União Europeia põe Macau ao lado do Panamá na lista negra dos paraísos fiscais
Reputação da praça financeira macaense posta em causa na Europa. Fiscalista Nuno Sampayo Ribeiro antecipa consequências para a economia da região e mesmo para Portugal.
A imagem de Macau como lugar privilegiado do jogo e do turismo, onde as luzes dos casinos se vêem pelo território, terá a partir de agora de carregar consigo uma outra imagem, menos abonatória para a sua reputação na cena internacional.
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A imagem de Macau como lugar privilegiado do jogo e do turismo, onde as luzes dos casinos se vêem pelo território, terá a partir de agora de carregar consigo uma outra imagem, menos abonatória para a sua reputação na cena internacional.
Mesmo que há décadas a praça macaense seja conhecida pela opacidade dos serviços financeiros que oferece, a região foi incluída ontem na primeira “lista negra” comum de 17 “paraísos fiscais” elaborada pela União Europeia (UE), passando a estar oficialmente no grupo dos territórios com pior reputação fiscal a nível internacional. Estão lá o Panamá – o país que ficou altamente exposto e sob atenção mediática com o escândalo dos Panama Papers – mas também a Coreia do Sul, Emirados Árabes Unidos, Tunísia, Samoa Americana, Samoa Ocidental, Bahrain, Barbados, Grenada, Ilha de Guam, Ilhas Marshall, Mongólia, Namíbia, Ilhas Palau, Santa Lúcia, e Trinidad e Tobago.
Oficialmente, a lista europeia refere-se às “jurisdições não-cooperantes” a nível fiscal – pela opacidade, por não trocarem informação, pelas falhas no controlo de branqueamento de capitais, por aplicarem baixos impostos, por exemplo – e acaba por funcionar como uma espécie de “ranking de bête-noire”, como a define Nuno Sampayo Ribeiro, especialista em direito fiscal, ouvido pelo PÚBLICO.
O advogado, com décadas de experiência a acompanhar os temas da fiscalidade internacional, não tem dúvidas em afirmar que a decisão da UE não é apenas “um facto grave para Macau, com o maior alcance político e económico”. É-o “também para Portugal, em especial para o sector financeiro, particularmente agora que o país tem a presidência do Eurogrupo”.
Ontem, no final da reunião dos ministros das Finanças da UE onde a lista foi aprovada, o secretário de Estado Adjunto e das Finanças de Mário Centeno, Ricardo Mourinho Félix, pronunciou-se sobre o caso de Macau. A decisão, argumentou, “não muda praticamente nada aquilo que é a relação entre os dois territórios, alegando que em questão estão unicamente os fluxos de capital” e que “quem quiser enviar dinheiro de Macau para Portugal terá apenas de justificar” essa proveniência.
Sampayo Ribeiro lembra, no entanto, que a lista “visa inferiorizar moralmente o capital reputacional” dessas jurisdições, vistas como “tendo deficiências graves, designadamente ao nível da transparência e da cooperação internacional. E é nesse grupo que fica Macau, a região administrativa especial transferida para a China em 1999. O advogado fala mesmo numa “explosão reputacional” que, acredita, “afectará severamente a reputação da economia local, em especial o sector bancário, e que terá expressão nos fluxos financeiros, incluindo com Portugal”.
O caminho
Ao fim de meses de análise técnica e ponderação diplomática, os ministros das Finanças europeus optaram por uma solução mista: além da “lista negra” de 17 territórios, foi criada uma espécie de “lista cinzenta” – onde ficou Cabo Verde, por exemplo – para os países que embora não cumpram totalmente os padrões de cooperação já se comprometeram a afinar as regras. Macau ficou no lote “negro”, arriscando-se a enfrentar consequências através de sanções dissuasivas da UE se nada fizer.
Depois de ver o seu nome na “lista negra”, o governo da Região Administrativa Especial de Macau veio prometer alterar a legislação e levar por diante as normas da OCDE que abrem a porta à troca automática de informação financeira com outros países, incluindo os europeus – um mecanismo que a região tarda em implementar. Mas se admite melhorar as práticas contra a evasão, rejeita que o território seja encarado como um “paraíso fiscal”, embora reconheça ao mesmo tempo que há entidades que ali actuam ao abrigo de um “regime de instituições offshore”, enquadramento que diz estar a rever.
Irá seguir esse caminho? Sampayo Ribeiro antevê que “Macau capitulará, como antes sucedeu com a Suíça ou o Panamá, e que passará a aplicar de facto a troca automática de informações, além de outras medidas”, para “evitar a sujeição a medidas defensivas”.
Portugal mantém com Macau uma convenção para evitar a dupla tributação e a evasão fiscal, e as duas partes estiveram este ano a negociar a revisão do protocolo, para criar um novo acordo para trocarem informações fiscais, com o objectivo de haver uma partilha de informação sobre o saldo das contas bancárias. Com Sérgio Aníbal, em Bruxelas