Depois do OE, PS e esquerda condenados a ir além do acordo de governação
Ainda há medidas do acordo de governação por cumprir, mas, com as eleições a aproximarem-se e as regras europeias a limitarem decisões, a discussão entre Governo e os partidos à esquerda irá alargar-se a outros temas.
Redução da TSU para os trabalhadores de mais baixos rendimentos, mais medidas de combate à precaridade e diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social são algumas das medidas do acordo de governação entre o PS e os partidos à sua esquerda que, concluída a aprovação do terceiro orçamento do Executivo, ficam ainda por cumprir. Mas, com a grande maioria dos compromissos já concretizados e a legislatura a aproximar-se do fim, adivinha-se que, para o Orçamento do Estado (OE) para 2019, a estas medidas se venham juntar novas reivindicações da esquerda, que irão além do estabelecido no acordo, prometendo um confronto difícil já próximo das eleições.
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Redução da TSU para os trabalhadores de mais baixos rendimentos, mais medidas de combate à precaridade e diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social são algumas das medidas do acordo de governação entre o PS e os partidos à sua esquerda que, concluída a aprovação do terceiro orçamento do Executivo, ficam ainda por cumprir. Mas, com a grande maioria dos compromissos já concretizados e a legislatura a aproximar-se do fim, adivinha-se que, para o Orçamento do Estado (OE) para 2019, a estas medidas se venham juntar novas reivindicações da esquerda, que irão além do estabelecido no acordo, prometendo um confronto difícil já próximo das eleições.
Uma análise aos três documentos assinados paralelamente pelo PS com Bloco de Esquerda, PCP e Verdes no final de 2015 permite concluir que, chegados ao final de 2017 e com o Orçamento do Estado para 2018 aprovado, a maior parte das medidas então previstas já foram aplicadas ou preparam-se para serem totalmente passadas à prática.
Entre estas medidas destacam-se as que mais simbolizaram a estratégia de devolução dos rendimentos que tinham sido perdidos durante a presença da troika em Portugal. A eliminação progressiva da sobretaxa de IRS e dos cortes salariais na função pública ficaram concluídos este ano, a fórmula de actualização das pensões voltou a estar em vigor e cumpriu-se, até agora, o plano de subida do salário mínimo nacional. Para além disso foram tomadas medidas como a reposição do pagamento dos complementos de reforma dos trabalhadores do sector empresarial do Estado, a proibição de execuções fiscais sobre a casa de morada da família, a reversão de parte da reforma do IRC realizada anteriormente, o fim do regime de mobilidade especial na função pública, a redução das taxas moderadoras na saúde ou a progressiva gratuitidade dos manuais escolares, que com o OE 2018 passa a aplicar-se também ao 5.º e 6.º ano. Igualmente no OE agora aprovado, cumpre-se a política acordada de aumento do número de escalões do IRS para tornar o imposto mais progressivo.
O que sobra então para o próximo ano? O que ficará para discutir quando for apresentado, em Outubro, o OE para 2019?
Algumas medidas previstas nos acordos de governação estão ainda por cumprir, seja totalmente seja parcialmente. Uma das que mais atenções suscitou no final de 2015 foi a redução da taxa das contribuições sociais (TSU) suportada pelos trabalhadores com rendimentos inferiores a 600 euros. A medida tinha como objectivo um aumento do rendimento disponível dos escalões mais pobres da população, prevendo-se que a quebra de receita para a Segurança Social fosse compensada pelo reforço das transferências do Orçamento do Estado.
Recuo na TSU
Logo no início de 2016, quando apresentou a proposta de OE para esse ano, o Governo mostrou intenção de avançar com a medida, que até tinha feito parte do plano delineado uns meses antes pelo grupo de economistas do PS coordenado por Mário Centeno, apontando para uma redução de 4 pontos na TSU. No entanto, nas muito difíceis discussões com a Comissão Europeia sobre os planos orçamentais, o Executivo acabou por ter de recuar em algumas das medidas previstas e esta foi precisamente uma das que acabaram por cair.
A medida parece, nos últimos orçamentos, ter deixado de fazer parte das prioridades, quer do Governo quer dos partidos que o suportam, mas depois da redução de impostos realizada (que não beneficia os trabalhadores que por terem rendimentos muito baixos já não pagavam IRS), é possível que se volte a tentar encontrar formas de beneficiar os rendimentos desse sector da população, seja pela redução da TSU, seja pela introdução de algum tipo de crédito fiscal.
Também ligada à Segurança Social, e neste caso com o objectivo de aumentar a receita, ficou também acordada a aplicação de medidas destinadas a diversificar as fontes de financiamento da Segurança Social. No entanto, este tema não tem vindo a ser promovido pelo Governo nas discussões com os parceiros sociais. A única medida de diversificação de fontes de financiamento aplicada foi a consignação do AIMI, prevista tanto no OE 2017 como no OE 2018.
Depois há várias medidas em que aplicação daquilo que ficou previsto nos acordos foi feito apenas de forma parcial, sendo previsível que haja a intenção de insistir na sua concretização integral. Ficou prometida, por exemplo, a reavaliação das reduções e isenções da TSU, mas esta ficou até agora limitada à área do apoio à criação de emprego do IEFP. No combate à precariedade no mercado de trabalho, que fez parte de todos os acordos assinados, é frequentemente manifestado, quer pelo Bloco de Esquerda quer pelo PCP, a insatisfação em relação às medidas tomadas, sendo previsível que esta seja uma área em que continuem a ser propostas medidas. Na mesma linha, ficou estabelecido que se assistiria a um reforço das condições e dos poderes da Autoridade para as Condições do Trabalho, podendo não ser suficiente o reforço do pessoal que foi entretanto já anunciado.
O regresso das 35 horas semanais na função pública também ficou estabelecido no acordo e, embora o Governo tenha efectivamente avançado com essa medida, ainda há uma parte significativa dos trabalhadores da Administração Pública que não viu os seus horários alterados.
Por fim, outra das medidas previstas nos acordos de governação foi a revisão da base de cálculo das contribuições sociais pagas pelos trabalhadores a recibo verde. Houve uma grande insistência dos partidos à esquerda para que tal fosse feito no OE para 2018, mas o Governo acabou por não avançar, embora prometendo apresentar uma proposta já nos início do próximo ano. Este não será um tema esquecido em 2018.
Embora ainda haja estes temas, e outros de menor dimensão, para cumprir - havendo em muitos deles um potencial para discussão intensa entre o Governo e os partidos à sua esquerda - não é difícil adivinhar que, com as eleições a aproximarem-se, dificilmente as discussões entre as várias partes ficarão por aqui. Com toda a probabilidade, os partidos vão querer, na discussão de um último orçamento da legislatura, marcar junto do eleitorado as suas diferenças, avançando com novos temas para debate.
E aqui, é notório, até nas declarações políticas feitas nas últimas semanas, que não vai ser fácil chegar a um acordo. Se por um lado António Costa declara que “a ilusão de que é possível tudo para todos já não existe”, a líder do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, defende, numa entrevista a uma revista britânica, que os “frutos do crescimento económico” devem ser investidos para travar a queda da qualidade dos serviços públicos, afirmando que “este é o principal problema”. “Chegámos a um dos pontos mais difíceis do nosso acordo”, disse. Do lado do PCP, Jerónimo de Sousa, fez questão de lembrar que, embora possa não ser necessário um novo acordo com o PS para o que resta da legislatura, “não há Orçamentos de Estado previamente aprovados”.
Entre as políticas extra-acordo que poderão vir a dominar as discussões deverá continuar a estar a função pública. No OE 2018, inicia-se o processo de descongelamento das progressões na carreira, que nem sequer ficou previsto no entendimento entre os partidos, mas as questões por resolver neste capítulo em carreiras como a dos professores, profissionais de saúde ou segurança, podem ser motivo de desentendimentos entre o Governo e os partidos à sua esquerda.
Depois há as actualizações salariais na função pública. Nos Programas de Estabilidade que apresentou a Bruxelas, o Governo sempre apontou para a não existência de aumentos nas tabelas salariais para os trabalhadores do Estado durante toda a legislatura, mas, com a economia em crescimento, do lado dos sindicatos esta deverá ser, a seguir às progressões, a principal bandeira de reivindicação.
Outra área que não fez parte dos acordos, tem estado mais esquecida nas discussões, mas que pode ressurgir no final da legislatura é a da legislação laboral. Durante o período em que a troika esteve em Portugal foram feitas diversas alterações, que, na maior parte dos casos, se consolidaram na legislação nacional.
No mercado de trabalho, o salário mínimo vai continuar a ser um tema central. Embora o Governo esteja a cumprir o calendário definido nos acordo, que apontava para um valor de 600 euros em 2019, a velocidade e a forma como se chegará a essa cifra ainda será alvo de negociações difíceis, tanto na concertação social como entre os partidos políticos.
Os últimos meses, em que as fragilidades mais notadas no Governo estiveram na qualidade de serviços públicos como a protecção civil e a saúde, tornaram ainda mais evidente que, à esquerda, se vai intensificar também a preocupação de pedir mais recursos para o Estado e mais investimento público. Ao nível do investimento, o Governo ficou, tanto em 2016 como em 2017, claramente abaixo do orçamentado. Para 2018, promete um crescimento bastante acentuado e deverá ser pressionado a ir ainda mais longe em 2019.
Um reforço tão acentuado do investimento público, com mais despesa nos serviços públicos que apresentam mais debilidades, pode no entanto ser difícil de conciliar, por um lado, com a aplicação prática de medidas como o descongelamento das progressões e a redução do IRS e, por outro lado, com o cumprimento das regras orçamentais europeias. E é aí - nos compromissos europeus - que as posições mais inconciliáveis entre o PS, Bloco de Esquerda e PCP se encontram.