A floresta não é de todos, é de muitos
É fundamental a criação de incentivos para uma participação ativa da população e para despertar o interesse da iniciativa privada.
Nós, portugueses, temos e sempre tivemos uma grande ligação à floresta. A sua evolução confunde-se com a de Portugal. Temos mais de um terço do nosso território coberto com florestas e bosques, para além de ser um dos nossos mais importantes recursos naturais. A floresta produz de tudo um pouco, inclusive vários serviços à sociedade muitas vezes esquecidos.
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Nós, portugueses, temos e sempre tivemos uma grande ligação à floresta. A sua evolução confunde-se com a de Portugal. Temos mais de um terço do nosso território coberto com florestas e bosques, para além de ser um dos nossos mais importantes recursos naturais. A floresta produz de tudo um pouco, inclusive vários serviços à sociedade muitas vezes esquecidos.
No entanto, considerando o abandono rural, os incêndios e todas as más políticas florestais levadas a cabo em Portugal, todos os anos perdemos uma área considerável de floresta, incluindo floresta nativa. Não será também coincidência que Portugal é o país na Europa com menos área florestal pública, ao mesmo tempo que é o país europeu com maior área ardida (para além de ser o único país na UE que perdeu área florestal nos últimos anos). Por essa razão, é urgente a tomada de medidas de conservação e a criação de florestas e áreas protegidas, tanto por parte do Estado, como também de iniciativas privadas.
Apesar da recente delineação da Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e Biodiversidade, da existência da RNAP, Rede Nacional de Áreas Protegidas, tutelada pelo ICNF, e de alguns fundos europeus, a verdade é que o investimento público recai na sua maioria na conservação da Rede Natura 2000, ficando de fora outras áreas com elevado potencial de conservação. Sendo que, ainda assim, há um claro desinvestimento na conservação e, segundo um relatório da União Europeia, cerca de 60% dos habitats em Portugal “apresentam um estatuto de conservação desfavorável”.
Dentro das áreas protegidas de âmbito público temos como único parque nacional o Parque da Peneda-Gerês, entre alguns parques e reservas naturais. De âmbito privado, ao contrário de muitos países, temos igualmente reconhecida pelo ICNF apenas uma área protegida em Portugal, a Reserva Natural da Faia Brava, gerida pela Associação Transumância e Natureza. E a verdade é mesmo esta: existe uma falta generalizada de áreas de floresta nativa com objetivos de conservação. E partindo do principio que 98% da área florestal é privada, caso existissem condições, essa aposta poderia começar a partir dos proprietários florestais privados. Faltam, no entanto, os incentivos e o apoio do Estado.
Com o compromisso de, aos poucos, contrariar esta situação, começam a surgir algumas áreas de conservação privadas, como é o caso das áreas geridas pela Associação Montis, uma ONG criada em 2014, que lançou recentemente uma campanha de crowdfunding para financiar um dos seus mais recentes projetos de conservação (lá está: faltam os incentivos!).
Tanto a Reserva da Faia Brava, reconhecida pelo ICNF, como a Montis ou Cabeço Santo (outra área privada) são bons exemplos de iniciativas privadas que promovem a conservação das nossas florestas, fornecendo gratuitamente um dos maiores valores ou serviços das florestas e um dos pontos fulcrais que podem fazer toda a diferença: os serviços de ecossistema.
É de salientar que dentro dos serviços de ecossistema de uma floresta portuguesa, por exemplo, a madeira e lenha correspondem a menos de 1/3 do seu valor económico, pelo que é mais significativo o sequestro de carbono, os produtos florestais não madeireiros (resina, óleos essenciais, mel, frutos), a proteção da bacia hidrográfica e o aumento da qualidade da água, etc. Constatamos muitas vezes que este valor económico (os tais 2/3) não é contabilizado, sendo retirado da equação, o que leva o Estado a depender e a concentrar a aposta económica na celulose e madeira.
Estes 2/3 são, no entanto, o compromisso das referidas iniciativas de conservação privadas, tanto a nível associativo como particular. Estas focam-se exatamente na conservação da natureza e promoção da biodiversidade, prestando um valor potencialmente maior que o de uma floresta ou fileira florestal dedicada à celulose e madeira.
Dessa forma, por que é que em Portugal um proprietário florestal privado ou associação que pretenda gerir ou transformar o seu pedaço de terra numa área de conservação com espécies autóctones não pode ser compensado por isso? Ou então, porque é que estes não podem começar a vender serviços de ecossistema ao Estado ou a empresas, para manter espaços privados como reservas naturais eficientemente geridas? São vários os benefícios do pagamento de serviços de ecossistema (temos já bons resultados em experiências na Costa Rica ou Canadá) e estes também podem ser utilizados para fazer crescer o interesse dos proprietários ou associações florestais, financiando projetos de conservação (como o da Montis) e aumentar estas áreas.
Quando falamos em vender serviços de ecossistema, podemos igualmente referir o mercado da compensação de emissões de carbono, criado pelas Nações Unidas. Um proprietário privado poderá assim vender as suas emissões de carbono a empresas que emitem mais do que a sua alocação (desde que este mercado seja devidamente regulado). Ou seja, porque não colocar um preço na “natureza”?
Em Portugal, o Estado deveria apresentar-se como indutor, através de políticas florestais, das atividades económicas da floresta que permitam a sua sustentabilidade e a conservação dos recursos naturais, para programar o crescimento da qualidade de vida da população, assim como ser mais ativo na proteção e regulação das nossas florestas e matas.
Com este objetivo, era fundamental a criação de incentivos para uma participação ativa da população e para despertar o interesse da iniciativa privada, permitindo desse modo que proprietários privados com florestas ou áreas de interesse natural e faunístico possam manter e gerir as suas áreas com objetivos de conservação da natureza (em lugar de estas áreas se encontrarem ao abandono ou mesmo transformadas em fileiras), criando-se igualmente mais áreas privadas reconhecidas pelo ICNF. Áreas privadas que poderiam inclusivamente fazer parte de organizações associativas de proprietários florestais, que, como já foi dito, representam mais de 98% da área florestal em Portugal.
Porque em Portugal, mais do que em qualquer outro país, a floresta não é de todos, mas de muitos.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico