Nem o brilho europeu de Centeno livrou Costa das “trapalhadas”
No regresso aos debates quinzenais, nenhum partido deixou o primeiro-ministro alongar-se no tema que escolhera para falar. Infarmed, energia, educação, seca, Tancos e outros temas encheram os microfones.
António Costa queria falar da coesão social e diminuição da pobreza, mas encalhou na vontade da oposição de falar das “trapalhadas” como a mudança do Infarmed de Lisboa para o Porto ou o que se passou em Tancos. Foi um debate quinzenal sem anúncios, mas pródigo em assuntos e raspanetes – o primeiro-ministro deu-os à oposição, mas também ao seu ministro da Saúde (que nem estava presente).
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António Costa queria falar da coesão social e diminuição da pobreza, mas encalhou na vontade da oposição de falar das “trapalhadas” como a mudança do Infarmed de Lisboa para o Porto ou o que se passou em Tancos. Foi um debate quinzenal sem anúncios, mas pródigo em assuntos e raspanetes – o primeiro-ministro deu-os à oposição, mas também ao seu ministro da Saúde (que nem estava presente).
Onde quer que estivesse, Adalberto Campos Fernandes ficou com as orelhas a arder com as críticas de quase todas as bancadas e sobretudo com o empurrar de responsabilidades de António Costa. O social-democrata Hugo Soares fez da mudança do Infarmed para o Porto o centro da sua intervenção e conseguiu que o primeiro-ministro admitisse que o Ministério da Saúde “errou na forma como comunicou”, que não devia ter “exteriorizado” a intenção da mudança sem antes preparar o processo com a administração e com os trabalhadores.
“Se há coisa que manifestamente tenho de reconhecer é que o Governo foi muito inábil. Decidir uma coisa e apresentá-la como uma coisa má é inábil”, disse Costa, depois de contar que a ideia lhe foi dada pelo ministro da Saúde há uns meses. À insistência de Hugo Soares para que admitisse se o instituto “vai ou não vai” para o Porto, Costa respondeu cinco vezes que “a decisão do Governo é que vá” – e tentou, sem sucesso, fazer com que o deputado do PSD e depois a presidente do CDS dissessem se são a favor ou contra. E à ecologista Heloísa Apolónia vincou: “A garantia é simples: a lei é para cumprir e também os direitos dos trabalhadores.”
O caso da taxa do Bloco sobre as renováveis, primeiro aprovada e depois chumbada pelo PS, foi usado para o soundbyte. Hugo Soares falou do flic flac à retaguarda do Governo e da “ordem” dada por Costa aos deputados do PS. Este recusou a imagem do primeiro-ministro mandão, disse que apenas deu a sua “opinião” quando lha pediram: “Eu disse que essa medida não devia ser aprovada.” As razões? Não se pode dar aos investidores internacionais, que têm um “peso importante na economia”, o “sinal de alteração unilateral das regras, mas antes negociar as alterações de tarifa”, com o objectivo de promover as renováveis e a garantia das regras contratuais. Mesmo que, admitiu Costa, esses investimentos tenham sido feitos “com regras que não deviam ter existido”.
A líder do BE, Catarina Martins, voltou à carga: “Uma República das Bananas é aquela que faz sempre os contratos à medida dos grandes interesses económicos.” E recebeu como resposta que o “Estado de Direito” poupou os consumidores a gastos do orçamento, por exemplo, com a tarifa social. Os dois haveriam de fazer as pazes, ao alinharem nas críticas à política de educação de Nuno Crato.
António Costa foi especialmente duro para com Assunção Cristas, que até já fez críticas mais duras ao primeiro-ministro. A centrista quis respostas sobre meia dúzia de temas dispersos e levou com comentários mordazes. “Todo o material de Tancos foi recuperado e não compete ao primeiro-ministro guardar o paiol de qualquer unidade militar”. E quando Cristas falou em “consenso”, Costa acusou-a de cultivar o “insulto sistemático na frieza do seu gabinete onde escreve os artigozinhos que publica na comunicação social". "Quem está na política como a senhora deputada desqualifica-se para ser parceiro na vida política democrática.”
A estrela Centeno
A estrela do dia chegou com atraso. Já o Governo estava sentado na tribuna quando o ministro das Finanças e agora presidente do Eurogrupo chegou sorridente, dando um longo cumprimento a António Costa. O novo papel de Mário Centeno não passaria despercebido, apesar de nem todos terem querido falar dele, nem seria consensual. Recebeu cumprimentos do PSD, BE e PS. PCP e CDS remeteram-se ao silêncio. E o PEV entregou-lhe uma “não felicitação”.
A relação entre o Governo e os parceiros, neste regresso dos encontros quinzenais no plenário, depois da aprovação do Orçamento do Estado, começou como tinha terminado na discussão do documento, com o BE a pressionar o Governo e com o PCP a passar por entre os pingos do debate. Foi Catarina Martins que apertou com António Costa sobre a eleição de Mário Centeno – “Qual a estratégia?”, questionou – enquanto Jerónimo de Sousa interveio para saudar a aprovação do Orçamento e garantir que o PCP “continuará a intervir para que se encontrem respostas para o povo e para o país”. Sobre o Eurogrupo ou sobre o euro nem uma palavra do secretário-geral dos comunistas.
Catarina Martins, pelo contrário, chocou de frente. Felicitou António Costa por uma “vitória do Governo”, mas lembrou-o logo da “posição” do Bloco sobre o assunto. Pedindo ao primeiro-ministro para “esquecer” tudo o que de mau vê no grupo informal de ministros das Finanças da zona euro, desde logo os insultos a países do Sul como Portugal pelo anterior presidente Jeroen Dijsselblöem, questionou-o directamente sobre para que servirá afinal o cargo. “Dizia Mário Centeno que a União Económica e Monetária está a criar divergência, em vez de convergência. Qual é a estratégia do Governo para essa mudança? Qual é o plano? E qual é o compromisso do ministro Mário Centeno no Eurogrupo para essa estratégia e para essa mudança?”.
António Costa até agradeceu a pergunta, por lhe permitir defender a decisão do Governo em pleno Parlamento, e disse não querer “esquecer” que tem de “fazer diferente”. Explicou que Centeno se candidatou com a intenção de levar adiante a reforma do euro - como o vai fazer não foi dito. Costa apenas defendeu que, ao contrário do que quer o BE, a melhor maneira de conseguir “o euro que queremos” é mudar o sistema por dentro. “Quem não vai a jogo perdeu à partida. E nós não vamos perder por falta de comparência. Mais vale entrar a presidir do que participar sem presidir", argumentou.