Portugal assina mas só no último minuto. E não é por culpa da “geringonça”

Europa lança as bases da mais arrojada iniciativa de defesa, já com 23 países a bordo.

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Foi dado, esta segunda-feira, em Bruxelas, o pontapé de saída para a constituição de uma “cooperação estruturada permanente” para a defesa europeia, já prevista nos tratados, cujo objectivo é dotar a Europa de uma capacidade militar que seja comum, efectiva e mais autónoma em relação à NATO. Desta vez, a iniciativa, que partiu da Alemanha e da França, parece ter pés para andar, ao contrário de todas as anteriores, mais tímidas e muito menos ambiciosas.

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Foi dado, esta segunda-feira, em Bruxelas, o pontapé de saída para a constituição de uma “cooperação estruturada permanente” para a defesa europeia, já prevista nos tratados, cujo objectivo é dotar a Europa de uma capacidade militar que seja comum, efectiva e mais autónoma em relação à NATO. Desta vez, a iniciativa, que partiu da Alemanha e da França, parece ter pés para andar, ao contrário de todas as anteriores, mais tímidas e muito menos ambiciosas.

Tal como estava previsto, os ministros dos Negócios Estrangeiros e da Defesa, reunidos em Bruxelas, assinalaram a sua intenção de fazer parte da nova Pesco (em inglês). O número superou todas as expectativas: 23 já o fizeram. Faltam quatro, um deles Portugal, embora por razões distintas dos outros. A Irlanda fica de fora, mantendo o seu estatuto de neutralidade, embora reforçando o seu desejo de cooperar. A Dinamarca, membro da NATO, negociou um “opting out” no domínio da segurança e defesa para convencer os dinamarqueses a ratificar o Tratado de Nice. A forma como Malta vê o seu posicionamento estratégico mantém-na igualmente de fora.

A única novidade é Portugal, embora o Governo já tenha anunciado o seu apoio sem reservas aos objectivos da Pesco. Vai assinar formalmente a sua adesão até ao dia 11 de Dezembro, data em que o Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros se reúne para oficializar o número de aderentes, em vésperas do Conselho Europeu de 14, que assinará o acordo final. A razão deste “atraso” português é conhecida. Não é por causa dos seus parceiros de coligação, que são contra, mas cujos acordos com o PS excluíam qualquer matéria europeia.

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, justificou ainda o atraso com o fim da consulta ao Parlamento, dizendo que foi "uma questão de puro escrúpulo democrático".

O Governo tem insistido em todas as instâncias europeias que a Pesco não pode ofuscar nem adiar o avanço da reforma da zona euro, que considera como fundamental para a estabilidade e a convergência real das economias. A reforma da União Económica e Monetária também vai ser discutida na próxima cimeira, já com uma perspectiva do que poderá ser o próximo Governo de coligação de Angela Merkel com o FDP e os Verdes. Os liberais não querem ouvir falar em mais partilha dos riscos na zona euro, com os respectivos instrumentos financeiros. A França tem uma posição mais próxima da dos países do Sul. A questão é saber se este braço-de-ferro português conseguirá alguns aliados.

A iniciativa de avançar para uma cooperação militar mais efectiva partiu de Paris e de Berlim há quase um ano. A Espanha e a Itália juntaram-se rapidamente. Chegou a debater-se qual deveria ser o número mínimo necessário de países para avançar com a Pesco. A França defendia um número restrito para ser mais eficiente. A Alemanha preferia uma solução mais inclusiva. Falou-se em 15, mas rapidamente se verificou que a vontade de aderir era muito mais alargada. Vai incluir os países de Leste, mesmo aqueles que se dizem mais “amigos” de Moscovo, mas também os países que não são membros da NATO, como a Finlândia ou a Suécia, que vêem hoje a sua defesa como uma prioridade. Estão demasiado próximos do seu grande vizinho de Leste. Até a Áustria, ainda muito marcada pela sua neutralidade forçada durante a Guerra Fria, decidiu à última hora aderir.

Passo histórico

Federica Mogherini, a chefe da diplomacia europeia, disse na segunda-feira, em Bruxelas, que a União Europeia acabava de dar um “passo histórico”. Desta vez, não é exagero. Os países membros subscrevem uma série de compromissos, que serão vinculativos, sobre uma avaliação conjunta dos respectivos planeamentos nacionais, de forma a detectar as falhas da sua capacidade militar (que os tornam dependentes da boa vontade americana) e que incluiu a cooperação das indústrias da defesa e no âmbito da investigação científica e tecnológica.

São fáceis de explicar as razões deste salto em frente. Chamam-se "Brexit" e Trump. Outras iniciativas anteriores para dar corpo a uma defesa europeia autónoma da NATO tiveram sempre o veto britânico, que as via como uma forma de minar a Aliança. A saída da Grã-Bretanha elimina esse obstáculo, embora seja o país que, com a França, detém a maior capacidade militar da Europa, incluindo a sua vertente nuclear.

Mas o factor determinante acabou por ser a eleição de Donald Trump e o seu anúncio de que não estaria disponível para defender a Europa, a não ser que os europeus fizessem muito mais pela sua própria defesa. A imprevisibilidade do Presidente americano não deixou ninguém descansado. A crise ucraniana acabou por ter um impacte decisivo na Alemanha, sempre renitente quando se fala em força militar. Há um sentimento generalizado de que o mundo está demasiado perigoso para que a Europa possa continuar como dantes.

A União tem uma capacidade militar que, somada, é pouco inferior à dos EUA, mas que está a uma enorme distância do poder militar americano, graças precisamente à incapacidade para agir em conjunto. Tem um longo caminho a percorrer, nomeadamente em matéria de compatibilidade entre os respectivos exércitos, que hoje praticamente não existe. O outro vector fundamental, que já tem verbas destinadas pela Comissão, é o investimento na indústria europeia de defesa e na investigação científica e tecnológica - um campo em que está ainda mais longe dos EUA. Com esta iniciativa os europeus também respondem às exigências de Trump: gastam mais dinheiro com a defesa e aumentam a sua capacidade militar dentro da própria Aliança.

Não é um exército europeu

Nada disto significa a criação de um “exército europeu”, o papão preferido dos eurocépticos e dos soberanistas. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, lembrou que “estamos a reforçar a cooperação (…) no domínio crítico da segurança e defesa, e não a constituir forças armadas europeias.” Convém também lembrar que cada país continua a ter a última palavra. As decisões serão tomadas por unanimidade e a nível intergovernamental.