Sophia, a marioneta sofisticada
Numa altura em que se discutem os preconceitos na inteligência artificial, porque os dados que alimentamos a estas máquinas carregam a nossa parcialidade e estereótipos, o que parece verdadeiramente importante é questionar quem escreve as respostas de Sophia.
Anda tudo embevecido com Sophia, a robô que passou pela Web Summit: que isto é coisa saída de um filme, que o futuro está aí, que as máquinas vão tomar conta de tudo.
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Anda tudo embevecido com Sophia, a robô que passou pela Web Summit: que isto é coisa saída de um filme, que o futuro está aí, que as máquinas vão tomar conta de tudo.
As notícias ajudam a empolar a histeria: os títulos dizem-nos que os robôs “avisam”, “debatem” entre eles — e até respondem a perguntas dos jornalistas. Aos bonecos humanóides são atribuídas citações e uma espécie de consciência e agência. Sophia “defende”, “discorda” e até “considera” sobre vários pontos em discussão.
E é fácil achar que estamos perante um robô avançado: afinal, o suposto debate entre Sophia e outro robô desenvolvido pela mesma empresa serviu para promover uma loja online de tecnologias ligadas a inteligência artificial.
O problema é que tudo isto é muito pouco inteligente. Nenhuma das respostas de Sophia é criada por uma máquina. Sophia é um chatbot, um programa de conversação, e as suas respostas já estão todas escritas. O que o robô faz é cuspi-las com base na pergunta ou no tópico da conversa, identificando padrões e expressões através de processamento de linguagem natural.
Sophia é uma marioneta sofisticada que vende a ilusão (que todos queremos comprar) de inteligência, tentando corresponder às nossas expectativas do que deve ser um robô, através da utilização de uma prótese realística de uma cabeça humana. Não é por acaso que David Hanson, o fundador da Hanson Robotics, a empresa por detrás de Sophia, tem no seu currículo extensa experiência na criação de adereços e personagens animadas para a Disney.
Numa altura em que se discutem os preconceitos na inteligência artificial, porque os dados que alimentamos a estas máquinas carregam a nossa parcialidade e estereótipos, o que parece verdadeiramente importante — e que nenhum texto sobre este pequeno número de circo menciona — é questionar quem escreve as respostas que estão a sair do altifalante feito boca de Sophia.
O software de Sophia é baseado em código open-source e é possível ver as frases pré-escritas (não todas, seguramente) dadas pelo robô, organizadas por tópicos de conversa. Algumas das respostas dadas aos jornalistas estão aqui ipsis verbis.