Juízes da decisão polémica sobre violência doméstica alvo de processo disciplinar
Neto de Moura responde "por violação dos deveres funcionais de correcção e de prossecução do interesse público" e Luísa Senra Arantes "por violação do dever de zelo".
Foi convertido em processo disciplinar o inquérito do Conselho Superior da Magistratura relativo a Neto de Moura, o juiz do Tribunal da Relação do Porto que defendeu numa sentença ser compreensível a punição violenta das mulheres adúlteras, e à colega Maria Luisa Arantes.
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Foi convertido em processo disciplinar o inquérito do Conselho Superior da Magistratura relativo a Neto de Moura, o juiz do Tribunal da Relação do Porto que defendeu numa sentença ser compreensível a punição violenta das mulheres adúlteras, e à colega Maria Luisa Arantes.
A decisão foi tomada nesta terça-feira numa reunião plenária deste órgão de gestão e disciplina dos juízes. De acordo com a nota emitida pelo gabinete de apoio ao Conselho Superior da Magistratura, Neto de Moura responde "por violação dos deveres funcionais de correcção e de prossecução do interesse público, este na vertente de actuar no sentido de criar no público a confiança em que a Justiça repousa (12 votos a favor e 5 contra)". Luísa Arantes, por sua vez, responde por violação do dever de zelo (9 votos a favor e 8 contra).
A decisão diz respeito a um caso de violência doméstica que envolve três pessoas. Em Junho de 2015, depois de sequestrar a vítima, o ex-namorado chamou o ex-cônjuge dela para a confrontarem os dois. Acabaram por a agredir com uma moca com pregos.
“O adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras), e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”, escreveu Neto de Moura no polémico acórdão, também assinado por Luisa Arantes.
“O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem. Sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte. Na Bíblia, podemos ler que a mulher adúltera deve ser punida com a morte. Ainda não foi há muito tempo que a lei penal [de 1886] punia com uma pena pouco mais que simbólica o homem que, achando a sua mulher em adultério, nesse acto a matasse”, diz o magistrado na mesma decisão, que chegou a desencadear manifestações públicas de repúdio quando se tornou conhecida.
Alvo de centenas de queixas
O caso foi alvo de crítica generalizada em Portugal, tendo dado origem a centenas de queixas junto do Conselho Superior da Magistratura. O acórdão gerou reacções até na hierarquia da magistratura. O presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henriques Gaspar, começou por pedir aos juízes prudência na linguagem, para mais tarde dizer que “a violência das críticas” feitas a este acórdão da Relação do Porto não era um bom serviço nem para a justiça “nem para a defesa das vítimas”. O vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura defendeu por seu turno que a linguagem usada nas sentenças “deve ser clara e enxuta, desprovida de considerações jurídicas e não jurídicas irrelevantes para o caso concreto”.
O instrutor do processo disciplinar irá agora produzir uma acusação contra os dois magistrados, da qual estes poderão defender-se. No final elaborará um relatório com uma proposta de punição que será entregue a um membro do Conselho Superior da Magistratura, que por seu turno elaborará um projecto de acórdão para os restantes membros deste órgão apreciarem. Caso não concordem com a punição aplicada, Neto de Moura e Luisa Arantes podem recorrer dela para os tribunais.
Neto de Moura diz que condena a violência doméstica. Alega que aquilo que escreveu foi mal interpretado.
Em declarações à agência Lusa, o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura, Mário Morgado, explicou que o que está sobretudo em questão no processo disciplinar instaurado ao juiz desembargador Neto de Moura é o tipo de "linguagem" usada no acórdão. O magistrado salienta que o processo disciplinar "não põe em causa o princípio da insindicabilidade das decisões judiciais", não vislumbrando assim quaisquer motivos para que a decisão do órgão de gestão e disciplina dos juízes cause receio ou desagrado no seio dos juízes.
Só os tribunais superiores podem sindicar as decisões judiciais, com exceção das situações em que há manifesto erro grosseiro na sentença em causa. No que à violação do dever funcional de correção diz respeito, Mário Morgado explica que resulta da necessidade de tratar as partes de "forma correcta e respeitosa". Relativamente à prossecução do interesse público, outro dos motivos que levaram à instauração do processo disciplinar, esclarece que se trata "do dever de não praticar atos que prejudiquem a confiança dos cidadãos no sistema de justiça".