Escusa de agradecer
O que critiquei foi uma decisão política do Governo, pela qual só este é responsável, com os resultados que se conhecem.
André Lamas Leite resolveu responder a um simples comentário que escrevi no Facebook, dizendo que o facto de o Governo não ter candidatado a capital do país à Agência Europeia do Medicamento (EMA) era uma garantia do fracasso. Não estou habituado a que comentem nos jornais o que escrevo descontraidamente no Facebook e ainda menos que me agradeçam pelos mesmos, afirmação que, segundo ele, "não é irónica". E isto porque ele acha que eu disse o que porventura muita gente pensa: "que o Governo teve que dar uma abébia e contentar aqueles incivilizados". Sucede que eu não apliquei esse qualificativo a ninguém e nunca o faria, uma vez que não tenho por hábito desconsiderar quem quer que seja. O que critiquei foi uma decisão política do Governo, pela qual só este é responsável, com os resultados que se conhecem.
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André Lamas Leite resolveu responder a um simples comentário que escrevi no Facebook, dizendo que o facto de o Governo não ter candidatado a capital do país à Agência Europeia do Medicamento (EMA) era uma garantia do fracasso. Não estou habituado a que comentem nos jornais o que escrevo descontraidamente no Facebook e ainda menos que me agradeçam pelos mesmos, afirmação que, segundo ele, "não é irónica". E isto porque ele acha que eu disse o que porventura muita gente pensa: "que o Governo teve que dar uma abébia e contentar aqueles incivilizados". Sucede que eu não apliquei esse qualificativo a ninguém e nunca o faria, uma vez que não tenho por hábito desconsiderar quem quer que seja. O que critiquei foi uma decisão política do Governo, pela qual só este é responsável, com os resultados que se conhecem.
O que se passou foi que o Governo aprovou a candidatura de Lisboa à Agência Europeia do Medicamento, proposta essa que foi secundada pela unanimidade dos deputados. Em seguida o autarca do Porto exigiu que fosse antes o Porto a candidatar-se, e a candidatura de Lisboa foi imediatamente abandonada. Só que o Porto apresentou uma candidatura sem as mínimas condições. Basta ver que os três edifícios que propôs para albergar a agência não cumpriam os requisitos técnicos avaliados pela EMA (PÚBLICO, 20/11/2017) e nem sequer tinha escolas capazes de acolher os filhos dos funcionários, tendo que prometer que as ia criar (Expresso, 14/07/2017). Será sério apresentar uma candidatura para ter este resultado? Eu acho que não e que Lisboa deveria ter-se mantido como candidata, sem que isso signifique qualquer menos consideração pelo Porto ou por qualquer outra cidade de Portugal.
Talvez André Lamas Leite devesse começar por olhar para as agências reguladoras que saíram do Reino Unido. Quer a EMA, quer a Autoridade Bancária Europeia, estavam em Londres, não em Manchester ou Southampton, não constando que estas cidades tivessem reagido contra o tradicional centralismo londrino. Ganharam Paris e Amesterdão, também capitais europeias. E as cidades que se candidataram a acolher a EMA eram na sua esmagadora maioria as capitais dos outros Estados-membros, também não constando que tenham aparecidos autarcas de outras cidades desses países a protestar. Quanto a Barcelona e Milão, são cidades de dimensão muito superior a Lisboa. Por isso é evidente que Lisboa tinha poucas hipóteses de ganhar, mas o Porto não tinha nenhumas.
Mas é fácil culpar pelo resultado "a tradição centralista de Portugal" que, pasme-se, só teria conhecido "algum alívio com a Constituição de 1976, a qual prevê a possibilidade da criação de regiões administrativas". O alívio de André Lamas Leite não foi pelos vistos sentido pela maioria do povo português que votou esmagadoramente contra as regiões administrativas (60% contra 34%), incluindo na região Entre Douro e Minho. Desde então o Governo anda a propor uma regionalização encapotada, pois não se atreve a repetir o referendo, perguntando aos portugueses, sejam eles do Porto, de Lisboa ou de qualquer outra região o que querem.
Mas André Lamas Leite acha que a descentralização é o remédio para todos os males, até para evitar "os fogos que nos quebrantaram a alma", argumento que me recuso a comentar, pois não me parece adequado usar a tragédia de tantas pessoas como argumento político. Não me parece, porém, que a dramática situação do interior tenha alguma coisa a ver com a criação de regiões administrativas e muito menos com a candidatura do Porto à EMA, único assunto de que falei. Se o interior está prejudicado, foi porque tiraram de lá os serviços do Estado, designadamente os tribunais, coisa que muito critiquei, e sobre a qual nunca vi André Lamas Leite escrever. Mas André Lamas Leite suspira por um novo Sancho I, se calhar por achar que as regiões administrativas vão povoar o interior. Só se for de pessoal político...
Quanto ao resto diz que abomina "bairrismos bacocos" e que nunca desejou "ver Lisboa a arder" (valha-nos isso!). Mas logo a seguir acha normal o que reconhece ser um prémio de consolação ao Porto (mais precisamente ao seu autarca): transferir o Infarmed para lá, o que vai causar enormes prejuízos aos seus funcionários. Centenas de pessoas verão assim as suas vidas profundamente afectadas, só para que o autarca do Porto receba "M" depois de exigir "XL", com o que André Lamas Leite concorda. E diz que trava "batalhas contra o preconceito e o obscurantismo do desconhecimento"! Talvez lhe ficasse melhor travar batalhas pelos direitos das pessoas e pela boa aplicação dos recursos do Estado. Escusa de agradecer.