Tribunais: a realidade... e os filmes a preto e branco
Sem escamotear dificuldades, este é o retrato do nosso sistema judiciário.
1. Portugal do século XXI é um país moderno, seguro, dinâmico e sintonizado com os valores que imperam nos países ocidentais mais desenvolvidos, crescentemente procurado por cidadãos estrangeiros que optam por viver entre nós. Nalguns filmes que não têm muito tempo, são, no entanto, transmitidas imagens distorcidas do país, baseadas em arquétipos ultrapassados. O que por vezes se escreve sobre a nossa justiça recorda-me essa cinematografia. Acrescem confusões recorrentes, que não distinguem as funções do Ministério Público e dos juízes, que não diferenciam os tribunais comuns dos administrativos e fiscais, que citam estudos desatualizados sobre pendências processuais e que esquecem os que no presente mostram estarmos entre os primeiros em eficiência. A realidade é bem diferente das caricaturas.
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1. Portugal do século XXI é um país moderno, seguro, dinâmico e sintonizado com os valores que imperam nos países ocidentais mais desenvolvidos, crescentemente procurado por cidadãos estrangeiros que optam por viver entre nós. Nalguns filmes que não têm muito tempo, são, no entanto, transmitidas imagens distorcidas do país, baseadas em arquétipos ultrapassados. O que por vezes se escreve sobre a nossa justiça recorda-me essa cinematografia. Acrescem confusões recorrentes, que não distinguem as funções do Ministério Público e dos juízes, que não diferenciam os tribunais comuns dos administrativos e fiscais, que citam estudos desatualizados sobre pendências processuais e que esquecem os que no presente mostram estarmos entre os primeiros em eficiência. A realidade é bem diferente das caricaturas.
2. Um sistema de justiça com qualidade exige três elementos estruturantes: independência e imparcialidade, justa aplicação do Direito e funcionamento sem demoras injustificadas, estando os dois primeiros requisitos essencialmente verificados entre nós.
O CSM, que é o âmago de todo um vasto sistema de governo dos juízes e dos tribunais, é um órgão colegial, constituído por 17 vogais em situação paritária: dois designados pelo PR, sete eleitos pela AR e sete juízes eleitos pelos seus pares, sendo o presidente do STJ, por inerência, presidente do Conselho.
Assim, a par de uma significativa representação de juízes, temos uma maioria de membros com origem nos órgãos de soberania diretamente legitimados pelo sufrágio popular, numa equilibrada lógica de cogestão — e não de autogoverno propriamente dito —, a qual, a par da independência, acautela os imperativos de prestação de contas (accountability) inerentes às instituições públicas e obsta ao corporativismo judiciário.
Acresce que os juízes portugueses são dos mais independentes do mundo. Tal como é reconhecido que as suas decisões são, na sua grande maioria, acertadas, sensatas e materialmente justas.
3. Todavia, temos que melhorar a capacidade de resposta dos tribunais, apesar dos significativos ganhos de produtividade que têm marcado os últimos anos, associados ao novo modelo de gestão das comarcas e à cabal assunção pelo CSM das responsabilidades que agora lhe estão cometidas no plano da gestão macro do sistema.
Nos limites consentidos pelas leis vigentes, está em evolução um paradigma pautado por visão estratégica e critérios de racionalidade organizativa, em que a simplificação e a desburocratização constituem a matriz enformadora dos métodos de trabalho. Partilhada entre todos os que na esfera de atuação do CSM exercem funções de gestão, temos agora a necessária liderança, enquanto instrumento dirigido a mobilizar e dirigir a energia das pessoas para a obtenção de resultados concretos e mensuráveis.
Mas persistem fatores de bloqueio que exigem novas abordagens. É essencial aprofundar a dinâmica de informatização e tramitação eletrónica dos processos e repensar o atual modelo organizacional das secretarias judiciais, demasiado rígido e compartimentado. E impõe-se, sobretudo, uma rutura com os atuais paradigmas processuais.
As causas têm crescente complexidade e temos inúmeros megaprocessos, a par de fenómenos de litigância de massa. Como noutros países, os juízes deveriam dispor de amplos poderes de ativa gestão processual, mormente de limitação do número de testemunhas, de controlo da duração dos depoimentos e de controlo dos meios de prova a produzir, sendo ainda de incentivar os depoimentos escritos produzidos nos escritórios dos advogados. E urge rever um regime de recursos que redunda numa sistemática audição na Relação das declarações produzidas na 1.ª instância, no fundo um segundo julgamento, as mais das vezes inútil e quase sem paralelo no direito comparado. Há que estar ciente das consequências devastadoras deste original sistema, em especial quando estão em causa megaprocessos.
4. Sem escamotear dificuldades, este é o retrato do nosso sistema judiciário, que se pretende cada vez mais centrado nas necessidades e preocupações dos cidadãos, embora muitos persistam em rebobinar os velhos filmes arrumados nos seus arquivos. Filmes cheios de pó, com imagens ainda a preto e branco.
Vivemos num mundo em que se exige que nos questionemos e evoluamos. Por isso, estas e outras temáticas serão objeto de aprofundada reflexão, debate e troca de experiências no XII Encontro Anual do CSM, que hoje e amanhã decorrerá em Tavira.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico