A vitória que pode ser derrota segundo Peter Brook
A última criação de palco do encenador e realizador inglês é apresentada esta quinta e sexta-feira no Teatro Nacional D. Maria II. Battlefield retoma a narrativa do seminal épico Mahabharata.
Poder-se-ia dizer que é um sinal claro da grandeza de Peter Brook. Depois de ter adaptado ou trabalhado a partir de textos de Shakespeare, Beckett, Tchékhov ou Jarry, Peter Brook adapta-se a si mesmo. Battlefield, esta quinta-feira e amanhã no Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa, no âmbito do LEFFEST – Lisbon & Sintra Film Festival, é uma revisitação (ou continuação) de Mahabharata, seminal espectáculo de um dos mais relevantes criadores teatrais desde a década de 50 do século XX – e que primeiro se notabilizou nas suas produções para a Royal Shakespeare Company nos anos 60 e 70.
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Poder-se-ia dizer que é um sinal claro da grandeza de Peter Brook. Depois de ter adaptado ou trabalhado a partir de textos de Shakespeare, Beckett, Tchékhov ou Jarry, Peter Brook adapta-se a si mesmo. Battlefield, esta quinta-feira e amanhã no Teatro Nacional D. Maria II, Lisboa, no âmbito do LEFFEST – Lisbon & Sintra Film Festival, é uma revisitação (ou continuação) de Mahabharata, seminal espectáculo de um dos mais relevantes criadores teatrais desde a década de 50 do século XX – e que primeiro se notabilizou nas suas produções para a Royal Shakespeare Company nos anos 60 e 70.
Não é dizer pouco da aura de Brook lembrar que Mahabharata, texto de Jean-Claude Carrière (com quem o encenador colaborara também na sua abordagem à ópera Carmen, de Bizet) a partir do secular texto homónimo em sânscrito, era um espectáculo de nove horas cujo tremendo impacto à data da sua estreia no Festival de Avignon, em 1985, lhe garantiu uma longa digressão mundial que se prolongou por quatro anos. Mahabharata era, mais do que um espectáculo, um verdadeiro acontecimento no teatro de então.
Brook dedicou dez anos da sua vida a montar esse épico esmagador que foi Mahabharata – onde, com apenas 15 anos, primeiro se mostrou o bailarino e coreógrafo britânico Akram Khan – e que Margaret Croyden, no New York Times, em 1985, descreveu como “uma síntese de todas as suas anteriores invenções teatrais”, gabando-lhe a capacidade de “transformar um mito hindu em arte universal e acessível a qualquer cultura”.
Aquilo que Peter Brook, 92 anos, acompanhado da sua colaboradora de longa data Marie-Hélène Estienne, agora faz em Battlefield é voltar a essa que é uma das narrativas fundamentais da Humanidade, longo texto maioritariamente em verso que lavra as várias histórias dos Kauravas e dos Pandavas, duas famílias em disputa por um mesmo trono. Como acontece com qualquer clássico, o poder das palavras de Mahabharata (cuja autoria é atribuída a Vyasa) transcende qualquer período histórico e parece sempre talhado para falar do momento presente.
Não sendo o cronómetro, naturalmente, a ditar o alcance artístico de uma obra, é significativo que as nove horas tenham agora dado lugar a uma peça de pouco mais de 60 minutos. Em palco, ao invés de um numeroso elenco e da anterior majestosidade, uma solitária situação para quatro actores e um baterista. Battlefield estreou-se no Théâtre des Bouffes du Nord, em Paris, em 2005, e tem início no final da batalha devastadora entre as duas famílias que arrasa por completo toda uma civilização. Yudhishthira, do clã Pandava, reclama-se vencedor e legítimo ocupante do trono, mas o tom nunca é jubilatório, reflectindo antes a profunda amargura e tragédia que se pode apoderar de um vencedor.
Em entrevista à Slant Magazine, Peter Brook contaria que uma das questões fundamentais presentes desde que começou a pensar Battlefied com Estienne foi como o Rei Yudishtira, “este líder que venceu uma enorme batalha, despedaçando uma família, massacrando centenas e centenas de pessoas num imenso campo de batalha”, teria de se perguntar: “Qual é, agora, a responsabilidade?”. “É uma pergunta que gostava que todos os nossos soldados, generais e líderes se perguntassem, percebendo que uma vitória pode ser também uma derrota.”
O teatro no cinema
Além das duas apresentações de Battlefield, o LEFFEST encontra-se igualmente a apresentar um ciclo dedicado à obra cinematográfica de Peter Brook, que em muitos casos resultou da extensão das criações para o palco. Entre eles, conta-se aquele que foi o filme da sua afirmação como realizador, a adaptação para o grande ecrã do livro de William Golding O Senhor das Moscas, que Brook rodou em 1963, mas também outras duas obras fundamentais da sua cinematografia nessa mesma década: Moderato Cantabile (1960), a partir do livro homónimo de Marguerite Duras, e Tell Me Lies (1968), focado na Guerra do Vietname. Mais numerosas são as reinterpretações cinematográficas dos seus trabalhos de palco, como King Lear (1970), La Tragédie de Carmen (1983), Marat/Sade (1967), The Tragedy of Hamlet (2001) e os três tomos em que dividiu Mahabharata (1989), numa versão encurtada para chegar à televisão.
Em virtude do cancelamento da vinda de Peter Brook a Portugal, por recomendação médica, a conversa prevista para o dia 24, no Teatro Nacional D. Maria II, com moderação do director da casa Tiago Rodrigues, passará a realizar-se com parte do elenco e da equipa técnica de Battlefield.