Assadas à dentada
Na cozinha da nossa casa a Maria João desenvolveu um método seguro de seleccionar as maçãs reinetas que mais se prestam à assadura: é à dentada.
No paraíso piscívoro que é Matosinhos é difícil encontrar um restaurante que não tenha tido a visão – de longo alcance – de assar umas maçãzecas antes da primeira invasão, não vá o difícil do cliente, influenciado pela cor da queda outonal das folhas, marrar no sentido de rematar a refeição com uma maçã assada.
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No paraíso piscívoro que é Matosinhos é difícil encontrar um restaurante que não tenha tido a visão – de longo alcance – de assar umas maçãzecas antes da primeira invasão, não vá o difícil do cliente, influenciado pela cor da queda outonal das folhas, marrar no sentido de rematar a refeição com uma maçã assada.
Aqui no Sul o atraso sofre-se diariamente. Cada um é forçado a governar-se. Na cozinha da nossa casa a Maria João desenvolveu um método seguro de seleccionar as maçãs reinetas que mais se prestam à assadura: é à dentada.
Pega-se na maçã, olha-se de frente para ela, para lhe dar uma última oportunidade de confessar e, disfarçando como se alguém tivesse batido à porta, para distrair o fruto, quando ele não estiver a ver enfia-se-lhe uma furiosa dentada até às sementes ou à nossa própria gengiva, conforme a primazia da chegada.
Se a maçã é rija, sumarenta e aprazivelmente ácida, fica para crua, para comer já ali, sem mais cerimónias. Se ela é farinhenta – a triste sina das reinetas desde o tempo dos marretas – vai para assar que o forno é democrático e amolece tudo.
Há também aplicações intermédias para os casos de charneira, como a salada de frutas e o apple crumble. São vexames mas, escolhendo a hora certa do consumo, podem ser bem-vindos.
A minha mãe punha pouco açúcar, sumo de limão e passas que inchavam deliciosamente no túnel descaroçado das maçãs. Não punha canela – a panca portuguesa desde o trauma de Ceilão – e ficavam fresquíssimas. Nem vou mencionar a custarda...