deixa de ser interessante no actual momento #MeToo que vivemos…). Morgan – e Claire Foy, que interpreta Isabel II nas duas primeiras temporadas das seis previstas – não fazem da rainha um símbolo do que quer que seja, restituem-lhe a dimensão humana de uma mulher que tenta o melhor que sabe e pode exercer o cargo que lhe foi conferido quando menos o esperava. 

Não valerá a pena vir a The Crown à procura de uma roda reinventada – é, afinal, a boa velha qualidade britânica que aqui se joga, impecável nas reconstituições de época e no altíssimo nível médio das interpretações. Mas por trás desse conforto aparente, há um olhar surpreendentemente moderno sobre o modo como a instituição da monarquia tem vivido o último século – e é o olhar de uma mulher em luta constante, consigo própria e com o mundo.