O futuro do Governo e o Governo futuro
Talvez António Costa deva assumir que o seu Governo saído de 2019 será o seu verdadeiro Governo.
O Governo de António Costa tem quase dois anos. Chega a este meio da legislatura com as garantias máximas de um cumprimento integral do mandato, coisa que não é pouca tendo em conta o parto e as contingências de que se revestiu.
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O Governo de António Costa tem quase dois anos. Chega a este meio da legislatura com as garantias máximas de um cumprimento integral do mandato, coisa que não é pouca tendo em conta o parto e as contingências de que se revestiu.
O núcleo duro do Governo tem dois níveis — os que não carecem de autorização e os que dependem de carta de alforria. Teríamos muito a dizer sobre o segundo universo, analisando o universo da amizade e da intimidade somado ao campo da inevitável eficiência na ação política. Mas o que nos leva a este texto é o grupo dos três mosqueteiros, Augusto Santos Silva, Mário Centeno e Vieira da Silva.
São três personalidades fascinantes, quer numa perspetiva psicológica quer numa análise do seu posicionamento perante o poder, o real e o fático, o que sabem que têm e o que ampliam por ausência de concorrência.
Augusto Santos Silva foi um ministro dos Negócios Estrangeiros improvável para quem o não conhece. Mas ele é, tão só, uma parte do feito político das duas últimas décadas, quer no campo governativo em áreas tão próximas ou distantes como a educação ou a cultura, a gestão parlamentar ou a segurança nacional. Sabíamos que Augusto, que belo nome se pode ter, não deixaria de, progressivamente, afastar o seu lado menos cordato para dar lugar a um tempo de quase intemporalidade.
A consagração de António Guterres como líder das Nações Unidas, processo sempre visto por muitos, por nós, com pessimismo, somando um conjunto de outras conquistas relevantes em espaços de decisão internacionais, consagrou um mandato, uma forma de agir e de vencer. A mais recente eleição para o comité executivo da UNESCO confirma o tempo alto desta visão. Mas Santos Silva fez, ainda, uma alteração, que não é de somenos, nas linhas estratégicas da política externa. Garantindo o equilíbrio tridimensional da Europa, do Atlântico e da cooperação lusófona, somou um outro sentido, o da diáspora, em binária leitura e com elevado potencial de fogo.
Vejo Augusto a terminar o seu tempo de executivo, mas não o vejo a cessar a influência. É por isso que concedo razão a quem acha que Santos Silva poderá suceder a Ferro, num novo tempo político em que qualquer “geringonça” poderá revelar-se com formatos variados.
O sucesso na gestão das contas públicas é a demonstração da capacidade política e da sorridente inflexibilidade do titular das Finanças. Nada o demove de cumprir os objetivos que sempre nortearam a sua visão para o país, nada o impede de consagrar o princípio da credibilidade externa como elemento fundador das políticas de rendimentos. Portugal conseguiu corrigir algumas das maldades que o governo da troika determinou. Portugal apresenta um lastro de credibilidade que se afirma na estabilidade política. Portugal convenceu agências e investidores da “anormalidade” que vislumbravam aquando da constituição do Governo. A colocação de mais de mil milhões de euros a dez anos, com a mais baixa taxa de juro desde que há registo, tem enquadramento europeu mas tem muito de português.
Fala-se em Centeno para presidente do Eurogrupo e ele não nega o seu interesse. Acontece que Super Mário pode até suceder ao célebre Dijsselbloem, mas o lugar que Portugal lhe destinará será o de comissário, quando Moedas sair para ser candidato a líder do PSD e quando houver um novo executivo em Bruxelas.
Neste universo de sucesso, falta José António Vieira da Silva. Recuperação do emprego e redução do desemprego, coisas diferentes bem se sabe, amplificação da negociação coletiva, redução da instabilidade laboral, melhor estruturação dos apoios sociais, redução do peso da segurança social no orçamento geral, garantia de pensões por mais décadas. Sabíamos todos que esta era a “praia” de Vieira da Silva, o que não sabíamos era da sua enorme capacidade e paciência para, em tempo tão duro, consagrar uma política verdadeiramente progressista.
Vieira da Silva, proprietário de uma timidez que o impede de assumir amigabilidade instantânea (ou lhe concede a distância dos sábios), fez deste Governo e da pasta que lidera um esteio da longevidade da solução política encontrada.
O que tem Vieira da Silva para fazer em tempo próximo? Essa pergunta, quando adivinhamos a necessidade de assegurar em futuro executivo um ministério dos assuntos sociais que junte saúde e segurança social, leva-nos a vislumbrar a boa escolha de Costa para a liderança da próxima lista de candidatos ao Parlamento Europeu. Perguntar-se-á sobre o racional da escolha. Responderemos simplesmente que José António conhece o partido como poucos para o mobilizar numas eleições difíceis, assume o tempo de um outro nível de leitura política e institucional e garante que Portugal ganha em créditos nos combates de Estrasburgo sobre a Europa das pessoas.
Perante isto, o que pensará António Costa do seu futuro governo saído de 2019? Pensará que o tempo é novo, a resposta será nova e a dinâmica será outra. Talvez deva assumir que esse governo será, aí sim, o seu verdadeiro governo.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico