Oliviero Toscani, o provocador fotógrafo da Benetton, está de volta
Durante quase duas décadas criou algumas das publicidades mais controversas da Benetton. 17 anos depois regressa com uma nova campanha.
As duas imagens da nova campanha estão enroladas e ao alcance das suas mãos, mas Oliviero Toscani espera calmamente até ao minuto 52 da entrevista para as revelar às cinco jornalistas sentadas à mesa de uma sala na Fabrica, em Treviso, Itália. Não é mais contido em pessoa do que atrás da lente. Dispara provocações para o outro lado da mesa e raramente mede as palavras, mas tem o dom de falar em aforismos: de acordo com Toscani, “a Bíblia é fake news”, “qualquer media é social media” e “a Europa está em crise porque nós estamos em crise”.
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As duas imagens da nova campanha estão enroladas e ao alcance das suas mãos, mas Oliviero Toscani espera calmamente até ao minuto 52 da entrevista para as revelar às cinco jornalistas sentadas à mesa de uma sala na Fabrica, em Treviso, Itália. Não é mais contido em pessoa do que atrás da lente. Dispara provocações para o outro lado da mesa e raramente mede as palavras, mas tem o dom de falar em aforismos: de acordo com Toscani, “a Bíblia é fake news”, “qualquer media é social media” e “a Europa está em crise porque nós estamos em crise”.
Durante quase duas décadas (entre 1982 e 2000), Toscani foi o fotógrafo da Benetton – não “um fotógrafo”, como escrevia o PÚBLICO em 1996. Idolatrado por uns, repudiado por outros, foi responsável por algumas das campanhas mais provocadoras da marca italiana e agora, 17 anos depois, está de volta.
Na década de 1980 começou por divulgar mensagens de diversidade racial que eventualmente levaram a marca assumir o logo (United Colors of Benetton) como nome próprio; e durante a década de 1990 tornou-se cada vez mais polémico. As imagens que criava – como a do activista David Kirby no leito da morte, ao lado da família, ou da roupa ensanguentada de um soldado bósnio morto na guerra – ocupavam mais páginas de notícia do que espaço de publicidade, dado que eram frequentemente censuradas por vários meios dentro e fora da Europa.
A nova campanha de Toscani, hoje com 75 anos, não tem recém-nascidos, nem um padre a beijar uma freira, mas, de acordo com o fotógrafo, mostra que “aquilo sobre o qual falávamos há 20 anos é a realidade de hoje”: a diversidade étnica numa sala de aula de uma escola primária em Milão hoje. Na fotografia, as crianças representam 14 países e quatro ou cinco continentes, descreve. “Isto é uma aula de uma escola primária em Itália agora. Mas posso ir a França, à Alemanha, e encontrar o mesmo. Estas crianças, da escola primária, vão ser o futuro. É melhor olharmos para elas agora.”
“Acho que o grande problema da sociedade hoje é a integração”, comenta. “Se não compreendermos que o grande problema da integração é uma incrível oportunidade, vamos perder a questão essencial”, acrescenta.
Um dos objectivos de Toscani é, aliás, ir em busca de mais e mais talento para acolher na Fabrica – a instituição criada pela empresa no final dos anos 1990, para receber estudantes de diferentes áreas criativas. Não dá grandes pistas relativamente ao seu futuro na marca, já que “não podemos planear o nosso entusiasmo”, mas dá a entender que veio para ficar. Além da campanha que chega, no início de Dezembro às páginas dos jornais, quer agitar a actividade na Fabrica. A partir de agora, “vai ser como um circo”, com “actividade constante”, promete.
“Ainda temos de passar por muita merda”
Na segunda imagem da campanha, as crianças juntam-se à volta da professora, com o livro de Pinocchio nas mãos. “É isto que ensinamos ao mundo, é a nossa bíblia: Pinocchio”, comenta Toscani, aproveitado para dizer que sempre houve fake news — na Bíblia ou na Divina Comédia, por exemplo – e que só agora é que estamos a começar a reconhecê-lo. “Não se preocupem”, diz, esta campanha também “vai provocar”.
Toscani mostra-se claramente contra os movimentos de direita e independentistas, e afirma que um dia vai existir uma Europa unida. “Ainda temos de passar por muita merda. Nem toda a gente é suficientemente inteligente. Ainda não percebemos que somos europeus. Aprendi que havia uma Europa porque em jovem costumava ir aos EUA e os americanos diziam ‘vais voar de volta para Europa?’”
Quando questionado sobre se está preocupado com o futuro, responde que não, lembrando que quando nasceu, na Itália fascista de 1942, teve sorte por não ter levado com uma bomba dos Aliados. “Tive três mulheres, seis crianças e 14 netos e sou o único com passaporte italiano, todos têm outro passaporte. É impossível fazer uma guerra”, acredita.
Toscani fala em termos vagos sobre a “verdadeira campanha”, que está planeada para Fevereiro do próximo ano. “Será focada no produto, mostrando-o numa atitude diferente e com uma energia que corresponde à estética da actualidade. Temos de devolver a magia às lojas” avança. “Quando comecei a trabalhar para a Benetton havia magia na loja”. Tinha uma imagem sofisticada, mas “toda a gente ia lá para comprar uma camisola, toda a gente. Sem distinções sociais”.
Criada em 1965, a Benetton revolucionou a distribuição da indústria da moda, bem como o comércio de loja. E foi uma das primeiras marcas de moda verdadeiramente globais, adoptando um modelo de negócio à base do franchising. Numa das fotografias guardadas em acervo, nas instalações de Treviso, é possível ver a segunda loja da marca, em Cortina, durante a década de 1960. O móvel amarelo no centro da imagem onde as peças de roupa estão expostas em linhas de cor parece perfeitamente normal, mas, na altura, foi uma grande inovação de design e imagem.
O regresso à Benetton
Nos tempos áureos da Benetton, Luciano Benetton e Oliviero Toscani faziam uma dupla inseparável e era só no papel que o fotógrafo não integrava a própria empresa. Benetton dava liberdade ao fotógrafo para mostrar como via o mundo, sem pensar em quantas camisolas tinha para vender e as memoráveis fotografias de Toscani circulavam pelas bocas do mundo. “Foi com o dinheiro que não gastámos em jornais e media que recusaram as minhas fotografias” que foi construída a Fabrica, brinca.
Entretanto, a rival espanhola Zara, nascida com cerca de dez anos de diferença, veio revolucionar o mercado. Começou a expandir para o estrangeiro entre o final da década de 1980 e década de 1990, com uma cadeia própria e uma distribuição que superava qualquer outra em termos de rapidez.
Em 2000, Toscani anunciou a saída da Benetton. Nunca explicou o porquê, mas muitos assumiram (e escreveram) que o irreverente fotógrafo teria finalmente pisado a linha, tendo em conta as reacções fortes que a sua última campanha – com uma série de retratos de pessoas condenadas à morte – teve nos EUA. “Não tenho vergonha de dizer finalmente a verdade”, anuncia. “Três anos antes de parar disse ao Luciano: ‘quando a Fabrica abrir vou-me embora’. Não porque queria parar de trabalhar, mas porque, naquela idade, [queria ter] outras experiências.”
E teve. Nos últimos 17 anos, Toscani trabalhou para uma variedade de meios, incluindo as revistas Elle, Vogue e i-D e dedicou-se também a projectos próprios, como o livro Oliviero Toscani: More than 50 years of Magnificent Failures e a exposição Human Race. Entretanto, na Benetton, “fizeram muitas coisas, com altos e baixos. E de repente as nossas estradas voltaram a cruzar-se”.
É inevitável associar a nova campanha da Benetton – que em 2016 facturou aproximadamente 1,4 mil milhões de euros – às fotografias lançadas há décadas, com crianças com diferentes tons de pele e, para o fotógrafo, estas marcam um novo começo da marca.
Toscani sempre teve uma língua afiada em relação à publicidade, criticando as marcas de moda pela falta de conteúdo da sua comunicação e por mostrarem um único tipo de beleza que considera “uma seca”. Mas também não poupa críticas à Benetton, quando questionado sobre o que pensa daquilo que a marca fez nos últimos anos. “Nem me lembro, não me perguntem”, responde. São tão memoráveis, acrescenta, como as da “Zara, H&M ou Armani”, acrescenta.
Toscani considera que a comunicação das empresas é condicionada pelo “marketing que não quer mesmo saber de uma sociedade melhor, mas que se preocupa com a economia”. “E por esta razão não funciona. Há uma espécie de mediocrização. Não vejo mesmo boas campanhas. Quanto dinheiro é gasto para dizer nada?”
Toscani admite que a própria Benetton caiu nesta armadilha. Por isso, continua, “temos de começar do início. A Benetton está na escola primária”. Felizmente, “o Luciano Benetton [que apesar de não ter um cargo activo na empresa, esteve envolvido na decisão de Toscani regressar] percebeu, com uma incrível coragem e energia, que provavelmente agora temos de começar outra vez”.
Fotografias que falavam alto
O aviso tinha sido feito: Oliviero Toscani não é uma pessoa nostálgica e “não gosta muito de falar do passado”. Mas antes de desenrolar os cartazes da nova campanha, voltou atrás no tempo.
O que se lembra o homem que já disse ter uma memória muito selectiva sobre o passado na Benetton? “Lembro-me que foi muito interessante. Nada foi realmente planeado”, conta. “Se aconteceu é porque Luciano Benetton é um empreendedor muito especial. É muito corajoso por pensar que a comunicação de uma empresa tem a ver com a realidade da sociedade.”
As fotografias de Oliviero falavam alto, numa altura em que ninguém queria ouvir a palavra sida. “Nem mesmo as pessoas da moda acreditavam na sida. E quantas pessoas morreram?”. Houve, claro, quem duvidasse das intenções da empresa, acusando a Benetton de explorar estas temáticas por motivos comerciais. Enfrentaram processos de grupos e associações e viram múltiplos anúncios banidos em certos países e meios de comunicação.
Uma coisa é certa, Toscani mudou a forma como olhamos para a publicidade. Bem ou mal, toda a gente falava sobre as suas campanhas.
Em relação à função comunicação das empresas, não é nada senão exigente. Para Oliviero, uma empresa tem a obrigação de dar visibilidade aos problemas da sociedade. No entanto, critica aquelas que anunciam nas páginas de publicidade a sua contribuição para a caridade, em vez de o “fazer em silêncio”.
“Vender não é mau e precisamos de vender. Temos de enfrentar um mercado”, ressalva . “Mas o facto de termos de enfrentar um mercado significa também que temos de enfrentar os problemas que a sociedade tem”, conclui.
O PÚBLICO viajou até Itália a convite da Benetton