A grafia dos dias: Claire

Recordarei Claire insegura e cambaleante, agarrada ao andarilho, e perseguida pela mesa a que chama vida

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Sónia Nisa

Não tenho palavras nem terei memória fidedigna para as longas e deliciosas narrativas. Encontro-me perdida. Inundada entre primos, jovens mulheres guiando ambulâncias e vacas fechadas em navios para a Austrália. Pacotes vivos de leite fresco, armazenados num qualquer porão para as longas viagens.

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Não tenho palavras nem terei memória fidedigna para as longas e deliciosas narrativas. Encontro-me perdida. Inundada entre primos, jovens mulheres guiando ambulâncias e vacas fechadas em navios para a Austrália. Pacotes vivos de leite fresco, armazenados num qualquer porão para as longas viagens.

 

Numa imensidão de carinho recordarei as noites em que, na cama, me relata histórias de vida mascaradas de lições de inglês. Revivemos os natais nas ruas de Londres. Ruidosas luzes anunciando Bovril num maravilhamento de crianças. Presentes enrolados nos mais de 90 anos de vida.

 

Sinto o calor de África e percorremos juntas a fronteira irlandesa. Recordo com intensidade as comemorações do dia D. Lê-se-lhe nos lábios o orgulho das intermináveis horas de trabalho conectando mensagens e segredos. Mãos que tocavam em harmonia desenfreada uma sinfonia de telecomunicações.

 

Recordarei Claire insegura e cambaleante, agarrada ao andarilho, e perseguida pela mesa a que chama vida. Lanterna, comprimido azul, rádio e uma infindável panóplia de artefactos desenham-lhe as rotinas diárias. Rígidas. Organizadas. Imutáveis.

 

Desligo os botões da tomada. Fecho os cortinados. Panos percorridos por flores tingidas, que encerram este espectáculo revivido, histórias de vida. Doce e terna.