Mnangagwa, o “crocodilo” que esperou a oportunidade certa para atacar

Homem de mão de Mugabe durante 50 anos, Emmerson Mnangagwa tem fama de cruel e calculista. Ao afastá-lo, Presidente poderá ter cometido erro fatal.

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Emmerson Mnangagwa AARON UFUMELI/EPA

“Crocodilo” é uma alcunha que lhe assenta bem. A imagem do predador acompanha Emmerson Mnangagwa desde a juventude – é o totem do seu clã. E em mais de 50 anos de guerrilha, política e intriga aquele que agora se prefigura como próximo homem forte do Zimbabwe tudo fez para lhe merecer a reputação. Implacável, calculista ou dissimulado são adjectivos usados com frequência para o descrever, atributos que durante décadas o mantiveram como aliado de Robert Mugabe, o velho ditador que poderá ter ido longe de mais no dia em que o decidiu exonerar.

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“Crocodilo” é uma alcunha que lhe assenta bem. A imagem do predador acompanha Emmerson Mnangagwa desde a juventude – é o totem do seu clã. E em mais de 50 anos de guerrilha, política e intriga aquele que agora se prefigura como próximo homem forte do Zimbabwe tudo fez para lhe merecer a reputação. Implacável, calculista ou dissimulado são adjectivos usados com frequência para o descrever, atributos que durante décadas o mantiveram como aliado de Robert Mugabe, o velho ditador que poderá ter ido longe de mais no dia em que o decidiu exonerar.

“Zimbabweanos, mantenham-se calmos e escutem as informações. Estou de regresso ao Zimbabwe e estarei ocupado nos próximos dias. Comunicarei convosco através dos meios de comunicação oficiais”, escreveu Mnangagwa, de 75 anos (71, segundo outras fontes), na sua conta de Twitter na manhã de quarta-feira, dando a entender que tinha deixado a África do Sul, onde se refugiara uma semana antes, e que estava do lado dos militares que acabavam de deter Mugabe e a sua família.

Com Harare tomada por tanques e rumores, é pouco certo que papel lhe estará reservado, mas poucos duvidam que a sua destituição do cargo de vice-presidente foi a gota de água que levou o general Constantino Chiuwenga, chefe das Forças Armadas, a agir para, como tinha avisado 24 horas antes, travar “a purga contra os membros do partido que  estiveram envolvidos na guerra pela independência”. O alvo: Grace Mugabe, a primeira-dama que ambicionava suceder ao marido, e a jovem elite apostada em destronar os veteranos da libertação.

Foi de armas na mão, primeiro contra os colonizadores britânicos e, após 1965, contra o regime de apartheid imposto pela minoria branca da então Rodésia, que Mnangagwa ganhou os seus galardões de herói da libertação. Ainda em 1963, recorda a rádio Voz da América, foi um dos jovens dirigentes da União Nacional Africana do Zimbabwe (ZANU) enviados para treinos militares na China – onde também frequentou uma escola para jovens quadros dirigidas pelo PC chinês – e no Egipto. Acabaria a liderar um grupo de guerrilheiros – o “gang Crocodilo” – que se dedicava a actos de sabotagem, incluindo a explosão de comboios de mercadorias, acabando por ser preso, torturado e condenado à morte pelo regime de Ian Smith.

Tinha apenas 19 anos, o que travou a sua execução, mas passou os dez anos seguintes na prisão, onde conheceu e partilhou cela com Robert Mugabe. “Ele tem cicatrizes dessa altura. Mas ele era jovem e corajoso”, contou à BBC um amigo, explicando que a experiência de tortura que sofreu tão novo ajudam a explicar o seu carácter reservado. “Ele está consciente de que tem a imagem pública de um homem duro”, disse à Reuters um correligionário.

Deportado para a Zâmbia, onde estudou Direito, manteve-se próximo de Mugabe e da guerrilha e em 1977, no auge da luta pela libertação, era já uma personagem chave tanto da estrutura militar como política da ZANU. Com a independência, em 1980, tornou-se ministro da Segurança Nacional, um dos muitos cargos que exerceu na sombra de Mugabe, e foi daí que presidiu à operação “Gukurahundi”, uma violenta ofensiva contra os apoiantes da ZAPU, o movimento de libertação rival liderado por Joshua Nkomo, grande parte deles pertencendo à minoria ndebele. Terão morrido pelo menos quatro mil pessoas – embora algumas fontes denunciem a chacina de 20 mil.

Mnangagwa foi um dos responsáveis pelo acordo que levou Nkomo a entrar no governo e à fusão dos dois movimentos (agora sob a sigla ZANU-PF). “Com as bases aterrorizadas, o partido foi absorvido e o seu líder transformou-se numa mascote”, escreveu o jornalista americano Joshua White na New Statestman, sublinhando que a mesma receita voltaria a ser usada com Morgan Tsvangirai em 2008. Centenas de apoiantes do líder da oposição foram mortos na repressão que se seguiu à sua vitória na primeira volta das presidenciais, o que levou o antigo líder sindicalista a abandonar a corrida, acabando por aceitar um acordo para se tornar primeiro-ministro de Mugabe. Mnangagwa era à data o responsável pela estratégia de campanha de Mugabe.

“Ele é um homem muito cruel”, confessou um veterano da guerrilha à BBC, que no perfil que traça do vice-presidente recorda o sequestro do seu adversário nas legislativas de 2000. “Escapou à morte por um triz quando os jovens apoiantes da ZANU-PF o regaram com gasolina mas não conseguiram acender um fósforo”.

Quase sempre na sombra de Mugabe, foi acumulando cargos, influência – à sua facção na ZANU-PF chamam “Lacoste” – e riqueza. Os críticos acusam-no de ser um dos principais beneficiários do saque das riquezas do país e o jornal Le Monde cita “fontes bem informadas” que dão conta da sua proximidade aos grupos chineses que têm investido na extracção de minérios do país. Além dos militares, conta com o apoio das associações de veteranos que lideraram a campanha de expropriação dos fazendeiros brancos, uma das políticas nacionalistas apoiadas por Mugabe e que lançaram o Zimbabwe no precipício económico.

Desde 2014, quando assumiu uma das vice-presidências, que não escondia a ambição de suceder a Mugabe, um “pecado” cada vez mais assumido – em Janeiro, recorda a Reuters, jornais locais publicaram uma fotografia em que aparecia com uma caneca na mão onde se podia ler “Sou o chefe”. Entrara em rota de colisão com Grace Mugabe e o conflito tornou-se público quando em Agosto, depois de ter sofrido uma intoxicação alimentar, os seus apoiantes acusaram a prima-dama de o ter tentado envenenar com um gelado produzido com leite de uma das suas quintas. 

A exoneração, no passado dia 6, que inclui acusações de “desonestidade” e “bruxaria”, poderia ter ditado o fim das suas ambições. Mas os acontecimentos dos últimos dias parecem provar a fama do “Crocodilo”, que o próprio Mnangagwa tratou de explicar, numa entrevista em 2015 ao jornal Herald e que o Financial Times recuperou. “O crocodilo entra na água para caçar a sua presa. Nunca vai às aldeias ou ao mato em busca de comida. Só ataca no momento apropriado”.