Quem não suporta o calor deve sair da cozinha
Espera-se que o sensível vereador tenha ficado com a pele um pouco mais rija.
A frase é atribuída ao Presidente Truman e é clara no seu sentido: quem não tem capacidade para aguentar a pressão de um determinado lugar, deve abandoná-lo. A frase é usualmente utilizada para lembrar às figuras públicas e, sobretudo, aos políticos que têm de ter uma pele espessa e resistente às críticas e aos ataques.
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A frase é atribuída ao Presidente Truman e é clara no seu sentido: quem não tem capacidade para aguentar a pressão de um determinado lugar, deve abandoná-lo. A frase é usualmente utilizada para lembrar às figuras públicas e, sobretudo, aos políticos que têm de ter uma pele espessa e resistente às críticas e aos ataques.
Não era, claramente, o caso do vereador de uma câmara municipal do centro do país que se viu confrontado com as contundentes afirmações proferidas publicamente pela sua presidente da câmara, acusando-o de ser um “judas” e um “incompetente”, apontando-lhe “faltas de lealdade e competência, desempenho, dedicação e sentido de compromisso do vereador” e referindo ainda que o projecto político existente “estava a ser desvirtuado pela louca sede de poder” do vereador em causa.
Pessoa sensível, adepto do provérbio que “quem não se sente, não é filho de boa gente”, o vereador sentiu-se ofendido e agredido no “âmago da sua personalidade”, pelo que se queixou ao Ministério Público, que acusou a presidente da câmara pela prática de um crime de difamação agravada e calúnia. Estava, assim, iniciada a carreira criminal desta autarca sem papas na língua...
Mas a autarca não se conformou com a acusação e requereu a abertura de instrução, isto é, requereu que um juiz decidisse se se justificava ou não a sua ida a julgamento na qualidade de arguida, como pretendia o Ministério Publico. E o juiz de instrução criminal de Coimbra considerou que, de facto, não havia razões para a autarca responder em tribunal: da conjugação dos elementos existentes no processo podia concluir-se que “a arguida, enquanto presidente da câmara, não estava satisfeita com o trabalho desenvolvido pelo vereador, achando que ele não tinha competência para o cargo e não lhe era leal” e daí lhe ter retirado a confiança política e os pelouros. Ora, acrescentou o juiz de instrução, “os limites da crítica admissível são mais vastos em relação a um político agindo na sua qualidade de personagem pública do que em relação a um particular, sendo que na luta política pode considerar-se legítimo o uso de frases ou expressões que, no âmbito das relações privadas, seriam ofensivas”.
Como é evidente, não vale tudo, a liberdade de expressão não é um direito absoluto e o juiz de instrução explicou que “diferente seria o caso de se tratar de expressões gratuitamente injuriosas” sem relação com a ideia que se pretendesse exprimir ou, ainda, a formulação de juízos de valor que não exprimissem uma tomada de posição, ainda que polémica, contra o modo de agir do vereador, mas apenas “uma vontade de agressão gratuita”, o que não era o caso. E, assim, ordenou o arquivamento dos autos.
Mas o vereador em causa continuou sem perceber que para trabalhar na cozinha tinha de suportar calor e recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, pedindo que a sua presidente da câmara fosse julgada como difamadora. Não teve sorte: os juízes desembargadores Jorge França e Elisa Sales explicaram ao sensível vereador que “os agentes da luta política devem ter uma capacidade superior de ‘encaixe’ de pequenas ofensas e dislates” e que as expressões usadas pela autarca poderiam, quando muito, constituir falta de ética, pois que denotavam “alguma falta de polimento”, mas crime não eram seguramente e arquivaram definitivamente o processo. Espera-se que o vereador tenha ficado com a pele um pouco mais rija e o espírito um pouco mais democrático.
O "Escrever Direito" Errou: A semana passada referimos elogiosamente um acórdão do Supremo que atribuiu uma indemnização aos pais de um jovem assassinado em virtude de o Estado ter deixado fugir, do nosso país, o assassino depois de ser condenado e antes de começar a cumprir a pena. Por lamentável lapso, não referimos que o juiz conselheiro João Manuel Cabral Tavares votou vencido por — o resumo é meu — considerar que não havia ilicitude, pois da omissão não resultara ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos e que a responsabilidade por violação do princípio da confiança, enquanto responsabilidade essencialmente objectiva, não podia determinar a condenação do Estado. O meu pedido de desculpas pela omissão e a minha satisfação pela existência do voto de vencido, saudável manifestação do pluralismo jurídico.