Uma viagem musical luso-grega que vai do Egeu ao Atlântico e mais além
Amélia Muge e Michales Loukovikas falam de ARCHiPELAGOS, a sua nova aventura musical que liga rebético e fado, Hölderlin e Pessoa, Eurípides e Lopes-Graça, Safo e Martín Codax. A estreia é dia 29, no São Luiz, em Lisboa, às 21h.
“O teu olhar onde acaba?”, perguntava-se quase a fechar o disco PERIPLUS, numa canção cantada em grego e em português, composta por Amélia Muge e Michales Loukovikas. Isso foi em 2012. Cinco anos passados sobre essas “deambulações luso-gregas”, eles mostram num novo trabalho conjunto que tal olhar não acaba nunca. ARCHiPELAGOS – Passagens é uma viagem musical, uma quase epopeia que vai do mar Egeu ao oceano Atlântico, embora o seu horizonte seja muito mais vasto. Pelo caminho, cruzamo-nos com Hölderlin e Eurípides, mas também com Safo e Martín Codax, Fernando Pessoa e Giorgos Mitsakis, Hélia Correia e Beethoven, Thomas More e Violeta Parra, Saramago e Rosalía de Castro, Ares Alexandrou e Cesária Évora. E até a Terra do Nunca de Peter Pan se cruza com Ulisses ou D. Sebastião.
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“O teu olhar onde acaba?”, perguntava-se quase a fechar o disco PERIPLUS, numa canção cantada em grego e em português, composta por Amélia Muge e Michales Loukovikas. Isso foi em 2012. Cinco anos passados sobre essas “deambulações luso-gregas”, eles mostram num novo trabalho conjunto que tal olhar não acaba nunca. ARCHiPELAGOS – Passagens é uma viagem musical, uma quase epopeia que vai do mar Egeu ao oceano Atlântico, embora o seu horizonte seja muito mais vasto. Pelo caminho, cruzamo-nos com Hölderlin e Eurípides, mas também com Safo e Martín Codax, Fernando Pessoa e Giorgos Mitsakis, Hélia Correia e Beethoven, Thomas More e Violeta Parra, Saramago e Rosalía de Castro, Ares Alexandrou e Cesária Évora. E até a Terra do Nunca de Peter Pan se cruza com Ulisses ou D. Sebastião.
Foram dois anos de trabalho, com idas portuguesas à Grécia e com uma residência artística de músicos gregos em Portugal. O resultado é uma filigrana de referências, reais ou mitológicas, de sons (fado, rebético, morna, músicas de tradição ancestral ou peças clássicas) e palavras de criação recente ou vindas de referências literárias ou poéticas. Sim, quase uma epopeia. E foi já gravada em disco, que estará disponível na noite de estreia no São Luiz, dia 29, às 21h.
“Ainda estamos a descobrir muito daquilo”, diz Amélia Muge ao PÚBLICO. “Porque há uma primeira ligação, aos temas, às músicas, mas quando os próprios materiais se juntam, quer em termos de arranjos quer em termos de interpretação, sinto que ainda estou a descobrir o que está lá. E eu ouvi o CD, depois de pronto, já umas três vezes!” Michales Loukovikas, grego nascido na Trácia, diz por seu turno: “Eu não tenho propriamente essa sensação de descoberta porque tenho muito presente os sons que aí estão, sinto é que funcionam muito bem juntos, e isso satisfaz-me imenso.” Amélia clarifica: “A descoberta de que falo é mais simbólica, a do significado daquelas coisas em conjunto. Que são mais do que a soma de cada um dos temas.”
Uma história em música
A teia de referências é tal que o disco traz um CD extra com um libreto trilingue (português, grego e inglês) de 156 páginas, onde, além das letras das canções, das biografias de todos os participantes e de textos das diversas instituições que apoiaram o trabalho, há uma Arquipédia (“documento amigo da memória ortográfica”, ou seja, sem AO) com um número considerável de entradas, para os interessados em ir mais além na descoberta. Um óbice no acesso à obra? De maneira nenhuma, diz Amélia. Pelo contrário: “Será que um bebé de três meses não é capaz de apreciar Beethoven? Eu acho que cada um tem de encontrar uma primeira entrada neste universo. E fazer aquilo que nós próprios fizemos. A primeira audição tem de ser despreocupada para depois, a pouco a pouco, se ir digerindo toda a informação. A audição musical é tão diversificada que só isso pode já trazer um primeiro impacto.” Michales diz: “As obras de arte têm sempre várias camadas, vários níveis de entendimento, que reaparecem por vezes muitos anos depois. Da primeira vez, vemos uma coisa; da segunda já vemos mais. Imagino que quem ouvir ARCHiPELAGOS, numa primeira fase já apreenderá alguma coisa. A Arquipédia será para os mais curiosos, os que perguntam insistentemente ‘o que é isto?’.”
Ainda sobre as referências, Amélia acrescenta: “Quisemos mostrar que um disco, e sobretudo discos como este, é feito um bocadinho como um livro, há muita investigação por trás, há uma história que se conta e que nós contamos com as músicas. Porque aqui também há descrições de paisagens, terras, personagens. Toda a parte das Ilhas Imaginárias tem desde os meninos perdidos à Penélope de Ítaca, que vem com a sua fala dizer as suas coisas. Aparece o Thomas More, numa leitura nossa, e para quem tiver lido o livro [Utopia] pode ser interessante.”
Voltar a falar com o mar
No processo de audição as descobertas são múltiplas. Ouvimos Amélia a cantar Safo em helénico antigo, ouvimos Hélia Correia a dizer a sua própria poesia, mas também vemos que a canção Hino Hurrita, de ca. 1400 a.C. (a mais antiga de que se conhece registo das palavras e notação musical, descoberta em 1950 na Síria) tem semelhanças com Acordai!, de Lopes-Graça, passando aqui, por entre ambas, a tragédia actual dos refugiados.
Não há, porém, “saladas sonoras”. Cada som mantém a sua distinção original, harmonizando-se com sons alheios por artes dos músicos e da descoberta. Michales diz: “É extraordinária, para mim, a imagem de um grego [ele próprio] a compor uma música para um poema de uma portuguesa, Hélia Correia, sobre a ruína da Grécia. O que eu senti quando vi pela primeira vez [o livro de Hélia] A Terceira Miséria! Foi comovente.” Isto estende-se ao título, que veio depois. “Escolhemos A Terceira Miséria e Indignação para a sequência principal, onde Hélia começa com uma citação de Hölderlin. E o que encontramos em Hölderlin? Arquipélagos!” O Arquipélago, como Hölderlin lembrou, era originalmente o nome do Mar Egeu e suas ilhas.
Amélia Muge: “Em Hölderlin, começamos a falar com o mar. E a última sequência, que no fundo é voltar a essa fala através do Martín Codax, completa o ciclo: começamos a perguntar coisas ao mar Egeu e acabamos a interrogar o Atlântico, nas ondas do mar de Vigo.”
No concerto, com Amélia Muge (voz, braguesa, percussão) e Michales Loukovikas (voz, percussão, acordeão) estarão vários dos músicos que participaram no disco: António Quintino (contrabaixo), Dimitris Mystakidis (viola, bouzouki, tzourás, voz), Filipe Raposo (piano), Harris Lambrakis (ney, flauta de bisel), José Salgueiro, (percussão), Manos Achalinotópoulos (clarino, voz), Kyriakos Gouventas (violino, viola), Ricardo Parreira (guitarra portuguesa), Catarina Anacleto (violoncelo e vozes) o grupo vocal feminino Maria Monda, e as cantoras Catarina Moura (das Segue-me à Capela), Teia Campos (das Sopa de Pedra) e Rita Maria. No disco, além destes músicos, participaram como convidados Hélia Correia e Maria José Muge (vozes faladas), Ana Dias (harpa) Andreas Karakotas (voz), António José Martins (caixa de música, percussão), José Manuel David (voz), Kosmás Papadópoulos (clarinete), Kostas Hanís (vibrafone), Mariana Abrunheiro (voz), Niovi Benou (palmas), Paló (voz), Pedro Casaes (voz), Rui Vaz (voz), Thomás Natsis (guitarra de flamenco, palmas), o Cramol: Grupo de Canto Tradicional de Mulheres da Biblioteca Operária Oeirense (vozes), a Orquestra de Cordas Palhetadas Thanassis Tsipinakis do Município de Patras (Grécia) e um Coro de Crianças (Santiago Fantasia, Gabriel Leite, Sophia Van Epps, Ana Pita, Marta Semblano e Patrícia Arens Teixeira) com direcção de gravação de Catarina Anacleto.