Maria vive para os Animais de Rua
Advogada, activista e presidente de uma associação de protecção de animais, Maria Pinto Teixeira luta pelo “tratamento digno” dos mesmos. Animais de Rua já permitiu a esterilização de mais de 21.000 gatos e cães em Portugal.
Tinha 15 anos quando começou a fazer voluntariado com animais, em associações do Grande Porto. Trabalhava com acolhimento e adopção — o “percurso normal de quem decide ajudar” e entregar o tempo livre à causa animal — quando percebeu que não era suficiente: “Acolher e adoptar é um paliativo que não soluciona o problema gravíssimo de sobrepopulação animal que continua a existir em Portugal”. A frase é de Maria Pinto Teixeira, advogada, activista e presidente de uma associação responsável pela esterilização de mais de 21.000 gatos e cães a viver em espaços públicos portugueses. Em 2006, enquanto reflectia sobre estas questões, esbarrou, juntamente com amigos, numa colónia de gatos no Parque da Cidade do Porto, no fim da Avenida da Boavista. “Uma coisa perfeitamente dantesca: mais de 30 gatos, todos muito doentes, miseráveis”, recorda, em conversa com o P3. Era preciso agir rapidamente, mas como o poderia fazer se nem conseguia aproximar-se dos gatos? Estava lançada a primeira semente da Animais de Rua, cuja história se confunde com a da própria fundadora.
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Tinha 15 anos quando começou a fazer voluntariado com animais, em associações do Grande Porto. Trabalhava com acolhimento e adopção — o “percurso normal de quem decide ajudar” e entregar o tempo livre à causa animal — quando percebeu que não era suficiente: “Acolher e adoptar é um paliativo que não soluciona o problema gravíssimo de sobrepopulação animal que continua a existir em Portugal”. A frase é de Maria Pinto Teixeira, advogada, activista e presidente de uma associação responsável pela esterilização de mais de 21.000 gatos e cães a viver em espaços públicos portugueses. Em 2006, enquanto reflectia sobre estas questões, esbarrou, juntamente com amigos, numa colónia de gatos no Parque da Cidade do Porto, no fim da Avenida da Boavista. “Uma coisa perfeitamente dantesca: mais de 30 gatos, todos muito doentes, miseráveis”, recorda, em conversa com o P3. Era preciso agir rapidamente, mas como o poderia fazer se nem conseguia aproximar-se dos gatos? Estava lançada a primeira semente da Animais de Rua, cuja história se confunde com a da própria fundadora.
Com 37 anos, Maria dedica 100% do tempo à Animais de Rua. Se quando a associação estava a dar os primeiros passos conciliava o voluntariado com a advocacia, a dada altura o malabarismo deixou de ser suportável. No momento da escolha, o coração pendeu para os animais. Nascida numa “família de advogados e magistrados”, a decisão não foi totalmente pacífica. Isto foi em 2009: de lá para cá, nunca se arrependeu. “Sou muito mais feliz agora”, garante. “E tenho sempre a oportunidade de utilizar muitos dos meus conhecimentos jurídicos.” Isto porque os últimos anos têm sido férteis em mudanças legislativas no campo dos direitos dos animais.
Foi quando estudava uma solução para a captura e esterilização dos gatos daquela colónia do Porto que se deparou com um novo conceito, o de gato silvestre, aquele que “não se aproxima das pessoas”. “Não é um gato selvagem” — até porque é da mesma espécie do doméstico —, mas como nunca teve contacto com pessoas por ter nascido e vivido na rua tem “um comportamento completamente doméstico”. “É tão violento obrigar um gato doméstico a viver na rua como um silvestre a viver numa casa”, compara, em jeito de explicação. Muitas horas de pesquisa online depois, fez-se luz: há mais de 30 anos que no Reino Unido e nos Estados Unidos se utiliza um método de captura, esterilização e devolução (CED). “E com provas dadas de sucesso.”
Maria queria importar esse método, mas aplicá-lo e ensiná-lo exige formação específica. “Em Portugal existe algum amadorismo nesta área, as pessoas bem intencionadas pensam que se munem de algum equipamento de captura e apanham uns gatos.” Viajou até Brooklyn, nos Estados Unidos, e aprendeu tudo o que havia para saber sobre o método CED. O primeiro passo é abordar a entidade municipal, a seguir trabalhar em conjunto com os cuidadores para que não boicotem, sem querer, o processo. Só depois são capturados todos os animais de uma colónia, e não apenas as fêmeas, após um período de jejum que os encoraja a entrar nas armadilhas. Os animais são encaminhados para clínicas veterinárias, onde são esterilizados por profissionais, e devolvidos ao local onde vivem.
100 mil animais abatidos em Portugal, todos os anos
A primeira vantagem da esterilização é o controlo populacional, mas os próprios animais beneficiam em termos de saúde. “A esterilização aumenta logo a esperança média de vida em quatro ou cinco anos e alivia a angústia das fêmeas e dos machos na época do cio”, enumera. Agir sobre as colónias, admite Maria, “tornou-se viciante”. “O antes e o depois dos animais é incrível e as mudanças são imediatas. São muitos milhares de animais que não nascem porque estes não se reproduzem.” Só em Portugal, estima-se que existam um milhão de animais a reproduzir-se continuamente na via pública. Com núcleos no Porto, Lisboa e Sintra, Faro e São Miguel, a Animais de Rua tem ainda protocolos com dez entidades e parcerias com médicos veterinários que cobram entre 15 e 30 euros pela operação, em vez dos 150 a 250 euros praticados comercialmente. “Há muitas pessoas que, não sendo propriamente carenciadas, não têm a sobrar esse dinheiro para esterilizar animais.”
Vegetariana há 17 anos — e “tendencialmente vegan” —, Maria procura, diariamente, “quebrar com a ideia de que as pessoas que defendem os animais são um bocadinho estranhas, pouco razoáveis, extremistas”. O objectivo de um projecto como a associação que dirige, e que conta com perto de 100 voluntários a nível nacional, é “criar uma via intermédia de bom senso e equilíbrio, com argumentos e propostas concretas”. “Costumo dizer que não estamos contra os maus tratos, mas sim a favor do tratamento digno dos animais.” São necessárias abordagens “mais racionais, profissionais, objectivas e, sobretudo, mais integradas na sociedade”.
Devido à nova legislação que criminaliza os maus tratos e proíbe o abate já a partir de 2018, a associação tem emitido pareceres e recebido pedidos de formação do método CED por parte das autarquias. Mas ainda há muito para ser feito. “Supostamente, nestes últimos dois anos de moratória, era suposto todos os municípios estarem a esterilizar massivamente os animais para depois terem menos a dar entrada nos canis”, adianta, algo que não está a acontecer. “Caso contrário, o que acontece aos 100 mil animais que são abatidos, todos os anos, nos canis portugueses?”
Atenção partidária “trouxe seriedade” à causa
Os direitos dos animais são agora um “assunto mainstream”, mas “não uma moda”. “Não acredito que volte atrás, uma vez que tem a ver com o avanço civilizacional do próprio país.” A atenção dos partidos políticos à causa “trouxe alguma seriedade” a uma discussão que, do ponto de vista de Maria, deve ser estendida “a todos os animais e não apenas aos de companhia”. Existe, ainda, uma “visão muito antropomórfica”. Mesmo a própria lei “criminalizou os maus tratos e o abandono dos animais de companhia pela ligação especial que têm para com o ser humano”. Por outro lado, continua, “é preciso formar os agentes de autoridade e os próprios aplicadores da lei (magistrados e advogados)”.
Maria não gosta de dizer que se mudou do Porto para Lisboa, mas a verdade é que já conta anos a “dividir o tempo” entre as duas cidades. As viagens constantes e as jornadas de 12 a 16 horas de trabalho obrigaram-na a deixar os próprios animais de companhia aos cuidados de familiares. “E faz-me muita falta o toque do animal, é algo incrivelmente terapêutico.” Para isso viaja, pelo menos todo os meses, até Paredes de Coura, onde a mãe e o padrasto puseram de pé uma organização sem fins lucrativos, um santuário para animais resgatados e uma unidade de alojamento. Falamos da Quinta das Águias, nascida do sonho de Ivone e Joep Ingen Housz e parceira da Animais de Rua.
Dos mais de 130 animais que a Quinta das Águias acolhe nos cinco hectares de terreno, muitos chegaram lá através da associação. “Quando vi tanto espaço, pela primeira vez, pensei logo nos gatos silvestres que, por alguma razão, não podem voltar para a colónia de origem”, recorda. Gatos, cães, porcos, ovelhas, porquinhos-da-índia foram resgatados e vivem agora em convivência pacífica sob os cuidados de Ivone e Joep. Entretanto, “muitos voluntários da Animais de Rua entusiasmaram-se com a Quinta das Águias” e desdobram-se em ajudas pelos dois projectos solidários.
Desde voluntários — que podem contribuir com alguns minutos de trabalho a partir de casa, através computador — a Famílias de Acolhimento Temporário (FAT) dispostas a receber animais em risco, há muitas formas de apoiar estes dois projectos. “Se nada disto conseguirem fazer”, realça Maria, “podem, quando encontrarem um animal na rua e mesmo que não consigam levá-lo para casa, esterilizá-lo para que outros não nasçam e sofram o mesmo que esse animal já está a sofrer.”