O que diz Lacerda Machado sobre amizade com António Costa, a China e a TAP
Advogado e gestor da Geocapital diz que o facto de ter ficado conhecido como o melhor amigo de Costa lhe tirou algum “mérito e identidade”.
Diogo Lacerda Machado diz que não gosta de se expor, mas ontem esteve cerca de uma hora a falar sobre si e sobre a sua visão dos temas a que está ligado, como é o do caso da TAP, da qual é administrador não executivo, nomeado pelo Estado. Esse mesmo Diogo Lacerda Machado é também — e por isso mesmo ficou conhecido e mais exposto a nível nacional — o melhor amigo do actual primeiro-ministro, António Costa.
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Diogo Lacerda Machado diz que não gosta de se expor, mas ontem esteve cerca de uma hora a falar sobre si e sobre a sua visão dos temas a que está ligado, como é o do caso da TAP, da qual é administrador não executivo, nomeado pelo Estado. Esse mesmo Diogo Lacerda Machado é também — e por isso mesmo ficou conhecido e mais exposto a nível nacional — o melhor amigo do actual primeiro-ministro, António Costa.
Soube-se isso publicamente em Março de 2016, quando António Costa o disse numa entrevista e Lacerda Machado negociava uma alteração à privatização da TAP que permitisse manter o Estado como accionista de relevo.
Desde então, é difícil ler ou ouvir algo sobre Lacerda Machado em que não se diga que é o melhor amigo do chefe do executivo formado pelo PS, o que talvez retire alguma imagem de autonomia de pensamento ao advogado e gestor.
Se é isso ou não, Lacerda Machado não o disse, mas não deixou de referir, com um certo sorriso, que sim, que o comentário de António Costa “em certa medida tirou-[lhe] a identidade e o mérito”, coisa que, acrescentou, “se perdoa a quem é o nosso melhor amigo”, uma amizade “profunda, antiga e recíproca”.
O tema não surgiu por acaso, foi antes o início de conversa lançado ontem de manhã em Macau pelo presidente da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e turismo (APAVT), Pedro Costa Ferreira, num formato em que o responsável da APAVT ia marcando os temas, no âmbito do 43.º congresso da associação. O curriculum vitae (CV) de Lacerda Machado é vasto, sublinhara o presidente da APAVT, mas, desde que alguém o classificou como melhor amigo, do CV “apagaram a parte do mérito e foi só a parte da amizade que ficou”, dando então a oportunidade ao gestor para se lançar sobre a questão.
Após o tema António Costa, foi a vez da China, que, sublinha Lacerda Machado, se vê como o centro do mundo (cabendo a Portugal uma posição que nos mapas mais convencionais está próxima do Alasca). “Nós não nos damos conta da forma especial como a China nos olha devido a essa singularidade histórica que Macau significa”, defendeu.
Foi em 1988 que Lacerda Machado chegou a Macau, juntamente com Eduardo Cabrita e Pedro Siza Vieira (dois actuais ministros de António Costa, de quem também são amigos), e ainda hoje está ligado a esta região por via da Geocapital. Este é um projecto de investimentos em países lusófonos criado por Jorge Ferro Ribeiro e Stanley Ho, enquadrado pela formação, nesta região, do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa.
A China, diz o gestor da Geocapital, recorre à “singularidade histórica de Macau” para, numa lógica de soft power, dizer aos países lusófonos que “não devem temer” a sua aproximação, porque soube manter com os portugueses uma ligação prolongada de “respeito mútuo”.
Quanto aos países de língua portuguesa, esses, diz, “não são estratégicos para a China, são vitais”, dando o caso de Angola, maior parceiro comercial do gigante asiático em África. No caso de Portugal, fez a apologia do investimento chinês, que surgiu “quando mais ninguém investiu”, visível em empresas como a EDP.
O acerto de contas da VEM
Da China e Macau passou-se para a aviação, com Lacerda Machado a defender que se devia acelerar a operacionalização do novo aeroporto no Montijo, de modo a estar pronto antes de 2022.
Apaixonado assumido por aviões desde criança, altura em que, em Angola, olhava para os aparelhos da DTA — a divisão dos transportes aéreos que ali operava —, foi o momento de falar sobre a TAP e o tema da reversão do processo de privatização que estava em curso. Quando o seu “melhor amigo se tornou líder do PS”, explicou, a TAP era um dos temas em cima da mesa, porque estava incluído no memorando da troika o projecto de privatizar a companhia aérea.
Podendo ser uma solução para a empresa, que precisava de se financiar, “bastaria uma privatização parcial”. Com Costa na chefia do Governo, foi então a vez de aplicar no terreno as ideias que tinha defendido sobre a TAP. Hoje, com o Estado a deter 50% do capital (cabendo a esmagadora dos direitos económicos, como eventuais dividendos, aos privados), diz o gestor: “[O resultado final é] melhor do que pensámos.” No meio de rasgados elogios ao presidente executivo, Fernando Pinto — que “fez um trabalho notável” sem dinheiro, já que o Estado não podia injectar mais capital —, evidenciou o resultado que será visível com a chegada de novos aviões, com redução de combustível de 15% a 20%.
Depois, e após uma análise aos accionistas privados (David Neeleman, “um vencedor”; Humberto Pedrosa, “um empresário exemplar” e o grupo chinês HNA, “um assombro da aviação”), afirmou que, com a nova estratégia de segmentação, a TAP conseguiu inverter uma tendência e já “foi buscar passageiros às low cost”.
Desafiado pelo presidente da APAVT a pronunciar-se sobre as falhas no serviço que têm sido apontadas, disse existirem, mas de forma pontual. “Não chega a 1,5% dos voos” na Europa, referiu. “Mas hoje basta uma pessoa dizer nas redes sociais que não foi servido” para o tema se tornar “uma coisa de grande proporção”.
Por fim, e como toque final, o presidente da APAVT abordou o tema da compra da Varig Engenharia e Manutenção (VEM) pela TAP em 2005, à qual o gestor esteve ligado por via da Geocapital, parceira financeira do negócio, e que envolveu também o Bndes — o Banco Nacional do Desenvolvimento do Brasil. Por muitos considerado como um negócio ruinoso, com avultados prejuízos que se têm vindo a acumular ano após ano, e do qual a Geocapital saiu logo no início, devia Lacerda Machado “pedir desculpa” ou defendia que tinha sido proveitoso? Resposta pronta: a compra da VEM foi “a decisão mais estratégica tomada por Fernando Pinto” no tempo em que esteve sozinho ao leme da empresa. Não houve, garante, ganhos financeiros para a Geocapital, e só a compra da empresa de manutenção — a segunda do hemisfério sul, sublinhou —, ligada a uma tentativa de salvar a Varig, é que permitiu à TAP expandir-se depois para o Brasil (com novas rotas) como se expandiu.
Ao contar com o apoio do Governo brasileiro, num mercado “hostil para estrangeiros”, a TAP evitou ser mais um a cair no “cemitério de projectos bancários e industriais portugueses”.
No acerto de contas que fez perante centenas de profissionais que estavam na plateia, ontem de manhã em Macau, Lacerda Machado deu dois números: a TAP aplicou 450 milhões na VEM e arrecadou 13 mil milhões em proveitos por via do Brasil. Mensagem passada através do palco, num dia em que Diogo Lacerda Machado tomou a iniciativa de não ser discreto.
O jornalista viajou a convite da APAVT