O empresário que também olhava para o mundo
O último contributo de Belmiro de Azevedo foi um think tank sobre Educação, com o qual queria investigação científica sobre o sector. Na Cultura, o seu contributo sentiu-se nas grandes instituições artísticas do Porto.
"Podemos melhorar, ter políticas económicas mais racionais, mas pouco se alterará se não mudarmos o paradigma da educação e o modelo de aprendizagem." Com esta frase, Belmiro de Azevedo sintetizava a forma como via na Educação a peça fundamental para construir as mudanças de que o país precisava. Uma alteração que devia colocar em diálogo políticos, empresários, académicos e toda a sociedade. Era preciso “criar uma consciência colectiva”, dizia.
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"Podemos melhorar, ter políticas económicas mais racionais, mas pouco se alterará se não mudarmos o paradigma da educação e o modelo de aprendizagem." Com esta frase, Belmiro de Azevedo sintetizava a forma como via na Educação a peça fundamental para construir as mudanças de que o país precisava. Uma alteração que devia colocar em diálogo políticos, empresários, académicos e toda a sociedade. Era preciso “criar uma consciência colectiva”, dizia.
Estas ideias – concretizadas num manifesto de sete páginas que Belmiro de Azevedo escreveu em Fevereiro de 2014 – foram a semente do que viria a ser o EDULOG, o think tank lançado no ano passado e que se tornou central do seu trabalho de responsabilidade social, concretizado desde os anos 1990 através da Fundação Belmiro de Azevedo.
“A sua proposta central era a de que a tomada de decisões na Educação devia ser baseada em evidências científicas, ultrapassando o ruído e as opiniões pouco fundamentadas que às vezes ocupam espaço na opinião pública”, explica a antiga ministra da Educação Isabel Alçada, que era um dos elementos do Conselho Consultivo do think tank criado em 2016.
Belmiro de Azevedo rodeou-se de outros ex-governantes (como o antigo ministro da Educação David Justino, que também foi presidente do Conselho Nacional de Educação nos últimos anos, ou João Filipe Queiró, secretário de Estado do Ensino Superior no anterior Governo) e académicos (José Novais Barbosa, catedrático da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto que preside ao parque de ciência e tecnologia da instituição, ou Alberto Amaral, que foi reitor da universidade portuense) para concretizar esta sua intenção.
Com eles constituía um conselho consultivo que acompanhava as várias acções que o think tank tem lançado e que começarão a ter os seus frutos mais visíveis ao longo do próximo ano.
Para cumprir o objectivo do seu fundador, o EDULOG encomendou estudos para melhor conhecer o sector da Educação em Portugal. O primeiro – sobre a imagem pública dos professores – foi apresentado este ano e há outros em execução sobre Administração Educativa ou o impacto do professor na aprendizagem do aluno.
O EDULOG também apoiou recentemente a criação do Observatório de Educação, num consórcio liderado pelo Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior e do qual fazem parte grupos de investigação que juntam diferentes universidades portuguesas. A intenção é “definir e sistematizar um conjunto de indicadores/métricas explanatórias que permita o conhecimento da situação atual, tendências de evolução e principais dinâmicas estruturais do sistema de ensino português”, lê-se no texto de apresentação do projecto.
“A ideia é sempre a mesma: de que só se conseguem melhorar resultados se as decisões tiverem por base estudos e investigação”, prossegue Isabel Alçada. A escritora não tem dúvidas de que este trabalho “terá continuidade” depois da morte de Belmiro de Azevedo e que será uma das marcas do legado do empresário fora do mundo dos negócios. “As fundações criam-se para fazer perdurar os valores defendidos pelos seus fundadores para além da sua acção directa.”
O EDULOG tornou-se num projecto fundamental da acção filantrópica de antigo homem-forte da Sonae, mas a Fundação Belmiro de Azevedo já tinha longos anos de trabalho em diversas áreas. Foi criada em 1991 e mantém acções na Cultura e nas Artes e também no voluntariado e solidariedade social.
O think tank não foi sequer a primeira incursão da Fundação Belmiro de Azevedo no território da Educação. Em 2008, a instituição criou o Colégio Efanor, um estabelecimento de ensino privado sediado em Matosinhos, nas instalações da empresa têxtil Efanor, onde o empresário começou a sua vida profissional em 1963. A escola tem hoje alunos desde os níveis de berçário, creche e pré-escolar. No ensino básico tem turmas do 1.º ao 3.º ciclo.
A fundação também atribui todos os anos prémios escolares aos filhos dos trabalhadores das empresas do grupo Sonae com bom desempenho académico, que frequentem o 2.º e 3.º ciclos (com iguais ou superiores a 4 valores) e o ensino secundário (médias superiores a 14). Os alunos que entrem no ensino superior com média igual ou superior a 14 valores também recebem uma bolsa de estudo.
“O interesse de Belmiro de Azevedo na Educação não começou há pouco tempo”, sublinha o presidente do Conselho Consultivo do EDULOG, Alberto Amaral, que foi reitor da Universidade do Porto entre 1985 e 1998. Nesse tempo, Belmiro de Azevedo “deu uma grande ajuda à universidade, nomeadamente na criação da escola de negócios”, recorda.
Belmiro de Azevedo foi um dos fundadores do que é hoje a Porto Business School, em 1988, e presidiu ao Conselho de Administração e ao Conselho Geral de Supervisão. Foi também um dos grandes impulsionadores do projeto de construção do actual 'campus'", recordava nesta quarta-feira, em comunicado citado pela agência Lusa, presidente da direcção da instituição, Ramon O'Callaghan, que recorda o empresário como "um homem com uma impressionante visão de futuro, defensor da necessidade constante de mudança e melhoria".
A sua relação intensa com a Universidade do Porto também é sublinhada pelo reitor da instituição, Sebastião Feyo de Azevedo, num depoimento enviado ao PÚBLICO a propósito da morte de Belmiro de Azevedo (ver texto ao lado).
A acção do empresário estendia-se ao campo da cultura, através de mecenato ou da participação em algumas das principais instituições artísticas do Porto.
Numa nota de pesar, o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, lembrou o antigo dirigente da Sonae como uma pessoa "com uma notável capacidade de trabalho, [que] soube compatibilizar a sua dedicação aos negócios com o interesse pelas áreas da Cultura, da Educação, das Artes e da Solidariedade, que expressou através da constituição da Fundação com o seu nome, em 1991".
Belmiro de Azevedo esteve na génese da Fundação Casa da Música, como sublinhava nesta quarta-feira o conselho de fundadores da instituição num comunicado em que lamentava a sua morte. A Sonae era uma das fundadoras daquela instituição – que chegou a ter Nuno de Azevedo, um dos filhos do empresário, como administrador-delegado.
A Sonae é actualmente mecenas da Orquestra Sinfónica do Porto e é também fundadora da Fundação de Serralves, outro dos grandes equipamentos culturais da cidade.