Um mais um é igual a meio (disco)
Finalmente um Kurt e uma Courtney viveram felizes para sempre — hum, durante duas canções.
Não deve ter passado despercebido a Courtney Barnett e Kurt Vile que se um dia fizessem um disco juntos corriam o risco de ficar conhecidos como Kurt & Courtney — os primeiros Kurt & Courtney felizes da história do rock, depois de Kurt Cobain e Courtney Love terem estraçalhado muito publicamente o seu casamento (e a vida do primeiro) numa combinação excessiva de heroína, desespero e chumbo. E tanto não passou despercebido que no vídeo de Continental breakfast, o segundo single do disco que Kurt & Courtney assinam a meias, lá surge a menina Barnett com um DVD de Kurt & Courtney, documentário sobre Cobain e Love.
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Não deve ter passado despercebido a Courtney Barnett e Kurt Vile que se um dia fizessem um disco juntos corriam o risco de ficar conhecidos como Kurt & Courtney — os primeiros Kurt & Courtney felizes da história do rock, depois de Kurt Cobain e Courtney Love terem estraçalhado muito publicamente o seu casamento (e a vida do primeiro) numa combinação excessiva de heroína, desespero e chumbo. E tanto não passou despercebido que no vídeo de Continental breakfast, o segundo single do disco que Kurt & Courtney assinam a meias, lá surge a menina Barnett com um DVD de Kurt & Courtney, documentário sobre Cobain e Love.
Qualquer semelhança entre os dois “casais”, entre aspas porque Vile e Barnett são apenas amigos, acaba no nome e na paixão pelas seis cordas: Vile e Barnett não são heróis trágicos que sucumbiram ao seu próprio génio e dor, não são prodígios de auto-punição, não encontram redenção na destruição. São aspirantes a lendas do rock, se o rock sobreviver por mais algum tempo, transportam a chama para as próximas gerações, mas estão, apesar de uma leve melancolia que perpassa a obra de ambos, do lado do prazer, não do lado que adormece nas sombras. Nem Vile nem Barnett são românticos, muito menos trágicos — imaginamos a vida de ambos entre charros, pizzas e jam sessions e Lotta See Lice, o álbum que os une, deve ser visto assim: como uma brincadeira entre amigos, um pequeno prazer partilhado, uma oportunidade para juntar os amigos à mesa e, de permeio, chibatar um par de amplificadores.
As primeiras amostras de Lotta See Lice deram a impressão de que estaríamos perante um evento de proporções avantajadas — a espantosa guitarrada de Over everything, single de avanço do disco, e o delicioso balanço da muito charmosa Continental breakfast (segundo single) estão entre as melhores cantigas que qualquer um deles alguma vez assinou (e são, nitidamente, escritas por Vile). Fosse Lotta See Lice assim do princípio ao fim e teríamos em mãos uma jóia de valor muito elevado. Fear is like a forest, com uma linha de guitarra blues a pingar ácido e aquele swag incomparável de miss Barnett a cantar, chega perto; a beleza pardacenta de Let it go também e os blues de Blue cheese são saborosos.
Mas no resto do tempo, não havendo nenhum passo em falso, nunca nos doendo os ouvidos, estamos em ambiente de ensaio, de private joke que leakou para o público, de canção com potencial, engraçada mas à qual faltou mais um par de semanas para limar ou desenvolver um golpe de asa. Um bom exemplo disso é a versão que Kurt Vile faz de Outta the woodwork e que fica abaixo do original de Courtney Barnett; outro é Peepin’ Tom, que sendo uma canção bonita nunca deixa de parecer uma canção de Kurt Vile.
Não é, portanto, este o disco que vai salvar o indie rock. Vamos pôr as coisas assim: se Vile e Barnett fossem jogadores de futebol isto não era a final da Champions mas antes um jogo-treino com uma mão cheia de bons momentos: falta intensidade, aquele killer instinct que uma grande canção precisa para nos encostar às cordas. Mas ok: duas grandes canções mais um par de cantigas impecáveis — para um lanche regado a electridade não é nada mau.