“Há um estigma de que os vinhos da Bairrada são difíceis, mas não é verdade”
O presidente da Comissão Vitivinícola da Bairrada elege o espumante como o motor da região e defende uma aposta cada vez maior na categoria Bairrada Clássico para os tintos, que obriga a um estágio mínimo de três anos e à utilização de pelo menos 50% de Baga.
Músico acompanhante de José Cid, produtor do espumante Aplauso e presidente da Comissão Vitivinícola Bairrada (CVB). Pedro Soares “toca” vários instrumentos, mas é na defesa dos vinhos bairradinos que mais se tem destacado. O seu consulado gera unanimidade entre os produtores da região e é também graças ao seu dinamismo que a Bairrada tem vindo a recuperar algum protagonismo. Neste entrevista, Pedro Soares, reconhece, no entanto, que continua a faltar conhecimento à região. E admite que se possa ter ido longe de mais na plantação de castas estrangeiras.
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Músico acompanhante de José Cid, produtor do espumante Aplauso e presidente da Comissão Vitivinícola Bairrada (CVB). Pedro Soares “toca” vários instrumentos, mas é na defesa dos vinhos bairradinos que mais se tem destacado. O seu consulado gera unanimidade entre os produtores da região e é também graças ao seu dinamismo que a Bairrada tem vindo a recuperar algum protagonismo. Neste entrevista, Pedro Soares, reconhece, no entanto, que continua a faltar conhecimento à região. E admite que se possa ter ido longe de mais na plantação de castas estrangeiras.
A Bairrada tem uma grande tradição vinícola, mas dá a ideia de ainda não saber muito bem o que quer fazer. É assim?
É necessário interpretar a história da Bairrada para se entender o atual momento. A história da região nos últimos 130 anos está umbilicalmente ligada à produção de espumante e ao engarrafamento e comércio de vinhos, sem terem estes que ser obrigatoriamente produzidos com matéria prima local. É claro que sempre existiram vinhos feitos só com uvas da Bairrada, que ajudaram a criar a imagem da região, mas por alguma razão só foi possível criar a denominação de origem em 1979, sendo que a denominação de origem para a produção de espumantes surge ainda mais tarde. Nos dias de hoje, poucos são aqueles que não possuem vinhas próprias ou controlo sobre a produção de uva, e esta nova realidade está a criar uma outra Bairrada. A região sabe que tem nos espumantes a sua bandeira, o produto que pode ser o seu motor e alavanca. Mas não devemos descurar os outros tipos de vinhos, nomeadamente os brancos, que produzimos de forma consistente, ano após ano, do melhor que se faz no nosso país.
Como vai o projecto Baga Bairrada (um espumante feito a partir da principal casta da região)? Tem havido muita adesão?
Estamos muito satisfeitos com o já se conseguiu alcançar, desde logo porque de forma notória se estancou o arranque de vinhas de Baga, mas sabemos que há muito a fazer e afinar em torno deste projeto. Não deixa de ser significativo que, em cerca de dois anos, passamos de cinco referências para um número superior a 20 referências. É um indicador de que é possível unir os agentes económicos em torno de causas interessantes e que tragam valor acrescentado, nomeadamente aos produtores de uvas.
Quais são as vossas ambições com este projecto? Fazer do espumante Baga uma espécie de Prosecco ou de Cava, marcas que valem por si?
Valorizar a produção de uvas na região Bairrada é o principal objetivo, nomeadamente as de Baga. Se o conseguirmos estaremos a valorizar a produção de todo o tipo de uvas na região, e esse deve ser o foco de uma denominação de origem. Claro que para isso é necessário que as marcas colectivas possuam força e que se traduzam num denominador comum qualitativo inquestionável. No fundo, que o consumidor adquira o espumante Baga Bairrada não só por ser da marca A, B ou C, mas acima de tudo por ser da marca colectiva Baga – Bairrada.
A Bairrada deve ter um perfil bem definido de vinho ou deve apostar em novas vias enológicas?
A região deve possuir identidade. Só assim justifica a sua existência. Mas para tomar decisões sobre o que deve ser no presente e no futuro essa identidade é necessário conhecimento. E nós ainda não temos esse coñhecimento. Mas posso desde já comunicar que no próximo mês Janeiro vai arrancar um projeto-piloto na região que visa adquirir conhecimento sobre os nossos solos. A única coisa que não muda nas regiões são os solos. O resto muda tudo. Até o clima está a mudar. Nós temos uma região pequena mas ao mesmo tempo muito diversa. A região Ancas-Fogueira, onde a Quinta das Bágeiras tem as suas vinhas, por exemplo, é completamente diferente da região de Óis do Bairro ou de São Lourenço. É preciso perceber a que correspondem essas diferenças.
Faz sentido continuar a fazer vinhos da Bairrada com castas estrangeiras?
Enquanto os estatutos o permitirem… Essa é uma decisão que cabe aos produtores da região. Se os estatutos o permitem e ninguém, e volto a referir, ninguém durante os últimos cinco anos fez chegar à CVB uma solicitação formal para que tal não seja possível, não vejo como alterar. Em minha opinião, julgo que passados cerca de 14 anos sobre a alteração do estatuto DO (Denominação de Origem) Bairrada, que permitiu a introdução de uma maior variedade de castas, é uma boa altura para se fazer um ponto de situação e perceber se temos ou não a ganhar com as variedades internacionais.
Que avaliação faz?
Passámos de ter vinhos muito standarizados para ter vinhos com uma amplitude diferente. Agora falta saber se isso foi positivo ou negativo para a região.
O que acha?
Acho que há um excesso de castas estrangeiras, mas não sei dizer que castas devem sair. Devemos é reforçar a aposta naquilo que nos diferencia. E falo também nos espumantes. Neste momento, temos cerca de 20 castas autorizadas. As regiões de sucesso no mundo têm três, quatro.
Esqueça o politicamente correcto: gosta do Poeirinho, o tinto que Dirk Niepoort está a fazer na Bairrada e que veio romper com o estilo clássico dos Baga?
Já provei três: o primeiro não gostei (ou não gosto), a segunda colheita é para mim bem melhor, é um estilo, mas o que me satisfaz em pleno é o garrafeira. Não acho no entanto que tenha vindo romper com o estilo clássico dos Baga. Tive a felicidade de trabalhar com o Engenheiro Dores Simões [que poduzia um dos grandes tintos da região] durante alguns e tenho bem presente na memória os clássicos de Baga da década de 80.
O que aprendeu com Dores Simões?
Aprendi a respeitar aquilo que é clássico. O Eng. Dores Simões foi consultor na altura em que eu estava em Vilarinho e tinha um respeito muito grande por aquilo que eram as características clássicas dos vinhos. Hoje em dia, anda toda a gente a dizer que não se deve intervir muito na adega e que os vinhos devem falar por si. Ele já defendia isso: não intervir muito do ponto de vista tecnológico na vinificação e deixar que os vinhos tivessem o seu tempo. Estamos a falar de uma altura em que havia ainda a obrigatoriedade dos vinhos Bairrada estagiarem um mínimo de três antes de poderem ser comercializados. Havia um tempo para que os vinhos se fizessem e se mostrassem..
Não se devia voltar a esse tempo?
Quando se abriu os estatutos da região e se permitiu que tivéssemos vinhos no mercado com um ano e dois anos, talvez não se tivesse pensado que era necessário guardar melhor estes vinhos clássicos; e de um momento para o outro esses vinhos clássicos quase desapareceram. Entrámos quase num "Novo Mundo" dentro da Bairrada. Foi uma mudança muito brusca e feita sem preservarmos aquilo que tínhamos. De um momento para o outro acabou-se com aquele clacissismo, de vinhos feitos com um grupo mais restrito de variedades e com um estágio obrigatório de três anos, para irmos para uma coisa que não se tinha a certeza que ira funcionar. Mas a categoria Bairrada Clássico já existe, para os vinhos que fiquem pelo menos três anos em estágio, dos quais um ano em garrafa, e que sejam feitos com pelo menos 50% de Baga. Mas os produtores que fazem vinhos clássicos não aderiram. Começámos a revitalizar essa categoria no início deste ano e como fizemos alguma comunicação em torno disso já estão a surgir mais vinhos clássicos. Há um produtor, o João Soares, que fez crescer um projecto em torno dessa categoria. Os vinhos Outrora são todos eles clássicos.
O que falta para a Bairrada ser mais reconhecida?
Não acho que a região não seja reconhecida, nomeadamente pelos críticos ou amantes de vinho. Acho, no entanto, que se criou um estigma que os vinhos são difíceis, o que não corresponde à verdade. Mas lentamente isso tem vindo a ser alterado, com uma maior qualidade dos vinhos, um melhor trabalho de comunicação e promoção dos produtores e uma melhor comunicação na região.
O que faria de diferente na Bairrada se tivesse poder e dinheiro para isso?
Em primeiro lugar, uma campanha de informação esmagadora junto do consumidor, que fizesse entender a todos que os produtos Bairrada são apenas os que dizem no rótulo Bairrada e os que possuem selo de certificação. Se conseguíssemos que se separasse de vez o “da Bairrada” ou “feito na Bairrada” do produto “Bairrada” ou “DOC Bairrada” a região teria outro fôlego. Depois criaria um observatório/plataforma de conhecimento que désse resposta e suporte às decisões determinantes sobre a região e o seu futuro, nomeadamente sobre o seu produto-bandeira, o espumante. E que permitisse ainda criar referenciais económicos e sociais para a actividade vitivinícola na região. É fundamental mais conhecimento.
Faça de conta que não é o presidente da Comissão Vitivinícola Regional: quais são os vinhos da Bairrada de que mais gosta (um espumante, um branco e um tinto)?
O vinhos que se mais gosta é difícil…Nos espumantes, acho o Montanha Real de um padrão e consistência que me encantam, tal como o Aliança Vintage ou o Baga Bairrada da Quinta do Poço do Lobo ou o das Caves S. Domingos. Nos brancos, escolheria o Cercial do Carlos Campolargo, o Vinha Formal do Luis Pato e o Kompassus Reserva. Nos tintos é mais complicado, masma diria o Bágeiras Garrafeira, o Outrora, do João Soares, o Messias Baga Tradição, o Marquês de Marialva Grande Reserva… Há muitos.
Qual foi o melhor vinho da Bairrada que já bebeu?
Um branco de 1983 do pai do Dr. Almeida e Silva (era o proprietário da Casa de Saima) que bebi há cerca de três anos. Não me lembro do nome exacto do vinho. Tinha o nome do pai. Era perfeitamente arrebatador. Era um tipo de vinho que se está a voltar a fazer e que o Mário Sérgio, da Quinta das Bágeiras, tem feito ao longo dos anos. Brancos com uma oxidação pronunciada no início mas que depois duram muito tempo.