Unidos contra o carvão mas ainda falta salvar o planeta
No encontro em Bona que reuniu mais de 15 mil cientistas e mais de 150 ministros confirmaram-se as melhores intenções dos países dispostos a combater as alterações climáticas, mas também os piores prognósticos.
Uma mão cheia de boas intenções, assinadas por muitos países em acordos e alianças, e um mundo de problemas que continua sem qualquer solução firme e definida. Este parece ser o resultado pouco animador da 23.ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP23), que acabou nesta sexta-feira em Bona, na Alemanha. A realidade não ajuda. Desde o Acordo de Paris, que todos (à excepção dos EUA) reafirmaram em Bona, a situação piorou. Um exemplo: ao contrário de uma estabilização ou decréscimo das emissões de CO2 para a atmosfera, registou-se um aumento de 2%. Compromissos como a “Aliança Global para a saída do Carvão”, proposta pelo Reino Unido e Canadá e aprovada em Bona, não chegam para salvar o planeta.
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Uma mão cheia de boas intenções, assinadas por muitos países em acordos e alianças, e um mundo de problemas que continua sem qualquer solução firme e definida. Este parece ser o resultado pouco animador da 23.ª Conferência das Nações Unidas sobre o Clima (COP23), que acabou nesta sexta-feira em Bona, na Alemanha. A realidade não ajuda. Desde o Acordo de Paris, que todos (à excepção dos EUA) reafirmaram em Bona, a situação piorou. Um exemplo: ao contrário de uma estabilização ou decréscimo das emissões de CO2 para a atmosfera, registou-se um aumento de 2%. Compromissos como a “Aliança Global para a saída do Carvão”, proposta pelo Reino Unido e Canadá e aprovada em Bona, não chegam para salvar o planeta.
A COP23 cumpriu o seu pouco exigente objectivo de iniciar um caminho para a definição de metas mais ambiciosas pelos países dispostos a combater as alterações climáticas. “A boa notícia é que continua vigorosa a vontade de todos os países do mundo, excluindo os EUA, de fazerem todos os possíveis para cumprir o Acordo de Paris”, resume Filipe Duarte dos Santos, especialista em alterações climáticas da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável. O investigador admite que não se esperava muito desta conferência que reuniu mais de 15 mil cientistas e mais de 150 ministros em Bona e que foi presidida pelas ilhas Fiji.
Francisco Ferreira, do Centro de Investigação em Ambiente e Sustentabilidade da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova e presidente da associação ambientalista Zero, confirma: “Esta era uma reunião de preparação, de transição, em que se pretendia iniciar um diálogo para estabelecer um maior nível de ambição para as metas a cumprir em 2030 e 2025, segundo o Acordo de Paris, e que serão revistas em 2020”. Antes disso, lembra, há um preenchido calendário de encontros sobre o clima que começa já em Dezembro com uma reunião em Paris, por iniciativa do Presidente francês Emmanuel Mácron, e que entre outras acções, inclui a divulgação em Outubro de 2018 do relatório especial do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas e a próxima Cimeira do Clima que vai decorrer em Dezembro do próximo ano, na Polónia.
Em Bona, pedia-se pouco e foi mais ou menos isso que se conseguiu. Segundo Francisco Ferreira, fizeram-se “progressos modestos” no prometido “livro de regras” para cumprir o Acordo de Paris que acabou por ser resumir, para já, a “um rascunho” do manual que deverá concretizar questões importantes como o financiamento anual de cem milhões de dólares para apoiar os países em desenvolvimento previsto para o pós-2020. A "aliança para a saída do carvão”, uma iniciativa que partiu do Reino Unido e do Canadá e que foi assinada por 25 países, estados e cidades (incluindo Portugal) foi um dos compromissos alcançados em Bona. Com algumas supresas, o estado de Washington aderiu isoladamente à iniciativa e a Alemanha optou por ficar de fora, trata-se de (mais) uma declaração de intenções para acabar gradualmente com as centrais de carvão, embora em prazos diferentes.
O “fantasma” dos EUA que alguns temiam que ameaçasse o encontro depois de a Administração Trump afirmar que vai sair do Acordo de Paris acabou por não assustar ninguém. A secretária de Estado Adjunta norte-americana para os Assuntos Ambientais confirmou a decisão de Donald Trump mas houve sinais de rebeldia de alguns estados e cidades norte-americanas que apoiaram decisões tomadas em Bona.
Na COP23, o secretário-geral da ONU, António Guterres, pediu mais ambição, mais liderança e mais parcerias na luta contra o aquecimento global.
"O nosso dever, uns para com os outros e para com as gerações futuras, é aumentar a nossa ambição", disse, numa cerimónia em que participavam vários chefes de Estado, como a chanceler alemã, Angela Merkel, e Emmanuel Macron. Guterres lembrou que o mundo tem cinco anos para implementar medidas que tornem possível conter o aumento da temperatura do planeta nos 1,5 graus celsius acima dos valores médios da época pré-industrial, mas avisou os líderes que esse objectivo exige cortes significativos nas emissões de gases de estufa.
Mas ainda não foi em Bona que o mundo mostrou o quão ambicioso pode ser. Francisco Ferreira espera que a resposta da Europa passe por aumentar de 40% para 55% a meta de cortes nas emissões de CO2 até 2030 (tendo como ponto de partida os valores da década de 1990). “A Holanda defendeu na COP23 que a meta dos 40% não é compatível com a urgência da acção climática e apontou para os 55%. O ministro do Ambiente de Portugal, João Pedro Marques Fernandes, também admitiu ir além dos 40%”, refere o presidente da associação ambientalista Zero.
A urgência da acção é óbvia. A curva de Keeling, como é conhecido o gráfico que mostra a concentração de dióxido de carbono na atmosfera, está imparável e em 2016 bateu um novo recorde. Segundo números do Global Carbon Project, as emissões de CO2 associadas à indústria e queima de combustíveis fósseis deverão atingir o recorde de 36,8 mil milhões de toneladas este ano, mais 2% do que em 2016. Dentro de pouco tempo vamos confirmar se, como prevêem os especialistas, a Terra viveu em 2017 o terceiro ano mais quente desde que há registo. As regiões geladas do nosso planeta estão a derreter, o nível dos oceanos está a subir e os fenómenos extremos são cada vez mais frequentes. O número de secas, incêndios florestais, cheias e furacões registados anualmente duplicou desde 1990.
Em relação à energia, Filipe Duarte Santos refere que foi apresentado em Bona um relatório que mostrou que durante mais de uma década os combustíveis fósseis representaram cerca de 80% das fontes primárias de energia a nível global (o carvão, o petróleo e o gás natural) e que aponta para uma redução desta dependência para apenas 75% em 2040.
“É preciso ter muita esperança, ser muito positivo, ser muito optimista, porque os sinais que o planeta dá são contrários ao que é necessário fazer para controlar estes problemas. Estamos muito longe. É preciso fazer muito mais do que estamos a fazer”, avisa Filipe Duarte dos Santos.
Um dos maiores consensos da cimeira do clima é que a próxima cimeira será mais importante. Em Dezembro de 2018, na Polónia, poderemos ter a ambição dos países que querem combater as alterações climáticas traduzida em números e acções concretas para cumprir o Acordo de Paris, que entra em vigor em 2020. As más notícias é que a realidade não parece estar à espera destas decisões. E o planeta mostra-nos isso mesmo.