Se vai comer uma raclette, não basta que seja suíça: tem de ser do cantão bendito e glorioso do Valais
Ficará para outra oportunidade a raclette incorrecta e não-suíça. Também é deliciosa – mas não é a mesma coisa, nem de longe...
É uma velha regra da gastronomia europeia: não te metas com a raclette. Mesmo os suíços, sendo culturalmente diversos, sofrem horrores (deliciosos) a debater o assunto, conforme os cantões e as tendências para as vizinhas França, Alemanha ou Itália.
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É uma velha regra da gastronomia europeia: não te metas com a raclette. Mesmo os suíços, sendo culturalmente diversos, sofrem horrores (deliciosos) a debater o assunto, conforme os cantões e as tendências para as vizinhas França, Alemanha ou Itália.
Uma sessão de raclette propriamente suíça tem de ser feita com queijo raclette suíço. Na Suíça é um queijo com AOC de leite cru: Raclette du Valais. Dentro do magnífico cantão do Valais há dezenas de produtores, todos bons, mas alguns mais procurados do que outros. Um bom site para ficar com uma ideia da riqueza é raclette-du-valais.ch .
Tratando-se da Suíça – um país rigoroso mas justo – os preços são parecidos. Não há aldrabices. Não há queijos maus. Por outro lado, os queijos muito bons não são muito mais caros por causa disso. Aliás, são uma pechincha. Vale a pena descobrir quais é que preferimos. Os de alpage, que são feitos com o leite das vacas que passam a vida a pastar nas montanhas mais altas dos Alpes, são mais saborosos e, lá está, só um bocadinho mais caros. Um queijo inteiro com mais de 5 quilos – o suficiente para 20 pessoas – custa 120 francos suíços, pouco mais de 100 euros. É verdade: sai a 5 euros (bem servidos) por pessoa.
Na Suíça vale a pena comprar o queijo de que mais se gosta porque a diferença entre o preço de um queijo menos bom e do melhor é pequena, quase ridícula. Isto acontece porque a Suíça, tal como o Japão, tem a inteligência e a dignidade de fazer tudo bem.
Online, a Suíça é impecável a vender para a Suíça mas arrisca-se muito menos a vender para a União Europeia. Para ficar com uma ideia é indispensável consultar o site da TTM, a fabricante das grelhas sérias de raclette que funcionam com metades ou quartos de queijo. Uma grelha decente, eléctrica, custa à volta de 200 euros e dura uma vida inteira. As profissionais, que trabalham a gás, custam 3 vezes mais.
O site da TTM inclui links a produtores de queijo (alguns fanados mas recuperáveis) e indicações indispensáveis acerca das tradições da raclette: ttmsa.
Para servir uma raclette valaisiana o melhor é acompanhar com vinhos do Valais. O tradicional é um Fendant e/ou uns cálices pequenos de kirsch, a aguardente nova de caroços de cereja. Também aqui não vale a pena ir à procura de poupanças. O kirsch da Paul Morand (o produtor valaisiano de eaux-de-vie, incluindo a espectacular williamine, mais vendido em Portugal) custa à volta de 40 euros por uma garrafa de 7 decilitros. Bem geladinha serve para cortar a gordura e interromper a liquidez do vinho.
Há muitos outros bons vinhos do Valais – eu prefiro os brancos mais secos, uma heresia. Os suíços bebem-nos todos e não se preocupam em exportá-los (até porque não são baratos) mas isso só nos incentiva a procurá-los com maior afã, claro. E também há o chá ou uma infusão de ervas alpinas, ambas bebidas mornas. Não diga mal antes de provar: fica lindamente.
No que toca à charcutaria, é grande a polémica. Todas as versões – bem, quase todas – da raclette são boas se o queijo usado para a raclette for bom.
Vale a pena começar como a própria raclette começou: só com pão e queijo derretido. O pão pode ser fresco ou torrado. Ajuda muito ser estaladiço – e bom. Depois pode-se acrescentar um bocadinho de pimenta preta moída e tentar construir a melhor tosta de queijo de sempre.
Depois introduza as batatas novas, cozidas com a pele em água salgada. Corte-as em rodelas e despeje a raclette derretida sobre elas. Para poupar tempo – convém comer a raclette enquanto ela está líquida e quentinha – pode temperar as batatas enquanto espera que o queijo derreta.
Só com pão e batatas se faz uma bela refeição racletteira (raclette significa raspadinha, porque se raspa o queijo derretido).
A partir daí pode acrescentar o que quiser. Os cornichons ficam sempre bem. Já os outros pickles – as cebolinhas, por exemplo – parecem-me chover no molhado.
Já o cebolinho fresco, cortado com uma tesourinha, é bem-vindo, embora não seja essencial.
Quanto à charcutaria, tanto se pode perder a cabeça como não. Para se ser valaisiano recomenda-se a viande des Grisons, uma carne de vaca seca que é uma versão mais elegante da Bresaola italiana.
Ficará para outra oportunidade a raclette incorrecta e não-suíça. Também é deliciosa – mas não é a mesma coisa, nem de longe...