A teoria da multiplicação segundo Mark Fell

Até domingo, o músico e artista inglês apresenta no Museu de Serralves uma nova série de trabalhos colaborativos. Instalações, performances, concertos, filmes e DJ sets compõem um programa que também se estende ao cinema e bar Passos Manuel.

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Passam-se coisas estranhas no último piso do Museu de Serralves. Entramos num corredor feito labirinto, entre um emaranhado de cortinas prateadas, luzes incandescentes e irregulares que vão furando a escuridão, sons e vozes fracturadas e desalojadas, como se se operasse um deslocamento metafísico da realidade. Entretanto vamos parar à sala de madeira. Há bolas de ténis atiradas contra uma cortina dourada, provocando um efeito visual que quase parece o eco dos sons vindos do gamelão robótico ali instalado, um instrumento desenvolvido pelo colectivo Digitópia da Casa da Música.

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Passam-se coisas estranhas no último piso do Museu de Serralves. Entramos num corredor feito labirinto, entre um emaranhado de cortinas prateadas, luzes incandescentes e irregulares que vão furando a escuridão, sons e vozes fracturadas e desalojadas, como se se operasse um deslocamento metafísico da realidade. Entretanto vamos parar à sala de madeira. Há bolas de ténis atiradas contra uma cortina dourada, provocando um efeito visual que quase parece o eco dos sons vindos do gamelão robótico ali instalado, um instrumento desenvolvido pelo colectivo Digitópia da Casa da Música.

Passam-se aqui coisas estranhas, ou passa-se ao mundo muito particular de Mark Fell. Músico e artista inglês, é um nome de referência da música electrónica experimental, reconhecido por se dedicar – a solo e no duo SND – a desconstruir e a deslocar as estruturas da música de dança em diálogo com uma investigação com base em algoritmos. O seu trabalho transdisciplinar move-se entre espaços de concertos, clubes de música de dança, museus e galerias (das Serpentine Galleries, em Londres, ao MACBA, em Barcelona). Até domingo, apresenta em Serralves Intermetamorphosis, uma nova série de trabalhos colaborativos encomendados pelo museu.

O programa desdobra-se em diferentes projectos e actividades. “Isso permite-nos contactar com vários aspectos da produção artística de Mark Fell e também com algum do seu percurso”, explica Pedro Rocha. Para o programador de música de Serralves, a importância do trabalho de Mark Fell – que viveu na primeira pessoa a cultura rave da Inglaterra de Margaret Thatcher – reside também no modo como conseguiu transformar o “interesse pessoal pela cultura da música de dança numa investigação e exploração profundas das suas estruturas, não apenas musicais mas também sociais e culturais”. A peça central de Intermetamorphosis é a instalação realizada no último piso do museu, que pode ser visitada durante o dia. É lá que está o bailarino e coreógrafo americano Justin F. Kennedy a ensaiar algumas experiências performativas, cujo resultado final será apresentado no domingo, às 17h. No restaurante pode ouvir-se uma “composição musical generativa”, que funciona como uma espécie de música ambiente. No sábado, às 18h, há o concerto de Mark Fell com o Drumming – Grupo de Percussão. Fora do museu, o cinema/bar Passos Manuel acolhe, na sexta-feira à noite, sessões de filmes co-realizados pelo artista, e, no sábado, a festa Moderna, que conta com um live de Sensate Focus, projecto a solo de Mark Fell, e um DJ set do seu filho, Rian Treanor, produtor de música electrónica que vale a pena seguir.

 “Conceptualmente, esta multiplicidade de propostas relaciona-se com o próprio título e princípio condutor do projecto”, assinala Pedro Rocha. O termo Intermetamorphosis (Intermetamorfose) refere-se a uma condição médica do foro psicológico em que os doentes acreditam que outras pessoas trocam de identidades. Mark Fell não sofre desta condição, mas a ideia por trás dela conduziu-o a “uma série de interrogações sobre a estabilidade ou a fluidez das identidades” do ser humano. “E pareceu corresponder a algumas posições filosóficas pós-modernas e contemporâneas em que andava a pensar”, acrescenta o artista. “Questões relacionadas com a fenomenologia, ideias de personificação e teorias de identidade de autores como Jean-François Lyotard (1924-1998).”

O outro pilar deste programa são as colaborações, que fazem parte do próprio modus operandi do artista. “Para mim o trabalho não é uma demonstração de algo, é o resultado de várias ideias. A forma como trabalho implica incluir outras pessoas, os seus pensamentos, as suas atitudes”, diz. Além da Digitópia, Fell uniu forças com outro colectivo da cidade, o Drumming, cujo trabalho vai ao encontro do seu interesse em “sistemas de percussão e de tempo” na música. Para o concerto de sábado, o artista criou “sistemas de geração de padrões” que cada músico irá seguir, tocando o seu instrumento consoante algumas instruções – o objectivo é também revisitar uma colecção de metalofones microtonais originalmente desenvolvidos pelo compositor Iannis Xenakis. Já a performance de domingo “pode ser pensada como estrutura” dentro da qual Justin F. Kennedy activa as suas “práticas e preocupações artísticas”. Uma espécie de “recreio” que cabe ao coreógrafo explorar. “Não gosto nada de adoptar o papel de director”, afirma Mark Fell. “Agora ando pensar muito em novas formas de trabalhar com diferentes pessoas que desconstruam a ideia de um único controlador.”