Liderança do Eurogrupo coloca Centeno no centro do debate do futuro do euro
Entre os Governos que querem os países da zona euro a partilhar mais riscos e os que exigem um mais apertado cumprimento das regras, Centeno tenta uma posição de equilíbrio em Bruxelas, que lhe poderá trazer críticas em Portugal.
Depois de sobreviver a uma crise que colocou em causa a sua existência, a zona euro prepara-se para iniciar um debate sobre as mudanças fundamentais que terá de fazer para garantir que crises semelhantes não voltem a acontecer. Alterações tão radicais como a existência de um ministro das Finanças da zona euro, a criação de um FMI europeu ou a definição de um subsídio de desemprego comum a todos os países vão estar em cima da mesa e as divergências entre os países prometem ser difíceis de resolver. No centro destas negociações, deverá vir a estar um português.
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Depois de sobreviver a uma crise que colocou em causa a sua existência, a zona euro prepara-se para iniciar um debate sobre as mudanças fundamentais que terá de fazer para garantir que crises semelhantes não voltem a acontecer. Alterações tão radicais como a existência de um ministro das Finanças da zona euro, a criação de um FMI europeu ou a definição de um subsídio de desemprego comum a todos os países vão estar em cima da mesa e as divergências entre os países prometem ser difíceis de resolver. No centro destas negociações, deverá vir a estar um português.
Mário Centeno pode ver ser-lhe dada, na segunda-feira, a tarefa de liderar o Eurogrupo, fazendo-o num momento de grandes decisões na zona euro. A natureza das medidas e o papel de destaque que o ministro das Finanças português terá de assumir, darão ao Governo português um poder pouco habitual nesta matéria, mas têm também o potencial para gerar conflitos a nível doméstico entre os partidos que apoiam o Executivo.
Num momento em que a economia da zona euro voltou a crescer e em que não há na zona euro qualquer país a atravessar uma crise económica grave, a principal tarefa do futuro presidente do Eurogrupo será, não gerir os problemas da aplicação e avaliação dos programas da troika, como fizeram os seus antecessores, mas levar a bom termo um processo de reforma da moeda única que se quer definitivo. Não se pense que irá ser uma tarefa fácil.
Neste momento, a única coisa que está acertada é o calendário. Logo na próxima quarta-feira, dois dias depois da eleição no Eurogrupo, a Comissão Europeia apresenta a sua proposta de reforma. Menos de duas semanas depois, esse documento servirá de base para uma primeira discussão entre os Governos, na cimeira europeia agendada para 14 de Dezembro. Mas, com o Governo alemão por formar, não se podem esperar decisões logo nessa altura, devendo estas acontecer apenas em meados de 2018. Na primeira metade do ano, o Eurogrupo será a sede das principais discussões.
As ideias em cima da mesa, caso fossem todas aprovadas, mudariam radicalmente a zona euro. Passaria a haver um ministro das Finanças europeu, com poderes para influenciar a política orçamental de cada país. Seriam criados instrumentos capazes de ajudar os países em dificuldades momentâneas ou com mais atrasos estruturais a convergir com os Estados em melhor situação, como um Fundo Monetário Europeu mais poderoso, a possibilidade de emissão de dívida em conjunto ou a existência de um fundo de desemprego comum. O sector bancário teria regras de resolução, supervisão e de seguro de depósitos única e as regras orçamentais seriam muito mais simples.
O mais recente impulso dado para muitas destas ideias foi dado pelo presidente francês, Emmanuel Macron, e o Governo português está entre os que quer aproveitar esta nova possibilidade de reforma. Ao apresentar a sua candidatura, Mário Centeno destacou como prioridades a criação de instrumentos de convergência e a finalização da união bancária. E a sua eleição, especialmente se se concretizar com o apoio da Alemanha, não pode deixar de ser visto como um sinal importante da disponibilidade dos países para operar mudanças a este nível.
No entanto, em muitas das questões, o diabo estará nos pormenores. É que se, do lado de Macron (e de Centeno) as mudanças são vistas como uma forma de aumentar o nível de distribuição de risco na zona euro (mais apoio aos países que entram em crise, capacidade de financiamento mais acessível para todos, protecção dos Estados face a uma crise num banco), do lado de países como a Alemanha, a ideia é mais a de associar estas mudanças a um controlo mais apertado do cumprimento das regras orçamentais europeias, que evitem que uns países venham a ser chamados a suportar as perdas de outros. Por exemplo, em relação a um Fundo Monetário Europeu, Wolfgang Schäuble - cujas ideias sobre a Europa têm ainda um enorme peso na Alemanha - defendeu que essa instituição deve emprestar dinheiro aos Estados apenas com condições apertadas ao estilo da troika, sendo-lhe também entregues competências de fiscalização do cumprimento das regras orçamentais europeias que neste momento estão nas mãos da Comissão. Pelo contrário, a França procura com o FME possa sobretudo assegurar que há uma entidade muito bem financiada (talvez pelo BCE) para acorrer a crises e não pretende que a Comissão (com a sua visão mais flexível e política) deixe de ser a guardiã das regras orçamentais.
Na carta que enviou aos outros ministros das Finanças apresentando a sua candidatura, Mário Centeno tentou mostrar que há uma maneira de satisfazer, em simultâneo, estes dois tipos de interesse. Se por um lado diz que “um aprofundamento da união monetária europeia será chave para promover um crescimento económico sustentável e inclusivo e a criação de emprego”, por outro defende que o “o futuro presidente do Eurogrupo deve promover a implementação de um quadro de fiscalização orçamental totalmente credível”.
Defender estas duas coisas ao mesmo tempo, embora possa ser a única estratégia possível para encontrar um consenso na Europa (para a sua eleição e para a aprovação das reformas), arrisca-se a ser mal recebida em Portugal pelos partidos que, à esquerda, apoiam o Governo. Até porque Centeno, na carta aos seus parceiros do Eurogrupo, garantiu estar “fortemente comprometido com a implementação do Pacto de Estabilidade”, dando como prova o seu “historial como ministro das Finanças português”.
Para além da reforma da zona euro, o futuro líder do Eurogrupo terá outros desafios importantes e espinhosos. Um deles será a eventual negociação entre a Grécia e os seus parceiros da zona euro da concretização do alívio da dívida pública. Isso poderá acontecer já em 2018, mas apenas depois de a Grécia conseguir obter uma avaliação positiva do seu programa por parte da troika e de o novo Governo alemão estar formado.
De igual modo, Centeno pretende colocar na agenda do Eurogrupo uma mudança na sua forma de funcionamento, aumentando a transparência, reforçando o diálogo com o Eurostat e aumentando a qualidade do debate. “Devemos ter sempre um portfolio de políticas alternativas, uma vez que, muitas vezes, as políticas consideradas ideiais, não são politicamente exequíveis para todos os Estados membros”, afirma Centeno na sua carta.
Para tentar que estas mudanças passem à prática, Centeno, caso seja eleito, terá fundamentalmente o poder de definição da agenda, algo que partilhará com a estrutura de apoio do Eurogrupo (denominada Grupo de Trabalho do Eurogrupo) que prepara tecnicamente as reuniões de ministros e onde deverá processar-se também uma mudança de liderança, já que o Austríaco Thomas Weiser irá abandonar o cargo que ocupa desde 2011.