A Europa aguenta uma crise política em Berlim?
Quando a França resolve o seu problema europeu com a eleição de Emmanuel Macron, reanimando o eixo Paris-Berlim, o pilar alemão soçobra.
1. A Europa esteve meses e meses à espera do passado dia 24 de Setembro para começar a discutir a sério o seu futuro. A vitória de Emmanuel Macron em Maio deu-lhe uma alma nova. Respirou de alívio, quando a chanceler Angela Merkel obteve a sua quarta vitória eleitoral, mesmo que os resultados mostrassem que a forma como lidou com os refugiados acabou por desgastá-la. Os resultados eleitorais também mostravam que o contágio da fragmentação do centro político não respeitara totalmente as fronteiras alemãs. O maior choque foi o resultado demasiado bom da extrema-direita. Com a derrota histórica do SPD, a chanceler precisou de negociar uma coligação a três, caso inédito, tentando conciliar programas políticos muito distintos. Seria fácil um entendimento entre a CDU e Os Verdes, apesar da CSU querer maiores restrições à imigração. Os liberais sentaram-se à mesa com as exigências mais radicais. Mas as coligações são o modo de vida alemão desde a fundação da República Federal. A capacidade negocial da chanceler faria o resto. Não fez. A crise política instalou-se em Berlim. Merkel sofreu uma derrota pesada. O futuro Governo alemão é uma incógnita. A Europa voltou a suster a respiração, agora sem uma ideia do que poderá vir a acontecer no país do qual tudo, ou quase tudo, depende.
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1. A Europa esteve meses e meses à espera do passado dia 24 de Setembro para começar a discutir a sério o seu futuro. A vitória de Emmanuel Macron em Maio deu-lhe uma alma nova. Respirou de alívio, quando a chanceler Angela Merkel obteve a sua quarta vitória eleitoral, mesmo que os resultados mostrassem que a forma como lidou com os refugiados acabou por desgastá-la. Os resultados eleitorais também mostravam que o contágio da fragmentação do centro político não respeitara totalmente as fronteiras alemãs. O maior choque foi o resultado demasiado bom da extrema-direita. Com a derrota histórica do SPD, a chanceler precisou de negociar uma coligação a três, caso inédito, tentando conciliar programas políticos muito distintos. Seria fácil um entendimento entre a CDU e Os Verdes, apesar da CSU querer maiores restrições à imigração. Os liberais sentaram-se à mesa com as exigências mais radicais. Mas as coligações são o modo de vida alemão desde a fundação da República Federal. A capacidade negocial da chanceler faria o resto. Não fez. A crise política instalou-se em Berlim. Merkel sofreu uma derrota pesada. O futuro Governo alemão é uma incógnita. A Europa voltou a suster a respiração, agora sem uma ideia do que poderá vir a acontecer no país do qual tudo, ou quase tudo, depende.
A ironia está em que, quando a França resolve o seu problema europeu com a eleição de Emmanuel Macron, reanimando o eixo Paris-Berlim, o pilar alemão soçobra. Na pior altura. Quando estão em causa as duas grandes reformas sobre as quais o futuro europeu deveria assentar: a conclusão da reforma da zona euro e o lançamento de uma política europeia de defesa, desta vez com pés para andar. Nos dois domínios, é impossível avançar sem Berlim. E Berlim não está nem estará em condições de exercer o seu papel no Conselho Europeu de 14 de Dezembro. Instala-se um novo “tempo de espera”. Somam-se as complicações do “Brexit”, que não são poucas. Martin Kettle escreve no Guardian: “A ideia de que [Merkel] podia operar a magia de encontrar uma solução para o ‘Brexit’ favorável ao Reino Unido evapora-se”.
2. A dinâmica criada pelo bom comportamento da economia europeia, puxada pela locomotiva alemã, pode não sofrer de imediato um impacto significativo. É isso que os mercados estão a dizer. Mas, no médio prazo, ninguém sabe o que pode voltar a acontecer. Nas capitais europeias a preocupação já é evidente. A incógnita alemã não é apenas um atraso no calendário, por mais inconveniente que seja. Não se vê na sua paisagem política alguém que tenha a capacidade de garantir um futuro para a Europa que não se limite às regras “alemãs” do euro e da economia, mas que contribua de forma decisiva para a sua afirmação geopolítica, numa altura em que os EUA se retiram e outras grandes potências se preparam para ocupar o espaço deixado vazio. A chanceler aprendeu esta lição à sua própria custa, quando a Rússia invadiu a Ucrânia e o terrorismo se tornou uma nova ameaça à segurança dos europeus. A eleição de Trump acabou de convencê-la de que a Europa, incluindo a Alemanha, teria de assumir maior responsabilidade pela sua própria segurança. O Presidente americano demonstrou, sem deixar lugar a dúvidas, que a defesa europeia garantida pela NATO teria um preço muito alto, deixando de ser um dado adquirido. A chanceler juntou-se a Macron para reforçar a capacidade militar da Europa e a sua autonomia. Foi isso que levou à PESCO (cooperação estruturada permanente na defesa). Comprometeu-se com o Presidente francês para encontrar um terreno comum (com cedências de parte a parte) para uma zona euro mais integrada, com maior partilha da soberania mas também dos riscos.
3. Entretanto, na Polónia, há manifestações a favor dos “brancos” de “sangue limpo”, que conseguem fazer gelar o sangue a muita gente. O flanco leste da União continua sob pressão de Moscovo. Com raras excepções, o vírus nacionalista continua a minar as democracias europeias. A Europa podia contar com Merkel para combater este contágio. Sem Merkel, ou com uma chanceler enfraquecida, essa luta vai ser mais difícil. Em suma, tudo o que a Europa não precisava era de uma crise no seu centro político, até agora o garante da estabilidade europeia, mas também dos seus valores. É o combate contra os nacionalismos que também pode sofrer. Resta Macron para manter a chama, enquanto o destino da Europa se joga em Berlim. O problema é que também a sua estratégia política, interna e europeia, assenta numa renovada pareceria com a Alemanha.