Género para além do binário
O conceito de género para além do binário não é novo e pode ser encontrado em muitas culturas a nível global, mas há quem se negue a pensar nesta noção
Desde que nos é atribuído um sexo à nascença que somos postos em duas caixas restritivas que definem o conceito de género no sistema social. Rapazes tornam-se homens, raparigas tornam-se mulheres. Mas existe um número crescente de pessoas que escolhe olhar para além destes padrões sociais. Afinal, os binários não são só para computadores?
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Desde que nos é atribuído um sexo à nascença que somos postos em duas caixas restritivas que definem o conceito de género no sistema social. Rapazes tornam-se homens, raparigas tornam-se mulheres. Mas existe um número crescente de pessoas que escolhe olhar para além destes padrões sociais. Afinal, os binários não são só para computadores?
Apelidam-se de não-binários, termo que engloba múltiplas identidades que não obedecem às normas de género estabelecidas. Significa que não se identificam 100% como mulher ou 100% como homem. Usam pronomes alternativos ao “ele-ela, sendo “eles” o mais frequentemente utilizado.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, o género é construído socialmente e não partilha ligações/relações fundamentais com a anatomia. Um estudo de 2010 conduzido pela associação britânica Brain Research revelou que a disforia de género está de alguma forma relacionada com as mudanças hormonais que se desenvolvem no ventre/útero durante a gravidez. Os processos que definem os genitais e o cérebro acontecem em momentos distintos.
Identidades não-binárias são uma realidade. Os dados recolhidos no Censos de 2011 no Reino Unido mostraram que aproximadamente 224.632 pessoas não seleccionaram intencionalmente uma das caixas referentes a homem ou mulher. Isto poderá significar que uma em cada 250 pessoas na Grã-Bretanha sente que não se enquadra na definição binária de género.
Consciencializar indivíduos acerca da não-binariedade de género traduz-se numa situação de incompreensão e rejeição. Até mesmo quando se explica o significado de “não-binário”, as pessoas para as quais o tema é desconhecido assentem com a cabeça e respondem afirmativamente, mas de seguida dizem muitas outras coisas que demonstram que afinal não perceberam. Também há aqueles que se negam absolutamente a pensar na noção de género para além do binário essencialista.
Um inquérito online levado a cabo pela revista Beyond the Binary demonstrou que 94% dos questionados se sentiam inseguros no Reino Unido por serem não-binários. A Equality Act protege pessoas de actos discriminatórios baseados no género. No entanto, esta lei de igualdade aprovada pelo parlamento inglês em 2010 apenas considera aqueles que se identificam como homem ou mulher. Actualmente, uma mudança legal de género no Reino Unido, país onde vivo e estudo, custa 140 libras e implica transição física. A lei não reconhece a não-binariedade de género.
Nepal, Nova Zelândia, Austrália, Alemanha e Paquistão são alguns dos países que oferecem uma terceira opção de género em documentos oficiais. O Facebook é um exemplo de uma rede social que recentemente incluiu mais de 50 opções de género para além de homem e mulher.
O conceito de género para além do binário não é novo e pode ser encontrado em muitas culturas a nível global: as ideias iniciais sobre homosexualidade estavam associadas à ideia da existência de um terceiro género. Os dois-espíritos das tribos indígenas nativas americanas, os calalai da Indonésia e os hijras da Índia são exemplos que provam a existência de “outros” géneros em diversas culturas.
O maior obstáculo que eu vejo é, devido à falta de educação e de informação, a não aceitação das identidades não-binárias como uma realidade. Não penso que seja uma coincidêcia que este diálogo esteja a acontecer agora, uma vez que foi a Internet a sua propulsora. Mas a pergunta mais relevante ainda permanece sem resposta. A igualdade de género é possível?
Teríamos que ter uma sociedade a pensar sobre o conceito de género de modo diferente. E com o condicionamento dos séculos de História será difícil. Mas através da reaprendizagem de género, todos se libertariam de normas e regras que geram sexismo e transfobia.