A longa depressão do euro está a acabar
O euro está a sair da sua longa depressão, e isso abre novas possibilidades políticas. Saibamos nós finalmente aproveitá-las em vez de ficarmos no nosso canto a negar as boas notícias.
No final de 2013 escrevi para este jornal uma crónica com o título “A longa depressão”. Nela partia de uma comparação feita pelo economista Paul Krugman entre a recente crise europeia e a evolução da economia europeia nos anos 30 do século passado, durante a chamada Grande Depressão.
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No final de 2013 escrevi para este jornal uma crónica com o título “A longa depressão”. Nela partia de uma comparação feita pelo economista Paul Krugman entre a recente crise europeia e a evolução da economia europeia nos anos 30 do século passado, durante a chamada Grande Depressão.
O que essa comparação permitia ver é que na crise do nosso século a Europa nunca tinha chegado a cair tão fundo quanto sucedeu na crise do século passado. No entanto, algo de mais surpreendente e muito mais injustificável tinha acontecido. Embora a UE, e a zona euro em particular, tivessem no início recuperado mais depressa do embate da crise de 2008-9 do que aconteceu na Europa da crise de 1929-31, a verdade é que dois ou três anos depois os poderes políticos da zona euro, nomeadamente ao nível do Eurogrupo, optaram logo que lhes foi possível por políticas de consolidação orçamental (a chamada “austeridade”). Por consequência — e de forma inteiramente diferente do que se passou nos EUA de Obama — a zona euro voltou a mergulhar na depressão a partir de 2011 e lá pelo ano de 2014 continuava muito abaixo do seu potencial. Pior ainda, nesse sexto ano da crise o desempenho da economia europeia passou a estar abaixo do desempenho da economia europeia no tempo de Grande Depressão. A crise do nosso século nunca chegou a ser tão profunda quanto a do século passado. No entanto, foi mais longa. E foi mais longa essencialmente por escolhas políticas perniciosas que abriram feridas profundas no projeto europeu. Estamos ainda a pagar o preço dessas más escolhas.
Mas neste fim de 2017 o cenário apresenta-se diferente. A zona euro cresce mais do que os EUA e muito mais do que o Reino Unido do Brexit. A produção industrial e o PIB preparam-se para regressar aos valores pré-crise. O desemprego desce um pouco por todo o lado. E, uma vez que quase todos países da zona euro estão em vias de sair dos procedimentos por défice excessivo (que estupidamente justificavam o imobilismo político liderado pela Alemanha e os seus aliados) pode ser que haja finalmente condições políticas para avançar na reforma da zona euro.
É importante ser claro para que se saiba o que estou, e não estou, a afirmar. Não estou a dizer que os problemas estruturais do euro se resolveram e que a moeda da UE passou a ser uma moeda boa e democraticamente governada. Estou apenas a dizer que as condições da conjuntura económica são as melhores de há muito tempo e abrem a janela a que se possam finalmente encarar os problemas mais profundos do euro. É mais fácil ter os orçamentos em ordem e as dívidas públicas a descer quando a economia cresce. E é políticamente mais fácil aumentar o orçamento da zona euro e mutualizar algum do seu risco quando as dívidas públicas descem.
São por isso deslocados os medos de que Mário Centeno, se for ele o escolhido, venha a ter de encarnar o papel de polícia mau perante um novo resgate da Grécia, por exemplo. Claro que um cenário desses pode sempre acontecer. Mas é muitíssimo mais provável que ele venha a encarnar o papel de polícia bom quando a Grécia sair finalmente dos seus oito anos de resgate em 2018. O euro entrará então numa nova fase, principalmente marcada pela escolha do seu modelo de governação e pela substituição de Mario Draghi à frente do BCE.
Reconhecê-lo não significa estar de acordo com o que foi feito antes no euro, nem com o que vier a ser feito depois. Significa apenas ter um mínimo de disponibilidade para ver os factos como eles são. O euro está a sair da sua longa depressão, e isso abre novas possibilidades políticas. Saibamos nós finalmente aproveitá-las em vez de ficarmos no nosso canto a negar as boas notícias.