Os partidos políticos e o serviço público de media
Continua a não existir um consenso sobre o financiamento da RTP através da Contribuição para o Audiovisual.
Nos últimos três ou quatro anos, em Portugal, a existência e o papel de um serviço público de media têm obtido um raro consenso social e político. A relevância de uma programação diversificada e distinta da oferecida pelos operadores privados de rádio e de televisão, o seu papel de referência cultural e social, a garantia de que uma RTP de capitais públicos constitui afinal a única forma de garantir que ela continuará a ser uma empresa portuguesa e a crise (estrutural?) de alguns dos principais grupos privados de media explicarão esse raro consenso, reforçado pelo positivo desempenho da atual administração da empresa, pelo equilíbrio e contenção das suas contas, sem prejuízo de as perspetivas para 2018 não serem animadoras, pela ausência de polémicas em torno da independência da informação face ao poder político e pela indiscutível qualidade de muitos dos conteúdos emitidos, sobretudo na rádio pública.
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Nos últimos três ou quatro anos, em Portugal, a existência e o papel de um serviço público de media têm obtido um raro consenso social e político. A relevância de uma programação diversificada e distinta da oferecida pelos operadores privados de rádio e de televisão, o seu papel de referência cultural e social, a garantia de que uma RTP de capitais públicos constitui afinal a única forma de garantir que ela continuará a ser uma empresa portuguesa e a crise (estrutural?) de alguns dos principais grupos privados de media explicarão esse raro consenso, reforçado pelo positivo desempenho da atual administração da empresa, pelo equilíbrio e contenção das suas contas, sem prejuízo de as perspetivas para 2018 não serem animadoras, pela ausência de polémicas em torno da independência da informação face ao poder político e pela indiscutível qualidade de muitos dos conteúdos emitidos, sobretudo na rádio pública.
Recorde-se que em 1998, 2000, 2003 e 2012, perante a oposição de toda a esquerda e algum distanciamento do CDS, o PSD apresentou, sem sucesso, projetos para a privatização da RTP ou de um dos seus canais. Hoje, o tema está completamente fora da agenda política... e mediática.
No entanto, não estando em causa, em Portugal como na Europa, o papel de um importante serviço público de media, o debate em torno do modelo de financiamento da RTP não está encerrado.
É verdade que o atual Governo desistiu da medida, prevista no seu programa, que visava transitar a cobrança da Contribuição para o Audiovisual (CAV) da fatura da eletricidade para a dos operadores de comunicações. Desta forma, a CAV seria apenas cobrada aos lares em que houvesse contratos com empresas de comunicações, o que, para garantir a mesma receita global, implicaria um substancial aumento do montante pago por cada família. Além de constituir um erro crasso, a proposta, a concretizar-se, poderia vir a ser considerada inconstitucional.
No entanto, continua a não existir um consenso sobre o financiamento através da CAV, cujo montante tem sido estabelecido anualmente pelo Orçamento do Estado. Desde a sua criação em 2004, na sequência da experiência da taxa da radiodifusão (1976-2003) já cobrada pelas distribuidoras de energia elétrica, que o seu montante, proposto pelos sucessivos governos, ou até a sua própria existência não conseguem obter a unanimidade dos grupos parlamentares. Na votação para o Orçamento de 2018, realizada há dias, foi o PSD, ao abster-se, que inviabilizou esse consenso unanime. O artigo em causa assegurava a manutenção, em 2018, do atual montante da CAV.
No conjunto dos anos desde a sua criação, apenas o PS nunca votou contra a CAV, tendo-se todavia abstido em 2004 e 2013, sinalizando assim a sua oposição face aos processos que então visavam uma privatização total ou parcial da RTP. Os outros grupos parlamentares têm um percurso mais irregular. À direita do PS, o PSD absteve-se em quatro orçamentos (2010, 2011, 2016 e 2018) e votou contra apenas relativamente ao de 2017 e o CDS absteve-se também em três orçamentos, mas votou contra em 2008 e 2011. À esquerda do PS, a oposição é maior: o PCP apenas votou três vezes a favor (2010, 2016 e 2018), tendo votado contra em cinco anos e optado pela abstenção em seis; e o BE votou a favor do montante da CAV em 2010, 2012, 2017 e 2018, tendo igualmente seis abstenções e quatro votos contra. Sublinhe-se que nesta análise não está incluída a votação da CAV no Orçamento para 2009, uma vez que não há registos de que ela tenha sido efetivamente realizada, depois de a comissão parlamentar que o debateu na especialidade ter remetido a votação da norma em causa para o plenário da Assembleia da República.
Por outro lado, desde que a CAV foi criada, os seus montantes foram aumentados em oito orçamentos e mantiveram-se em sete, como aconteceu nos de 2017 e 2018 e antes nos de 2008, 2009, 2012, 2013 e 2015. Mas excetuando o aumento verificado no Orçamento de 2011 — de 51 cêntimos, apenas votado favoravelmente pelo PS —, os montantes da CAV sofreram apenas pequenos ajustes, podendo aliás concluir-se que não existe uma relação direta entre o voto dos grupos parlamentares e o aumento ou a manutenção dos valores da CAV submetidos à votação nos Orçamentos do Estado.
Esta clara ausência de consenso parlamentar sobre a CAV terá assim duas origens. Em primeiro lugar, parece claro que grande parte das forças partidárias, quando na oposição, procurou demarcar-se de uma contribuição que, apesar do seu limitado montante mensal e inclusivamente da sua redução, a partir de 2016, para apenas um euro para as famílias de menores recursos (cerca de 165 mil), permanece com elevados níveis de impopularidade. Muitos cidadãos consideram que não devem pagar um serviço de que não usufruem, ignorando que o pagamento da CAV não pode ser considerado como uma mera contrapartida pela audição ou pelo visionamento efetivo das emissões, mas antes um contributo para a existência de um serviço público disponível a todos os cidadãos no país e no estrangeiro. Aliás, o seu montante (cerca de três euros) é claramente dos mais baixos da Europa, bem longe dos mensalmente pagos em Itália (cerca de nove euros), França (11), Alemanha (18), Dinamarca (27) ou Suíça (35), para referir apenas alguns exemplos. Constitui a mais comum forma de financiamento dos serviços públicos europeus, visando torná-los independentes das receitas comerciais, de resto fortemente condicionadas para estes operadores pela consagração de limites mais exigentes à emissão de publicidade ou mesmo pela sua proibição total, como aliás acontece na rádio pública portuguesa. Desta forma, em 2015, as receitas publicitárias constituíram apenas cerca de 9,2% dos rendimentos e ganhos da RTP. Em 1990, representavam uns escandalosos 65,7%!
Por outro lado, embora com bem menor frequência, continua a poder ler-se, em alguma imprensa populista, referências, muitas vezes falsas ou profundamente demagógicas, a “custos excessivos” da RTP — recorde-se o slogan do alegado custo de um milhão por dia —, a elevados salários das vedetas do ecrã ou à ausência de caráter distintivo entre a RTP (aqui reduzida ao primeiro canal do serviço televisivo) e os operadores privados.
Em segundo lugar, em alguns setores, parece manter-se a ideia de que as indemnizações compensatórias (verbas inscritas no Orçamento do Estado) representariam a melhor forma de financiar a RTP. Trata-se de uma visão completamente errada. Esta forma de financiamento, que se tornaria, a par da publicidade, a principal fonte de receita no início dos anos 90, tornou a empresa refém, até há poucos anos atrás, da (boa ou má) vontade dos governos e das conjunturas financeiras do país. A irregularidade, a imprevisibilidade e o frequente incumprimento da sua atribuição contribuíram decisivamente para a crise financeira que assolou a RTP entre 1992 e 2003.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico