“Saúdo o Conselho Superior da Magistratura por cumprir a sua função”

Juiz Neto de Moura vai ser alvo de um processo disciplinar por causa de sentenças polémicas sobre violência doméstica.

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Eduardo Cabrita já teve a pasta da igualdade de género Rui Gaudêncio

“Saúdo o Conselho Superior da Magistratura por cumprir a sua função”. É assim que o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, reage à decisão deste órgão de abrir um processo disciplinar ao juiz Neto de Moura, na sequência de um acórdão em que o magistrado do Tribunal da Relação do Porto defendeu ser compreensível a utilização de violência contra as “mulheres adúlteras”.

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“Saúdo o Conselho Superior da Magistratura por cumprir a sua função”. É assim que o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, reage à decisão deste órgão de abrir um processo disciplinar ao juiz Neto de Moura, na sequência de um acórdão em que o magistrado do Tribunal da Relação do Porto defendeu ser compreensível a utilização de violência contra as “mulheres adúlteras”.

O PÚBLICO questionou ontem o governante sobre a abertura do processo disciplinar. Até Outubro passado Eduardo Cabrita tinha, enquanto ministro-adjunto, a pasta da igualdade de género. Depois de ressalvar que não pode, enquanto governante, comentar decisões judiciais, o actual ministro da Administração Interna saudou o Conselho Superior da Magistratura por “cumprir aquilo que é a sua função”.

“O adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente, e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”, escreveu Neto de Moura no polémico acórdão, datado de Outubro passado e assinado também pela juíza Luisa Arantes.

“O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte”, diz o magistrado na mesma decisão, que desencadeou inúmeras manifestações públicas de repúdio.

"Mulher que comete adultério é uma pessoa falsa"

A abertura do processo disciplinar, votada favoravelmente por 12 membros daquele conselho, e desfavoravelmente pelos restantes cinco, não foi decidida apenas com base nesta sentença, mas também noutra do Verão passado, na qual o mesmo magistrado escreve que “uma mulher que comete adultério é uma pessoa falsa, hipócrita, desonesta, desleal, fútil, imoral”. Por isso, “não surpreende que recorra ao embuste, à farsa, à mentira para esconder a sua deslealdade e isso pode passar pela imputação ao marido de maus tratos”.

Neto de Moura vai responder por violação dos deveres funcionais de correcção e de prossecução do interesse público. O vice-presidente do conselho, Mário Morgado, esclareceu que aquilo que está sobretudo em causa é a linguagem usada pelo magistrado – e não a decisão que ele tomou. O dever de correcção resulta da necessidade de tratar as partes de "forma correcta e respeitosa", adiantou Mário Morgado, citado pela Lusa. Já a prossecução do interesse público relaciona-se com "o dever de não praticar actos que prejudiquem a confiança dos cidadãos no sistema de justiça".

Já a decisão de fazer Luisa Arantes responder por violação do dever de zelo, uma vez que admitiu não ter lido o acórdão todo antes de o assinar, foi mais controversa no seio do conselho: teve apenas nove votos a favor e oito contra. A pena a aplicar pode ir desde uma simples advertência até à demissão, passando pela suspensão temporária.

Mário Morgado ressalvou que a decisão do conselho "não põe em causa o princípio da insindicabilidade das decisões judiciais", não vislumbrando por isso motivos para que gere receio ou desagrado entre os juízes.

Um grupo de seis juízes, entre os quais está o ex-presidente do Supremo Tribunal de Justiça Noronha Nascimento, lançou no mês passado um manifesto na sequência desta polémica chamando a atenção para a necessidade de este órgão administrativo não poder interferir na independência dos juízes. “O juiz não tem que ser politicamente correcto ou conformar-se com as ‘modas’ das maiorias, mas tem de usar particulares cautelas nas suas formas de expressão, não exorbitando os princípios constitucionais e legais a que está vinculado”, pode ler-se no manifesto, que é também subscrito por antigos membros do Conselho Superior da Magistratura e da Associação Sindical dos Juízes Portugueses.