Quatro grandes cineastas foram a Guimarães
É uma pena que a visibilidade de Centro Histórico tenha sido tão discreta durante estes cinco anos: é uma bela colecção de filmes e o seu ponto alto — Pedro Costa — é uma espécie de preâmbulo a Cavalo Dinheiro.
Cinco anos depois, chegam finalmente às salas comerciais os mais sonantes filmes produzidos por encomenda de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura: este Centro Histórico, estruturado em quatro episódios dirigidos por quatro dos maiores cineastas contemporâneos (é certo que entretanto perdemos Manoel de Oliveira mas ele não deixou por isso de ser “contemporâneo”), e 3x3D, que tratamos em separado, onde a lógica do filme em episódios tinha como fio condutor a utilização da tecnologia 3D.
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Cinco anos depois, chegam finalmente às salas comerciais os mais sonantes filmes produzidos por encomenda de Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura: este Centro Histórico, estruturado em quatro episódios dirigidos por quatro dos maiores cineastas contemporâneos (é certo que entretanto perdemos Manoel de Oliveira mas ele não deixou por isso de ser “contemporâneo”), e 3x3D, que tratamos em separado, onde a lógica do filme em episódios tinha como fio condutor a utilização da tecnologia 3D.
Quanto a Centro Histórico, especificamente, é uma pena que a sua visibilidade tenha sido tão discreta durante estes cinco anos, unicamente em festivais e sessões especiais, porque é uma bela colecção de filmes e, mais ainda, porque o seu ponto alto — o segmento dirigido por Pedro Costa, que se chama Sweet Exorcist como um album de Curtis Mayfield — é uma espécie de preâmbulo a Cavalo Dinheiro, a longa-metragem que Costa estreou no final de 2014. Ventura preso num elevador, num transe algures entre o sonho e a vigília, na companhia de um homem-estátua vestido de soldado da guerra colonial e maquilhado como se se tivesse levantado dum túmulo qualquer, e a banda de som ocupada por um diálogo/monólogo por onde passam ecos, lembranças e recriminações do 25 de Abril de 1974, das guerras coloniais, da descolonização, do que em Portugal esperava os que vieram das ex-colónias, um mar de promessas falsas ou promessas por cumprir. É um pequeno filme verdadeiramente estonteante, mas era-o ainda mais em 2012, porque entretanto se estreou Cavalo Dinheiro, que retoma este segmento, com minimais alterações, para fazer dele uma sequência da longa-metragem. Continua a ser brilhante, evidentemente, mas é impossível vê-lo sem “ver” também o resto de Cavalo Dinheiro, o que não acontecia em 2012. Mas apesar de tudo, em cotejo com a longa-metragem, pode-se ganhar alguma coisa: um documento “laboratorial” da dimensão work in progress do trabalho de Pedro Costa.
Pena, também, que um público mais alargado não possa ter visto, com ele vivo, um dos últimos filmes de Manoel de Oliveira, O Conquistador Conquistado. Com aquela desfaçatez que só ele tinha, levou à letra o guião da encomenda: filmar o centro histórico de Guimarães. E filmar o centro histórico de Guimarães foi o que o Oliveira fez, através do ponto de vista da estátua de D. Afonso Henriques e do seu “olhar” sobre a chusma de turistas e guias turísticos que todos os dias lhe passam aos pés. Toda a “materialidade” do cinema de Oliveira, mas também todo o seu sibilino sentido de humor, num filme que, quase anedoticamente, prolonga temas caros ao autor (a história e a mitologia da nacionalidade, suas representações e coexistência com a realidade mundana e, apetece dizer, profana).
Vidros Partidos, de Victor Erice, é uma raridade, porque ele, sendo possivelmente o maior cineasta espanhol vivo, é também o mais esparso dos realizadores (e não assina uma longa-metragem desde O Sol do Marmeleiro, no princípio dos anos 90). O seu filme é uma investigação/evocação, encenada entre o documentário e uma espécie de teatro da realidade, de uma antiga fábrica da zona de Guimarães e das memórias dos que lá trabalharam, pontuada por uma grande fotografia da cantina de fábrica, cheia de gente que o tempo tornou “espectral”, e que funciona como principal motor poético do episódio. Como vários outros filmes de Erice, Vidros Partidos vive na obsessão e na aflição por um passado revivido em fragmentos, memória feita ruína, que no caso se aplica, de modo muito concreto, às grandes transformações que o trabalho sofreu nas últimas décadas. E de mudança de tempos nos fala também Aki Kaurismaki em O Taberneiro, anedota gentil — mas relativamente irrelevante na filmografia do cineasta, mesmo se lá estão todas as marcas da sua idiossincrasia — sobre a resistência de um taberneiro do centro de Guimarães à “modernização” dos estabelecimentos (e respectivos cardápios) da vizinhança. É o primeiro filme do conjunto, e sendo o que mais facilmente se esquece não é menos verdade que funciona como óptimo aperitivo.