Relatório descreve “brutalidade” contra manifestantes anti-Maduro
Documento da Human Rights Watch e da Foro Penal diz que o grau de violência e impunidade sugere “responsabilidade governamental ao mais alto nível”.
Um novo relatório sobre a forma como o Governo da Venezuela lidou com as manifestações da oposição afirma que centenas de pessoas foram julgadas e condenadas de forma ilegal, e pinta um quadro negro sobre as condições em que muitos delas estiveram detidas: penduradas no tecto com as mãos e os pés algemados e forçadas a comer alimentos com excremento, cinza de cigarro e insectos.
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Um novo relatório sobre a forma como o Governo da Venezuela lidou com as manifestações da oposição afirma que centenas de pessoas foram julgadas e condenadas de forma ilegal, e pinta um quadro negro sobre as condições em que muitos delas estiveram detidas: penduradas no tecto com as mãos e os pés algemados e forçadas a comer alimentos com excremento, cinza de cigarro e insectos.
O relatório tem 62 páginas e foi escrito a meias pela organização internacional não-governamental Human Rights Watch e pela associação de direitos humanos venezuelana Foro Penal – um grupo fundado em 2005 por vários advogados opositores do antigo Presidente Hugo Chávez e do actual Presidente, Nicolás Maduro.
Nas páginas do relatório estão descritos 88 casos que envolvem 314 pessoas, numa amostra do que as duas organizações consideram ser “um tratamento sistemático e brutal, incluindo tortura, contra manifestantes anti-governo e opositores políticos”.
Os responsáveis pelo relatório falaram com os manifestantes que se queixam de terem sido espancados e torturados, com familiares, com outras testemunhas, com médicos e com advogados de vários dos detidos, para além de terem visto fotografias e vídeos, relatórios médicos e decisões judiciais. Os casos relatados dizem respeito ao período entre Abril e Setembro e envolveram pessoas de Caracas e de outros 13 estados venezuelanos.
“Os abusos generalizados e perversos contra os opositores do Governo na Venezuela, incluindo casos escandalosos de tortura, e a absoluta impunidade dos atacantes sugere responsabilidade governamental ao mais alto nível”, disse José Miguel Vivanco, director da Human Rights Watch para as Américas.
É uma preocupação que atravessa todo o relatório – a de sublinhar que a actuação das forças governamentais na repressão das manifestações de Abril deste ano foi “sistemática”, e não resultado de “excessos ocasionais de agentes marginais”.
Um dos casos descritos no relatório é o de Ernest Martin (nome fictício), de 34 anos. Este habitante de Caracas diz que foi detido por agentes dos serviços secretos da Venezuela depois de ter criticado o Governo em público. De acordo com o relato de Martin, os agentes que o detiveram algemaram-lhe as mãos e os pés, penduraram-no no tecto e deram-lhe choques eléctricos enquanto o interrogavam sobre as suas ligações à oposição.
“A natureza e o timing de muitos dos abusos – bem como o frequente uso de epítetos pelos abusadores – sugerem que o objectivo deles não era a aplicação da lei ou a dispersão de manifestantes, mas sim a punição de pessoas por causa das suas opiniões políticas”, afirmam as duas organizações responsáveis pelo relatório num comunicado.
Os casos incluem também detenções longe das manifestações, em casas ou nas ruas. De acordo com a Human Rights Watch e a Foro Penal, as forças governamentais foram casa a casa deter pessoas conhecidas pela sua oposição ao Governo de Nicolás Maduro.
O relatório salienta que houve registo de manifestações em que alguns dos participantes cometeram actos de violência – negando a versão do Governo, que descreveu a onda de protestos iniciada em Abril como violenta na sua totalidade.
“Os abusos brutais que estão documentados não fizeram parte de um esforço para reprimir manifestações violentas. Em vez disso, as atrocidades foram infligidas a pessoas que já estavam detidas ou controladas de outra forma pelas forças de segurança, ou consistiram no uso desproporcional e deliberado de violência contra pessoas em manifestações, nas ruas e até nas suas casas”, afirma a Human Rights Watch.
As duas organizações contabilizaram pelo menos 5400 detenções entre Abril e Setembro, com alguns dos detidos a serem libertados “sem terem sido levados perante um juiz”, e outros “sujeitos a acusações sumárias sem as mais básicas garantias legais”. Pelo menos 757 civis “foram acusados em tribunais militares por crimes que incluem traição e rebelião, em circunstâncias que violam a lei internacional”, denunciam a Human Rights Watch e a Foro Penal.
Em jeito de conclusão, as duas organizações apelam à comunidade internacional que “peça contas a partir do estrangeiro” ao Governo da Venezuela, se as autoridades do país “forem incapazes”, ou “se não quiserem”, responsabilizar as forças de segurança “pelos abusos”.
Milhões de venezuelanos que se opõem ao Governo de Nicolás Maduro manifestaram-se entre Abril e Agosto deste ano, depois de o Tribunal Supremo de Justiça (composto por juízes nomeados pelo Governo) ter assumido as competências legislativas da Assembleia Nacional (onde a oposição estava em maioria). O Governo diz que essas manifestações foram orquestradas pela oposição de direita, com a supervisão de interesses políticos e económicos nos Estados Unidos.
Entre Abril e Agosto morreram 163 pessoas nas manifestações um pouco por todo o país, e mais de 15 mil ficaram feridas.