E se o comércio mundial de aves selvagens fosse proibido? É o que defendem cientistas portugueses
Em 2005, a importação de aves selvagens para a União Europeia foi proibida. Essa medida contribuiu para o declínio acentuado do comércio legal destas espécies em todo o mundo, mas por causa disso também surgiram rotas alternativas.
A proibição na União Europeia de importação de aves selvagens desde 2005 contribuiu para reduzir o comércio mundial destas espécies em 90%. Mas, por outro lado, também promoveu o aparecimento de mercados e rotas alternativas, ainda que legais. Estas são as principais conclusões de uma equipa de cientistas, composta principalmente por portugueses, que analisou as consequências dessa medida, sobretudo em regiões ricas em biodiversidade que podem ser afectadas pela introdução de espécies exóticas. Os investigadores sugerem, por isso, uma proibição global do comércio legal de aves selvagens: “Embora as proibições regionais possam restringir o risco de invasão global [de espécies exóticas], para haver uma eficácia total e evitar novas rotas comerciais as proibições devem ser globais”, lê-se num artigo publicado esta quarta-feira na revista científica Science Advances.
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A proibição na União Europeia de importação de aves selvagens desde 2005 contribuiu para reduzir o comércio mundial destas espécies em 90%. Mas, por outro lado, também promoveu o aparecimento de mercados e rotas alternativas, ainda que legais. Estas são as principais conclusões de uma equipa de cientistas, composta principalmente por portugueses, que analisou as consequências dessa medida, sobretudo em regiões ricas em biodiversidade que podem ser afectadas pela introdução de espécies exóticas. Os investigadores sugerem, por isso, uma proibição global do comércio legal de aves selvagens: “Embora as proibições regionais possam restringir o risco de invasão global [de espécies exóticas], para haver uma eficácia total e evitar novas rotas comerciais as proibições devem ser globais”, lê-se num artigo publicado esta quarta-feira na revista científica Science Advances.
“Se quiséssemos resolver apenas o problema da introdução de aves selvagens [fora dos seus países de origem], resolveríamos quase tudo com a proibição global desse comércio”, explica ao PÚBLICO o principal autor do artigo, Luís Reino, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos (Cibio) da Universidade do Porto.
O comércio mundial de animais selvagens é, segundo o artigo, o principal responsável pela extinção de espécies, por causa da propagação de espécies invasoras, que se estabelecem em regiões onde não ocorrem naturalmente, e do risco de transmissão de doenças, tanto para os seres humanos como para outras espécies locais.
Foi, aliás, para impedir a propagação da gripe aviária que a União Europeia (UE) começou por proibir temporariamente em 2005 a importação de aves selvagens para o espaço comunitário – proibição que se tornou permanente em 2007. Na altura, alertou-se para o risco de se estar a promover não só o tráfico ilegal, mas também a abertura de mercados e rotas alternativas (neste caso, legais). O novo estudo, que se centrou apenas no comércio legal, veio agora confirmar esse receio.
Portugal era dos principais importadores
Foi para perceber o impacto global da proibição europeia que a equipa de investigadores analisou os volumes de comércio de aves selvagens e a respectiva rede de relações comerciais entre 1995 e 2011, de acordo com os dados reportados pela CITES (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção). E os resultados do estudo demonstram que o volume do comércio global de aves selvagens sofreu um declínio de 90% em relação aos valores verificados antes da proibição: passou, por ano, de 1,3 milhões de aves importadas para 130 mil.
Por outro lado, identificaram-se novas rotas comerciais, principalmente na América do Norte e nas regiões afro-tropicais e indo-malaias – estas duas últimas, ricas em biodiversidade, têm poucos recursos para controlar a invasão de espécies exóticas, que podem ser uma ameaça às espécies locais.
Antes da proibição europeia, a Bélgica, Itália, Holanda, Portugal e Espanha eram responsáveis pela comercialização de dois terços de todas as aves selvagens vendidas no mercado global, salienta ainda o artigo científico. E 70% das importações para a Europa eram provenientes da Guiné-Conacri, do Mali e do Senegal.
Os passeriformes, vulgo pássaros (que incluem aves muito populares, como o canário-de-moçambique ou o bico-de-lacre-comum), constituíam 80% do total de aves selvagens importadas para a Europa ocidental, enquanto os psitaciformes (grupo que inclui, por exemplo, os papagaios e as catatuas) representavam apenas 18% desse comércio. Este cenário inverteu-se depois de ter sido imposta a proibição.
“Actualmente, a percentagem de passeriformes comercializados a nível mundial corresponde a menos de 20%, enquanto, pelo contrário, os psitacídeos [psitaciformes] passaram a representar quase 80% do total de aves silvestres comercializadas”, refere, por sua vez, um comunicado do Cibio, instituição a que pertence quase toda a equipa (à excepção de Diederik Strubbe, da Universidade de Copenhaga).
Por outro lado, o papel desempenhado por África ocidental como principal exportador de aves selvagens foi, entretanto, assumido pela América latina, sendo agora este o continente responsável por mais de 50% das exportações dessas aves em todo o mundo.
Além disso, surgiram novos consumidores. As importações anuais para o México e os Estados Unidos aumentaram de cerca de 23 mil aves para 82 mil e diversas regiões do Sudeste asiático estão agora expostas a um maior risco de invasão de aves exóticas, que podem prejudicar os ecossistemas, destruir culturas agrícolas e competir com as espécies locais.
Portanto, se antes o principal exportador era a África ocidental, agora é a América Central e do Sul. E se antes a Europa ocidental era o maior importador de aves selvagens, agora é a América do Norte e o Sudeste asiático.
“Em conclusão, proibições comerciais aplicadas unilateralmente por uma grande potência económica podem reduzir eficazmente o risco global de invasão de espécies. No entanto, essas proibições, por serem regionais, não conseguem eliminar completamente esse risco”, sublinha o estudo, que refere ainda que investir, por exemplo, na vigilância de espécies com um elevado risco de invasão poderá evitar e atenuar as consequências de futuras invasões.
Se o comércio de aves selvagens vier um dia a ser totalmente proibido em todo o mundo, então só poderiam ser vendidas espécies exóticas reproduzidas em cativeiro.
“Preocupa-nos termos verificado uma mudança no comércio de aves silvestres direccionado a áreas de grande biodiversidade. Por exemplo, diversas nações do Sudeste asiático têm vindo a destacar-se como importadores relevantes. Estas regiões estão agora expostas a um maior risco de invasões por aves introduzidas por esta via comercial”, considera Luís Reino, citado no comunicado. “Apesar de as interdições a nível regional contribuírem para uma redução do risco de invasão, a única forma eficiente de assegurar este decréscimo, evitando a redefinição de rotas comerciais, passa por uma interdição global”, acrescenta.
Ao PÚBLICO, o investigador ressalva, no entanto, que há populações humanas que vivem da captura de aves selvagens e que, com a proibição imposta pela UE, muitas perderam um meio de subsistência. “Muitas vezes as proibições são impostas pelos países ricos aos países pobres. Para além das questões ambientais, existem depois as implicações sociais.”
Texto editado por Teresa Firmino