Os fantasmas do Dr. Louçã
Agradeço a simpatia de Francisco Louçã em tentar matar em mim os seus fantasmas.
Não sou dos que gostam que falem deles, mesmo que seja bem. E também não dos que preferem mesmo que falem mal. Mas agradeço a simpatia de Francisco Louçã em tentar matar em mim os seus fantasmas, fazendo-o aliás de uma forma cordata. Merece por isso esta resposta, que generosamente o PÚBLICO acolheu.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Não sou dos que gostam que falem deles, mesmo que seja bem. E também não dos que preferem mesmo que falem mal. Mas agradeço a simpatia de Francisco Louçã em tentar matar em mim os seus fantasmas, fazendo-o aliás de uma forma cordata. Merece por isso esta resposta, que generosamente o PÚBLICO acolheu.
A arte da polémica, como a do teatro naturalista ou da luta política (e, reconheço, da advocacia), exige que se reforcem os traços, por vezes até à caricatura, que se não for alarve é admissível. Foi o que fez comigo o Doutor Louçã (o doutoramento dá-lhe direito a alto coturno). Segundo ele, eu (quiçá tomando-me por Luís Marques Mendes, num momento de ilusão) fiz um “anúncio solene”: o PCP ia abster-se na votação do Orçamento. Tendo sido “vencido pelos factos”, assume-se que torturado e até desesperado, resolvi — numa típica ou clássica manobra de fuga para a frente — “dobrar a parada”. Mas agora já não de forma tão solene, segundo parece porque revelando-o de um modo “soturno”: o primeiro-ministro “está a cogitar provocar, ele próprio, eleições para alcançar a maioria absoluta, ali pela Primavera”.
Nada de mal virá ao mundo com esta minha tragédia pessoal, sobretudo se comparada com as derrotas das previsões trotskistas. Assim isso fosse verdade e eu não servisse apenas para esconjurar fantasmas “louçãnicos”.
É que eu não disse o que me é atribuído. Manias de advogado, tomo notas e guardo-as. Ora, quanto à abstenção do PCP, disse em 8 de Agosto, depois de discretear sobre a sua situação em relação à provável maioria absoluta do PS em 2019: “Daí o problema para o PCP: ele não é saber se vai romper com a “geringonça”, mas quando, como e com que pretexto. Julgo que talvez não aconteça no Orçamento para 2018, mas o PCP pode dar aí o primeiro sinal... se o PCP se abstiver, o resultado será 108 a favor e 107 contra”.
Voltei mais tarde ao tema em 9 de Outubro: “O PCP pode abster-se no Orçamento e deixar os Verdes votar a favor”. E, finalmente, em 14 de Novembro, regressei (mas prometo que, sem perguntar a Francisco Louçã antes, não voltarei a ousar) com uma pergunta enfática: “Mas porquê o Governo decide correr mais riscos? Porque teve de ceder muito ao PCP para evitar a abstenção (“Governo dá 1200 milhões de euros ao PCP” era no sábado o título do Expresso) — sobretudo devido à derrota dos comunistas nas autárquicas”.
Ou seja, expressões como “talvez não aconteça no Orçamento de 2018” (Agosto), “o PCP pode abster-se” (Outubro) ou o PS “teve de ceder muito ao PCP para evitar a abstenção” (Novembro) são — Louçã dixit — um “anúncio solene”.
E vejamos agora a revelação soturna de que António Costa “está a cogitar provocar... eleições... ali pela Primavera”. Aqui a rapidez do comentador não me deu tempo; só uma vez abordei o tema (peço naturalmente desculpas) e que disse eu? Foi também em 14 de Novembro: “Aqui vai o palpite: António Costa, que é fino como o coral, se a meio do ano achar que os mínimos não vão chegar tentará antecipar por um ano as eleições legislativas — o que talvez explique este OE de 2108 tão eleitoralista...”
Isto é, um “palpite” (que está para uma previsão como o rio Ceira estará para o Tejo) de que talvez Costa possa pensar em eleições no Outono transformou-se (pela magia que cultivar o materialismo dialético ajuda a treinar) numa informação sobre o que Costa estará a pensar fazer pela Primavera (não todos os anos, claro, pois não vivemos em ditadura, ao contrário do que pensa alguma direita). Não dobrei a parada, mas dobro o joelho, encantado com a prestidigitação com que fui brindado.
Porquê então Louçã chega ao ponto de me considerar um otimista discípulo de Pangloss a prever o que desejo ou a desejar o que prevejo? Porque a minha hipótese e palpite são duas coisas que Louçã teme e naturalmente lhe tiram o sono: se o PCP se abstivesse, para evitar continuar a perder votantes, como poderia o Bloco de Esquerda continuar discretamente a caminhada para entrar no Governo em 2019? E se as eleições forem antecipadas e o PS obtiver maioria absoluta, que será do seu filho muito amado, BE, no qual pôs toda a sua complacência?
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico