No Inverno, pense também em branco

Já não há razões para bebermos só tintos no Inverno. Em Portugal, há cada vez mais brancos capazes de enfrentar o frio e as comidas mais substanciais e gordas típicas da estação.

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Nelson Garrido

Este ano o Verão entrou pelo Outono a dentro e os dias de sol, embora mais curtos, parecem nunca acabar, para grande contentamento geral e angústia também, porque a escassez de água já começa a ser dramática. À falta de água, bebemos vinho e, mesmo quando a chuva e o frio chegarem, não tem que só ser tinto.

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Este ano o Verão entrou pelo Outono a dentro e os dias de sol, embora mais curtos, parecem nunca acabar, para grande contentamento geral e angústia também, porque a escassez de água já começa a ser dramática. À falta de água, bebemos vinho e, mesmo quando a chuva e o frio chegarem, não tem que só ser tinto.

É certo que, quando chega o frio, o corpo nos pede mais tinto. Na verdade, o que o corpo nos pede é mais álcool, para nos manter mais quentes. E, regra geral, os tintos são mais alcoólicos do que os brancos. Mas devemos ter em conta que no Inverno comemos quase sempre dentro de casa e muitas vezes junto à lareira, pelo que dessa forma controlamos a questão da temperatura corporal. Por isso, mesmo com frio, também podemos e devemos pensar em brancos, até porque nunca houve tantos e tão bons brancos em Portugal como hoje. E, se é verdade que há brancos com caracteristicas claramente estivais (mais leves, aromáticos e com boa acidez), há muitos outros com uma ampla vocação gastronómica e com aptidão para qualquer época do ano.

Não têm que ser necessariamente brancos com corpo de tinto. Há vinhos fermentados e estagiados só em inox que são agradabilíssimos de beber no Inverno, se a comida os pedir. Mais do que no Verão, em que muitas vezes bebemos sem pensar na comida, no Inverno o que comemos é determinante para a escolha do vinho. Porque, por regra, comemos tudo mais quente e com mais calorias e proteínas. E, embora possa parecer um contra-senso,  comidas mais pesadas e gordas pedem vinhos semelhantes. Não é uma regra: acompanhar uma boa feijoada com um branco fresco, sem madeira, pode ser uma experiência gastronómica fantástica. Aqui, procuramos a harmonização pela via do contraste. Mas a via mais comum é a da similiaridade: para uma comida gorda, um vinho gordo.

Só que nem todos os vinhos brancos gordos e encorpados são bons para acompanhar comidas fortes. Eles têm também que ser frescos, ter uma boa acidez para ajudar a exaltar a comida e refrescar a boca. Um branco de 14% de álcool, fermentado e estagiado em barrica mas falho de acidez pode ser insuportável mesmo em dias de neve e a acompanhar comidas gordas.

A acidez é o elemento crítico de um vinho branco, seja qual for a estação. No Verão, a questão da acidez até pode ser ludibriada com a temperatura do vinho. Mas no Inverno esse truque já não funciona, porque os brancos encorpados devem ser bebidos quase à mesma temperatura dos tintos. Se o vinho não tiver uma acidez equilibrada, causará sempre algum enfado, por mais rico que seja.

Não é fácil fazer brancos encorpados e calorosos e que, ao mesmo tempo, sejam frescos e vivos. É isso que distingue os bons brancos dos menos bons. Mas eles existem e cada vez em maior número- daí já não termos que nos resignar a beber apenas tinto no Inverno. Um bom branco, gordo, complexo e fresco, pode levar-nos às núvens numa mesa de Inverno. Porque aguenta e harmoniza bem com comidas mais fortes, tipo polvo à lagareiro ou bacalhau assado, e porque, pelo menos sensorialmente, ajuda a atenuar o peso da comida, refrescando e limpando a boca. Podemos pedir mais?

 

Adegamãe 221 Alvarinho 2015

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Chama-se Alvarinho 221 (dois enólogos, dois terroirs, um vinho) e é um branco que junta uvas da mesma casta da região de Lisboa (Adegamãe) e d Monção (Anselmo Mendes. Em Monção, Anselmo Mendes separou duas barricas do seu melhor Alvarinho, com origem em solos graníticos; na Adegamãe, Diogo Lopes fez o mesmo, mas com uvas de solos argilo-calcários. No final, juntaram os dois vinhos e fizeram um lote só, engarrafado pela Adegamãe (2700 garrafas). E o resultado foi um branco com uma riqueza, uma frescura e uma expressão mineral extraordinárias. Apesar de gordo e volumoso, vai afunilando no centro da boca, num crescendo de frescor e precisão notáveis. Magnífico (25€) . P.G.

Quinta do Cardo Vinha Lomedo Síria 2014

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Com origem na vinha mais antiga da Quinta do Cardo (de 1973), uma propriedade de 180 hectares, dos quais 69 são de vinha, situada junto a Figueira de Castelo Rodrigo, o Vinha Lomedo Síria 2014 é um branco antológico. Após ter passado 22 meses em barricas de carvalho francês, está um vinho gordo, suculento, de grande complexidade e nada refém da madeira. O que sobressai, a par de algumas notas mais químicas de evolução, é ainda a fruta primordial, de recorte mais cítrico, como é típico da Síria, e, acima de tudo, uma enorme frescura, resultante da altitude e dos minerais da vinha. Muito bom (19,90€). P.G.

Terrenus Reserva Vinhas Velhas Branco 2015

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 Esta branco de vinhas velhas da serra de São Mamede junta oito castas já bem adaptadas ao lugar. Depois de fermentar em barricas usadas, o vinho estagiou 12 meses em cubas de cimento (que voltam a estar na moda graças à sua excelente estabilidade térmica) e evoluiu mais 12 meses em garrafa, antes de ser comercializado. Percebe-se que é maduro e gordo, mas bem ancorado numa boa frescura natural, notória no longo e vibrante final de boca. O que predomina no seu exaltante aroma é a fruta branca madura e as sugestões de ervas que associamos de imediato ao Alentejo. Na boca, é um branco sólido, amplo e muito saboroso (20€). P.G.

Regueiro Barricas 2015

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Os Quinta do Regueiro estão a mostrar um nível de consistência e de qualidade que nos dias de hoje é impossível falar de Alvarinho sem os mencionar. O regueiro de 2015 era já um branco notável pela sua expressão de fruta e pela sua magnífica mineralidade. Este Barricas, que, como o nome sugere, estagiou em barricas de carvalho francês, conserva esses pergaminhos e vai além. É, sem dúvida, um dos grandes Alvarinhos da actualidade. Apelativo no aroma, com a madeira discreta a marcar um forte pendor de fruta exótica, seivoso, intenso, longo e com um final seco e ácido é um vinho guloso e irresistível, a um preço mais do que justo para a sua valia. Um magnífico branco que há-de crescer na garrafa. (16 €) M.C.

Scala Coeli Branco 2014 Viosinho

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Quem diria que as planícies quentes do sul seriam um dia capazes de produzir um branco com esta capacidade de sedução? Quem esperaria há uma década atrás um banco com tanta intensidade, delicadeza, fruta de qualidade, volume e frescura? E, ainda mais, uma conjugação tão harmoniosa destes atributos? Este branco da Adega da Cartuxa cumpre as melhores expectativas. Fresco para dias quentes, intenso e sedutor para os meses frios. Aroma de maçã verde, notas de mel e frutos secos resultante de um óptimo trabalho com a madeira, impactante, fresco (as uvas foram vindimadas a 13 de Agosto, pelo que o seu teor alcoólico é  de uns contidos 13%), longo e dono de um magnífico balanço, este vinho é uma delícia e uma preciosidade. (28 €) M.C.

Vallado Reserva Branco 2016

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Um branco com um admirável balanço e complexidade. É da vindima do ano passado mas revela já uma sofisticação notável. Aroma muito atraente, com notas de fruta tropical, erva fresca e sugestões fumadas da madeira. Excelente volume de boca, presença de fruta amparada por uma acidez vigorosa que lhe confere frescor, e um final longo e mineral. Um belíssimo exemplar de um branco reserva, no qual a madeira apenas serve para acrescentar requinte e distinção, no qual se prescinde da madurez e do álcool e se consegue intensidade, fruta, volume e, obviamente, uma magnífica acidez. Um branco que é capaz de desempenhar praticamente todos os papeis nas festividades que se avizinham: fica bem como entrada, bate-se com peixes gordos ou com carnes brancas e ganha ainda mais nível com uma tábua de queijos pela frente. (20 €) M.C.

Aventura 2016

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Os brancos da Serra de São Mamede há muito que nos surpreendem pela positiva, principalmente quando são assinados por enólogos talentosos – que, de resto, abundam naquela sub-região, sendo um dos casos Rui Reguinga, autor do Terrenus do qual falamos nestas páginas. Este branco de Susana Esteban conserva o melhor dessa proveniência – a frescura da serra com uma fortíssima identidade do património de vinhas velhas, dos solos e do clima. Seis mil garrafas produzidas com base em uvas de vinhas velhas, vendidas a um preço irresistível, tornam este Aventura uma viagem com toda a segurança. Notas resinosas no aroma combinadas com fruta intensa e fresca, excelente textura, magnífico balanço entre o volume e a acidez são as marcas de um branco de grande nível. Versátil na sua vocação para a mesa, ganhará complexidade com uns anos de guarda. É um grande branco que se beberá com muito prazer à mesa ou numa roda de amigos em torno de uma lareira. (9 €) M.C.

Madre de Água Encruzado 2016

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Em qualquer leque de escolhas sobre brancos portugueses da nova geração não podem faltar alvarinhos nem encruzados. Principalmente quando se fala de brancos para degustar em dias mais frios. Este Madre de Água de 2016, cultivado nas zonas mais altas do Dão (em Gouveia) é um bom exempolo do potencial desta casta extraordinária. Seivoso, encorpado, com deliciosas notas cítricas no aroma, intensidade e frescor na boca, delicado e misterioso, é um vinho notável. Mas, no geral, há muitas outras propostas desta casta que vale a pena descobrir – os Villa Oiveira, os Ribeiro Santo, os Ladeira da Santa, os Quinta do Perdigão ou o muito bom Encruzado da Adega de Silgueiros. Ainda assim, como exemplo da classe ou da vocação gastronómica desta casta, o Madre de Água será certamente uma boa escolha. Até por causa do seu justíssimo preço. (7 €) M.C.

Mirabilis Grande Reserva Branco 2016

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Com um trabalho concertado de enologia e viticultura, a Quinta Nova tem nas últimas colheitas afinado procedimentos que lhe permitem potenciar as particularidades de cada parcela e tirar o melhor proveito das castas. Neste caso, o propósito declarado é o de trilhar as pisadas dos grandes vinhos da Borgonha e o certo é que, mesmo mantendo naturais distâncias, os brancos Mirabilis têm dado passos gigantescos. Prescindido dos iniciais excessos de barrica, o enólogo Jorge Alves tem afinado também a escolha de uvas que procura em áreas mais altas do Douro, como Murça, Alijó e Tabuaço. As uvas de vinhas velhas casam com Viosinho e Gouveio, com fermentação em barricas e posterior estágio de 10 meses com borras e batonage, e o resultado é um vinho de grande complexidade, volume de boca imponente, tenso e mineral. Um belo vinho e com enorme potencial de evolução (35€). J.A.M.

Quinta Vale do Ruivo Arinto 2011

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Casas Altas é um pequeno produtor, com parcelas dispersas na zona de Pinhel. Vinhas antigas, de pequena dimensão, agricultura em modo sustentável e algumas já centenárias como é o caso da Quinta do Vale do Ruivo. Com acidez vibrante que equilibra com expressões de fruta madura, no vinho pressentem-se os ventos gélidos e as tardes soalheiras que lhe conferem um carácter único e extraordinário. Um vinho de “terroir” na mais pura acepção da expressão, arrancado de solos pobres em areia granítica a uma altitude de mais de 650 metros. Puro prazer (14€). J.A.M.