A Comissão já não é o que era. Nem voltará a ser
A União Europeia está a reconstruir-se para o pós-crise. Berlim e Paris querem liderar essa reconstrução.
1. Nas capitais europeias, sobretudo nas que pesam mais, a iniciativa da Comissão de completar a reforma da zona euro tende a ser olhada com indiferença ou mesmo de forma crítica. As razões são conhecidas e são várias. A França e a Alemanha não abdicam do seu papel de condução política da vasta agenda que a União Europeia tem pela frente. É o que estão a fazer em relação à conclusão da reforma da União Económica e Monetária (UEM), mantendo alguma fluidez no debate para preservar um clima político que permita chegar aos compromissos necessários entre visões bastante distintas do que deve ser a zona euro no futuro. A chanceler alemã está a preparar o terreno para que o seu próximo governo abra uma nova fase da construção europeia, ultrapassando as feridas abertas pela crise. Pode vir a ter a prestimosa ajuda do SPD, se conseguir uma nova “grande coligação”. Os sociais-democratas reúnem-se hoje para tomar uma decisão. O Presidente francês não quer pressionar demasiado a chanceler. Ambos vêem na proposta da Comissão um “ruído” desnecessário. A argumentação de Jean-Claude Juncker é precisamente a contrária: ouve-se falar muito da reforma da UEM, mas Emmanuel Macron ainda não concretizou nada daquilo que anunciou no seu discurso de 26 de Setembro, na Sorbonne. A segunda razão prende-se com o calendário. Bruxelas argumenta que a sua iniciativa quer impedir Berlim de adiar a conclusão da nova arquitectura do euro. Quer manter a pressão para que esta reforma continue no topo da agenda dos líderes. Portugal acompanha a Comissão nesta preocupação (comum aos países do Sul), temendo que questões como a segurança e defesa se sobreponham ao reforço da integração da zona euro, cuja estabilidade e coesão é fundamental para o crescimento económico. Finalmente, o presidente da Comissão luta com todas as suas forças contra o esvaziamento progressivo dos poderes da Comissão, transferindo responsabilidades para outras instituições europeias que funcionam numa base intergovernamental. Há propostas alemãs (mas também francesas) que vão nesse sentido. — por exemplo, Berlim vê com bons olhos a transferência do controlo das regras da zona euro para um mecanismo europeu de estabilidade (MEE) devidamente reforçado que pode vir a transformar-se num FMI europeu. Os tratados incumbem a Comissão de defender o “interesse geral”, o que era fácil antes da crise e quando a Europa ainda não se alargara à dimensão do continente. Os pequenos países olhavam para ela como a melhor defensora dos seus interesses. Tudo isto já passou à História. A crise acelerou o processo. O poder de decisão dos líderes passou a ser dominante e assim deverá continuar.
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1. Nas capitais europeias, sobretudo nas que pesam mais, a iniciativa da Comissão de completar a reforma da zona euro tende a ser olhada com indiferença ou mesmo de forma crítica. As razões são conhecidas e são várias. A França e a Alemanha não abdicam do seu papel de condução política da vasta agenda que a União Europeia tem pela frente. É o que estão a fazer em relação à conclusão da reforma da União Económica e Monetária (UEM), mantendo alguma fluidez no debate para preservar um clima político que permita chegar aos compromissos necessários entre visões bastante distintas do que deve ser a zona euro no futuro. A chanceler alemã está a preparar o terreno para que o seu próximo governo abra uma nova fase da construção europeia, ultrapassando as feridas abertas pela crise. Pode vir a ter a prestimosa ajuda do SPD, se conseguir uma nova “grande coligação”. Os sociais-democratas reúnem-se hoje para tomar uma decisão. O Presidente francês não quer pressionar demasiado a chanceler. Ambos vêem na proposta da Comissão um “ruído” desnecessário. A argumentação de Jean-Claude Juncker é precisamente a contrária: ouve-se falar muito da reforma da UEM, mas Emmanuel Macron ainda não concretizou nada daquilo que anunciou no seu discurso de 26 de Setembro, na Sorbonne. A segunda razão prende-se com o calendário. Bruxelas argumenta que a sua iniciativa quer impedir Berlim de adiar a conclusão da nova arquitectura do euro. Quer manter a pressão para que esta reforma continue no topo da agenda dos líderes. Portugal acompanha a Comissão nesta preocupação (comum aos países do Sul), temendo que questões como a segurança e defesa se sobreponham ao reforço da integração da zona euro, cuja estabilidade e coesão é fundamental para o crescimento económico. Finalmente, o presidente da Comissão luta com todas as suas forças contra o esvaziamento progressivo dos poderes da Comissão, transferindo responsabilidades para outras instituições europeias que funcionam numa base intergovernamental. Há propostas alemãs (mas também francesas) que vão nesse sentido. — por exemplo, Berlim vê com bons olhos a transferência do controlo das regras da zona euro para um mecanismo europeu de estabilidade (MEE) devidamente reforçado que pode vir a transformar-se num FMI europeu. Os tratados incumbem a Comissão de defender o “interesse geral”, o que era fácil antes da crise e quando a Europa ainda não se alargara à dimensão do continente. Os pequenos países olhavam para ela como a melhor defensora dos seus interesses. Tudo isto já passou à História. A crise acelerou o processo. O poder de decisão dos líderes passou a ser dominante e assim deverá continuar.
2. O roteiro da Comissão, ontem apresentado por três comissários, incluindo o alemão (próximo de Merkel), afasta-se em vários aspectos do discurso do seu presidente sobre o estado da União, a 13 de Setembro passado. Procura um meio-termo entre o que se diz em Paris e o que diz em Berlim e inclui a obediência às mesmas metas do défice e da dívida definidas no Tratado Orçamental. Não menciona a proposta de Juncker de integrar o mais depressa possível os 27 países da União na zona euro, para evitar a tentação das várias velocidades que dificilmente será travada. Defende, como Juncker, um orçamento próprio da zona euro incluído no orçamento comunitário, embora sem quantificar o seu valor. O mais provável é que ninguém lhe queira prestar muita atenção durante a cimeira de 14 e 15 deste mês, mesmo que governos como o português agradeçam qualquer esforço para não deixar cair este debate.
3. A União está a reconstruir-se para o pós-crise. Berlim e Paris querem liderar essa reconstrução, o que pode ser positivo porque, sem o “motor” franco-alemão, a Europa dificilmente avançará. O protagonismo do presidente da Comissão perdeu bastante com o novo cargo de presidente do Conselho Europeu, adoptado no Tratado de Lisboa e hoje desempenhado pelo polaco Donald Tusk. É muito improvável que o tempo volte para trás. Juncker queria “politizar” o colégio de comissários para lhes dar força, o que parecia razoável. Falhou em duas frentes. Os comissários tornaram-se mais “nacionais” e menos “europeus”. A máquina burocrática continuou a funcionar como tal: aplicando cegamente as regras, no tom próprio de quem (ainda) se vê como uma elite iluminada, ignorando a realidade europeia. “Há que aproveitar os dias de sol para consertar o telhado”, disse ontem o presidente da Comissão. O problema é que a Europa que sair desta crise será muito diferente daquela que existia antes dela.