Aprender a programar antes de atar os sapatos
Em Portugal, o robô Doc já ensina crianças com três anos a programar. Introduzir a programação computacional cedo tornou-se uma mais-valia que a Comissão Europeia define como a “competência do século XXI”.
A partir dos três anos já se aprende a programar e os robôs ajudam. Em Portugal, o Doc — um robô humanóide, com olhos azuis luminosos, menos de meio metro, e uma voz de desenho animado — é a mais recente aquisição de vários jardins-de-infância que participam na iniciativa Kids Media Lab. Desde 2016, que o laboratório móvel criado por uma investigadora da Universidade do Minho tenta descobrir como é que as crianças podem aprender programação computacional.
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A partir dos três anos já se aprende a programar e os robôs ajudam. Em Portugal, o Doc — um robô humanóide, com olhos azuis luminosos, menos de meio metro, e uma voz de desenho animado — é a mais recente aquisição de vários jardins-de-infância que participam na iniciativa Kids Media Lab. Desde 2016, que o laboratório móvel criado por uma investigadora da Universidade do Minho tenta descobrir como é que as crianças podem aprender programação computacional.
“Levamos robôs e tablets para jardins-de-infância para ver como é que as crianças desenvolvem o seu raciocínio quando usam as tecnologias”, explica ao PÚBLICO Maribel Miranda, a investigadora responsável pelo projecto que é financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e já chegou a mais de 300 crianças portuguesas. “Estamos a introduzir conceitos básicos. Aqui programação é a construção de uma sequência de ideias, e a componente lúdica é essencial.”
Com o Doc transforma-se tudo num jogo. O robô, desenvolvido pela marca de brinquedos Clementoni, pede às crianças para o levar até pontos específicos num mapa colorido. Depois, para o fazer deslizar até ao sítio certo, é preciso programar instruções através de uma sequência específica de teclas na “cabeça” do aparelho.
A Comissão Europeia define a programação computacional como a “competência do século XXI”. Introduzi-la cedo tornou-se uma mais-valia, e este ano a Semana Europeia da Robótica, que termina nesta quinta-feira, incluiu várias sessões para programar robôs destinadas a crianças. Há dois anos que o Governo português também apoia um projecto-piloto de Iniciação à Programação (que já chegou a mais de 44 mil crianças), destinado a alunos do 1.º ciclo.
O laboratório de Maribel quer mostrar que se pode começar mais cedo. A ideia nasceu em 2014 com o lançamento do ScratchJr, nos EUA. A aplicação desenvolvida por investigadores do MIT foi criada para ensinar crianças a programar histórias interactivas num tablet muito antes de aprenderem a ler e a escrever. “Quis trazer logo este conceito para Portugal, mas soube que precisava de um projecto de investigação antes de os tentar implementar em massa”, diz Maribel Miranda. “Quero encontrar a melhor forma de o introduzir no pré-escolar. Não é só colocar robôs e tablets na escola, é preparar os professores e criar actividades que mantenham o interesse.”
Há vozes críticas. O autor e psicólogo norte-americano Jim Taylor é um dos profissionais contra as aulas de programação precoces. “Não há razão nenhuma para as crianças aprenderem a programar”, diz ao PÚBLICO.
“Nesta idade tem pouco que ver com programação. É só uma desculpa para passarem mais tempo em frente a ecrãs.”
Em Portugal, porém, as educadoras do Kids Media Lab defendem que a introdução aos tablets já não é feita nas escolas. “Muitas crianças já têm e usam estas ferramentas em casa, como brinquedos”, diz ao PÚBLICO Margarida Moreira, uma educadora de Braga que participa no projecto de Maribel. “Trazê-los para o jardim-de-infância é uma forma de lhes dar uma finalidade educativa.” E até já há crianças que lhe dizem que querem ser “inventores” para “inventar robôs”, e pais que instalam jogos para aprender a programar nos tablets, porque os filhos lhes querem ensinar.
“A sociedade já está rodeada de ecrãs”, frisa o pedagogo português Renato Paiva. “Basta ir ao supermercado para os encontrar em todo o lado e ter crianças a interagir com eles. Nos jardins-de-infância, a interacção é moderada.” E prossegue: “Programar obriga as crianças a pensar, porque o robô só faz as acções que a criança quer, se for programado correctamente.” Se errarem, não são criticadas, diz, apenas têm de tentar novamente.
O americano Jim Taylor admite que não há provas de que aprender a programar cedo cause problemas. “A minha principal preocupação com tecnologia a mais, incluindo robótica e programação, é o custo de oportunidade. É tempo que não é passado a ler, brincar, fazer exercício e interagir com outras pessoas.”
Desenvolver a criatividade
O objectivo do Kids Media Lab não é substituir outras actividades. “Há muito a ideia de ‘ui, robôs e ecrãs nem pensar!’, mas permite-nos trabalhar tudo. Histórias, direcções, lógica... É uma forma fantástica de desenvolver a criatividade”, diz a educadora Margarida Moreira.
Muitas vezes, para ensinar o robô a dançar (e planear as instruções programadas na máquina), as crianças dançam primeiro. Para “contar histórias”, desenham mapas no chão por onde o robô tem de passar. Estão a programar algoritmos, mas ainda não sabem.
A criadora do Kids Media Lab espera vir a conseguir apoio do Ministério da Educação para expandir o projecto a mais jardins-de-infância e garantir que continua no 1.º ciclo. “O pré-escolar tem sido o filho pobre da educação nas medidas de STEM [sigla internacional para a área de ciências, tecnologias, engenharia e matemática] do Governo. Não usufruem desse apoio”, diz Maribel.
No último ano, a parceria com a Clementoni veio ajudar. A empresa que desenvolve o Doc oferece-o, sem custo, às escolas inseridas no projecto.
Outros robôs que a Maribel trouxe dos EUA e Inglaterra – entre eles uma abelha e um rato robótico que se programam do tablet – completam as sessões em que a investigadora participa, mas “são pouco acessíveis” para algumas instituições devido ao preço mais elevado.
Para a investigadora, a escola pública deveria oferecer a possibilidade de aprender a programar com tablets e brinquedos educativos às crianças que não os têm em casa por razões económicas. “Deve haver igualdade. Pelo menos, na escola.”