A sedutora Coreia inter-geracional
Dancing Grandmothers é inegavelmente uma obra contagiante.
Imagens de um road-movie em silêncio com paisagens rurais percorre o fundo de Dancing Grandmothers, enquanto o público se instala. Ainda em silêncio, mas já com uma tela branca de fundo, Eun-Me Ahn, a coreógrafa coreana dita rebelde, de cabelo rapado (quando as mulheres coreanas são culturalmente incentivadas a manter os cabelos longos), e vestida em coloridos trajes tradicionais coreanos faz uma entrada subtil desenhando no espaço delicados e lentos movimentos, reminiscentes de uma fusão entre as danças tradicionais coreanas e o Butoh. Após este breve e gracioso início segue-se um quadro cénico contrastante que constitui a primeira parte da peça: música electrónica, desenho de luz pop, figurinos coloridos, com padrões diversificados, renovados à medida que os nove bailarinos entram e saem em palco em movimento contínuo, com gestos simples e fluídos, no que se assemelha ser uma abstracção da dança tradicional coreana ou, pelo que observaremos depois, a incorporação pelos intérpretes do movimento dançado de mulheres idosas coreanas.
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Imagens de um road-movie em silêncio com paisagens rurais percorre o fundo de Dancing Grandmothers, enquanto o público se instala. Ainda em silêncio, mas já com uma tela branca de fundo, Eun-Me Ahn, a coreógrafa coreana dita rebelde, de cabelo rapado (quando as mulheres coreanas são culturalmente incentivadas a manter os cabelos longos), e vestida em coloridos trajes tradicionais coreanos faz uma entrada subtil desenhando no espaço delicados e lentos movimentos, reminiscentes de uma fusão entre as danças tradicionais coreanas e o Butoh. Após este breve e gracioso início segue-se um quadro cénico contrastante que constitui a primeira parte da peça: música electrónica, desenho de luz pop, figurinos coloridos, com padrões diversificados, renovados à medida que os nove bailarinos entram e saem em palco em movimento contínuo, com gestos simples e fluídos, no que se assemelha ser uma abstracção da dança tradicional coreana ou, pelo que observaremos depois, a incorporação pelos intérpretes do movimento dançado de mulheres idosas coreanas.
Segue-se a projecção em vídeo de um documentário que retrata essas senhoras com idades entre os sessenta e noventa anos, no seu quotidiano de trabalho da Coreia rural, e que reagem a músicas da sua juventude dançando com uma espontaneidade que seduz a audiência. No momento seguinte, um novo contraste: os intérpretes dançam uma fusão de pop, street-dance e movimentos coreográficos que se inscrevem nos género de boys e girls band, tão presente na chamada Korean Wave, a K-Pop popularizada em fenómenos como o do vídeo Gangnam style (2012).
Finalmente, dez avós coreanas entram em palco, dançando sozinhas ou com os restantes bailarinos, e a peça termina num animado momento de dança colectiva ao som de música pop, com as luzes e as bolas de espelho a darem o mote para um clubbing inter-geracional coreano. O momento apoteótico dá-se quando Eun-Me Ahn regressa ao palco e convida o público a juntar-se aos bailarinos para a grande festa colectiva, desafio acolhido com entusiasmo!
Dancing Grandmothers é a primeira obra de um trilogia que se completou com Dancing Middle-Aged Man e Dancing Teen Teen, através da qual a Eun-Me Ahn tenta elaborar um retrato épico da sociedade coreana em diversas gerações e contextos, um storytelling coreográfico partindo do reservatório corporal e performativo.
O desejo quase antropológico de documentar uma certa “autenticidade” da memória corporal em Dancing Grandmothers levou Eun-Me Ahn a uma road-trip em bicicleta pelas áreas rurais do seu país, desafiando as mulheres de uma Coreia pré-guerra e pré-globalização a dançarem ao som das músicas da sua época.
Contudo, Eun-Me Ahn serve-se de instrumentos tão sedutores quanto problemáticos para desenhar uma peça com uma dramaturgia simplista mas inteligentemente cativante para a grande audiência: recorre à sequência de cenas contrastantes e dinâmicas com traços coreográficos que combinam a cultura tradicional com o registo pop e electrónico. Explora, por um lado, a alteridade da sua cultura, e por outro, certas noções universalistas da natureza humana e de empatia, seja na projecção de imagens da dança das avós, seja através das performances pop, de fácil identificação para uma audiência ocidental. As imagens documentais surgem como registos de autenticidade e são recebidas ora com um certo romanticismo - o outro como exótico, lugar de uma genuinidade em desaparecimento - ora com reações de paródia - o outro como entretenimento.
Se na primeira parte os bailarinos propõem um exercício coreográfico intrigante, na abstração dos movimentos das senhoras idosas e pelo desencontro entre aqueles corpos e aqueles gestos, os momentos seguintes recorrem a uma literalidade representativa, seduzindo pela espectacularização e apelo emocional.
Entre Eun-Me Ahn e Pina Bausch é possível resgatar aproximações metodológicas na prospecção de gestos e figuras do quotidiano que depois são trazidas para palco. Contudo, se Bausch promovia uma desconstrução e reflexão sociológica através da sua dança teatral, Eun-Me Ahn recorre à montagem de momentos coreográficos ilustrativos e representativos sem uma elaboração mais complexa.
Ainda assim, Dancing Grandmothers é inegavelmente uma obra contagiante e mobilizadora de um público heterogéneo em torno de ritmos e cores esfuziantes, coreografias que nos lembram os vídeos hilariantes da K-Pop, e que combinadas com o exotismo das avós coreanas se converte num surpreendente fenómeno de encontro e entretenimento.