Força Aérea sabia há anos que era roubada pelos militares, mas nada fez

Alerta foi dado em 2009 por um sargento de Beja, mas nada se passou até Judiciária começar a investigar, em 2015. Juiz fala em “máfia militar” e em “polvo”.

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EVR ENRIC VIVES-RUBIO

A Força Aérea sabia há pelo menos oito anos que era roubada por militares seus que trabalhavam nas messes, mas nada fez, apesar de o assunto ter sido reportado à hierarquia.

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A Força Aérea sabia há pelo menos oito anos que era roubada por militares seus que trabalhavam nas messes, mas nada fez, apesar de o assunto ter sido reportado à hierarquia.

Foi preciso a Polícia Judiciária entrar nas bases aéreas, há um ano, para serem presos preventivamente os responsáveis por uma alargada rede criminosa encabeçada por um general, coronéis e tenentes-coronéis. Segundo os investigadores, não havia uma única messe da Força Aérea onde a corrupção não grassasse – muito embora nos últimos três anos tenham saído do esquema duas cantinas. Num despacho que fez, o juiz de instrução criminal que tem em mãos o processo resultante da chamada Operação Zeus fala em “máfia militar” e em “polvo”.

Tudo começou com uma denúncia anónima enviada à Polícia Judiciária Militar na Primavera de 2014  por um empresário reformado que tinha fornecido as messes durante anos. Na carta que escreveu, explicava que também tinha alinhado no esquema, que consistia em facturar à Força Aérea quantidades de alimentos muito superiores às efectivamente entregues nas bases aéreas. O lucro era depois repartido entre os fornecedores e os militares corruptos. Depois de apontar vários nomes – incluindo o de um segundo general da zona de Coimbra conhecido nos meios castrenses como Ali Babá, que ao contrário dos seus colegas não viria a ser constituído arguido –, o denunciante despedia-se: “Sei que isto não vai dar em nada, mas fico mais aliviado em denunciar a situação”. Enganava-se: deu origem a um escândalo sem precedentes neste ramo das Forças Armadas. Há pouco mais de uma semana foi proferida acusação contra oito dezenas e meia de arguidos, metade dos quais militares. Além de corrupção estão em causa os crimes de associação criminosa e falsificação de documentos.

Durante o ano e meio que a denúncia esteve nas mãos da Judiciária Militar a investigação decorreu a passo de caracol. Só com a entrada no processo da Polícia Judiciária civil o inquérito deu passos significativos, graças à utilização de um homem da base de Monte Real como agente encoberto. Abordado por um colega para fazer parte da rede criminosa, o militar em causa comunicou às autoridades o que se estava a passar. Foi arregimentado para fingir que alinhava, por forma a conseguir reunir provas.

Recebeu envelopes com dinheiro dos fornecedores – mais de 40 mil euros – que fotografou e gravou conversas comprometedoras. A tal ponto que a parte dos militares envolvidos não restou outro remédio quando foram detidos senão confessarem o seu envolvimento. “É raro conseguir uma prova tão ostensiva”, escreveu o juiz de instrução criminal. Uma posição partilhada pelos seis juízes do Tribunal da Relação de Lisboa que no mês passado negaram a três dos arguidos o fim da prisão preventiva, por entenderem que os indícios de crime eram demasiado fortes e o risco de perturbação da investigação demasiado grande. O general Raul Carvalho, por exemplo, arrisca-se a muitos anos de cadeia – embora negue tudo.

A hierarquia da Força Aérea podia ter investigado os roubos muito antes da denúncia anónima, há pelo menos oito anos. Foi nessa altura que um sargento colocado na base de Beja disse, durante um interrogatório a que foi submetido no âmbito de um processo disciplinar, que havia um esquema montado há muitos anos nas messes da unidade, que também ocorreria noutras cantinas da Força Aérea. E descreveu precisamente o esquema que a Operação Zeus tornou público.

O tenente-coronel que o interrogou, Carlos Candeias, garantiu em Agosto passado ao Ministério Público que entregou em mão o processo disciplinar em causa ao então comandante aéreo da Força Aérea, o tenente-general José Maria Pessoa, que viria a ser inspector-geral deste ramo das Forças Armadas. Antes disso, o militar tinha estado à frente do comando logístico e administrativo da Força Aérea, do qual faz parte o departamento ao qual pertencem os principais arguidos do processo. O inspector-geral reporta ao chefe do Estado-Maior da Força Aérea.

O PÚBLICO perguntou à Força Aérea o que fez com as informações que recebeu em 2009, mas não obteve qualquer resposta. O mal-estar provocado pela Operação Zeus tem levado a instituição a refugiar-se no silêncio. Certo é que nenhum dos arguidos tinha sido incriminado por causa das messes até à Judiciária Civil entrar nas bases aéreas, em Novembro passado.